Youtubers acusados de agredir namorada receberam dinheiro público na campanha de Damares contra violência doméstica

Atualizado em 30 de agosto de 2020 às 12:43
Campanha de Conscientização e Enfrentamento à Violência Doméstica. Foto: Reprodução/YouTube

Por Caique Lima

O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), chefiado por Damares, teve uma campanha publicitária contra violência doméstica durante a pandemia veiculada no canal de pelo menos 3 youtubers acusados de agredir a esposa ou namorada.

Em maio, o ministério lançou a  “Campanha de Conscientização e Enfrentamento à Violência Doméstica” e a anunciou nas redes sociais, sites e canais no YouTube.

Dados obtidos pela Fiquem Sabendo, agência de dados especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que produtores de conteúdo acusados de violência doméstica foram beneficiados com dinheiro público.

São eles:

  • Fabiano Góes: Coach em relacionamento, é réu por agressão contra a ex-namorada. Ela relata ter sido agredida após descobrir uma traição em 2018. Fabiano nega as acusações;
  • Fred Elboni: Escritor e youtuber, foi acusado pela ex-namorada Suzanne Riediger de agressão física e tentar jogá-la pela janela do prédio em que estavam em 2018. Fred alegou que estava bêbado e apenas apertou o braço dela e a chacoalhou, mas pediu desculpas.
  • Japa: Sua ex-namorada, Bianca Anchieta, postou um vídeo nas redes sociais no qual ele a agride verbalmente. Segundo a moça, ainda, ele teria a agredido fisicamente e quebrado objetos de sua casa durante um surto psicológico.

 

Além destes youtubers, um nome que aparece na lista é a MK Music, uma gravadora de música cristã.

Ela é responsável pela música “A voz” de Cassiane, acusada de romantizar a violência doméstica.

Na versão original do clipe, a esposa é agredida pelo marido, deixa a casa e depois o perdoa. Após a polêmica envolvendo o clipe, no entanto, a mulher liga para o 180 (Central de Atendimento à Mulher) e o marido é preso:

Mas a MK Music não é o único canal gospel contemplado pela campanha: mais de 200 canais e sites de bispos, pastores, padres e igrejas receberam uma parcela do dinheiro pago pela obra.

O ministério de Damares gastou mais de R$ 1 milhão na campanha e os valores recebidos por estes canais são baixos: o mais alto entre os citados é o do MK Music: R$ 1.651,27 e a maioria deles recebem menos de R$3.

Apesar dos baixos valores, este tipo de anúncio acaba financiando os produtores de conteúdo que são acusados justamente do crime que a campanha tem o objetivo de combater.

Vale lembrar que os veículos que exibiram a propaganda não foram diretamente escolhidos pelo ministério.

Fábio Farias, que é jornalista e especialista em marketing digital explica que o conteúdo é distribuído a partir do “comportamento do usuário, não do site”:

“Você vai lá na ferramenta e, na hora de montar o anúncio, escolhe os segmentos de público que quer atingir”, conta.

Ou seja, o trabalho do ministério, além da criação da peça publicitária, é definir o público-alvo da campanha. Os alvos da campanha são definidos pelo comportamento dos usuários nas redes, não pelo conteúdo que consomem.

Para Fábio, “isso não tira do anunciante o poder de retirar canais que considera impróprio”:

“Na ferramenta, você pode puxar um relatório dos canais que a propaganda está sendo exibida e retirá-los. Ou você pode criar uma lista de canais negativos, subir no sistema para avisá-lo que a publicidade ali não pode ser exibida”.

Além disso, canais e sites com conteúdos “polêmicos” geram maior engajamento: comentários, likes, compartilhamentos. Isso faz com que a receita de publicidade aumente, gerando, segundo Fábio, uma “bola de neve”:

“Ou seja, um sujeito que faz um vídeo falando absurdos sobre violência contra a mulher, por exemplo, pode gerar uma porção de comentários negativos e de visualizações de vídeo, que vão fazer com que o Youtube distribua e recomende mais esse conteúdo e, em consequência, vai fazer com que ele abocanhe uma parte maior de quem anuncia no Google Ads”, explica.

O DCM procurou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para explicar o público-alvo da campanha e se houve algum planejamento para cortar a publicidade em canais e sites de produtores de conteúdo envolvidos neste tipo de acusação, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.