Exclusivo: Advogado que quer evitar delação de Tacla Durán recebeu pelo menos 3 milhões da Petrobras graças à Lava Jato

Atualizado em 18 de junho de 2020 às 16:36
René Ariel Dotti, o primeiro à esquerda do lado oposto ao de Lula: defesa passional de Moro

A contratação do escritório do criminalista René Ariel Dotti pelo advogado Carlos Zucolotto Júnior reforça ainda mais os argumentos da parcialidade de Moro no julgamento do ex-presidente Lula.

Zucolotto Júnior é amigo e padrinho de casamento de Sergio Moro e passou a ser nacionalmente conhecido quando o advogado Rodrigo Tacla Durán o acusou de extorsão.

Segundo Tacla Durán, que prestou serviços para a Odebrecht, Zucolotto exigiu 5 milhões de dólares para conseguir facilidades no acordo de delação premiada que estava sendo negociado em Curitiba.

A Lava Jato acusa Tacla Durán de fazer operações de lavagem de dinheiro, que ele nega.

O contra-ataque de Tacla Durán foi feito no primeiro capítulo de um livro que publicou na internet, Testemunho, escrito em português e espanhol. O texto já não está mais na rede.

Tacla Durán reproduz os diálogos que teve com Zucolotto Júnior entre março e abril de 2016, quando a Lava Jato negociava com ele um acordo de delação premiada.

— Como foi? Fizeram alguma proposta já? — pergunta Zucolotto.

Tacla Durán responde:

— Querem contar em cima um monte de coisa, nada a ver, que não tenho responsabilidade.

— Entendo. Vou encontrar a pessoa por esses dias para melhorar isso com o DD — comenta Zucolotto.

DD é supostamente Deltan Dallagnol.

— Estão me pedindo 15 milhões de USD$ de multa com base num assunto normal, sem crime.

— É muita coisa isso. Me dá uns dias que vou fazer contato para que DD entre nessa negociação.

Em conversa posterior, Zucolotto diz:

— Tem como melhorar essa primeira… Não muito, mas tem um pouco— propõe Zucolotto

— Não entendi — responde Tacla Durán.

— Tem como melhorar um pouco essa primeira proposta. Não muito. Tem interesse? — complementa Zucolotto.

— Como seria? — pergunta Tacla Durán.

— Meu contato vai conseguir que DD entre na negociação— responde Zucolotto.

— Certo. E o que dá para melhorar? — indaga, mais uma vez, Tacla Durán.

— Vou insistir para que altere o fechado para o domiciliar. E diminuir a multa. Ok?

— Para quanto?

— A ideia seria diminuir para 1/3 do pedido e vc paga 1/3 de honorários para poder resolver isso. Entende?

— Ok. Mas pago para vc os honorários?

— Sim, mas por fora, pq tenho que resolver o pessoal que vai ajudar nisso. Fazemos como sempre: a maior parte vc me paga por fora. Entende?

— Vão te mandar a alteração da minuta com o valor. Caso o valor de fora esteja bloqueado, aí vc paga em R$. Quando vc ler, vai entender.

O que dá credibilidade ao relato de Tacla Durán é que, conforme a conversa entre os dois, a força-tarefa da Lava Jato enviou e-mail para o advogado dele, como constava do acerto prévio.

Portanto, o envio do e-mail confirma que  Zucolotto tinha força para fazer a Lava Jato se movimentar.

Zucolotto, Moro, Rosângela e Tacla Duran, na imagem montada

Tacla Durán tirou prints da tela que registra a negociação com Zucolotto, e apresentaria à CPI da JBS, um ano e meio depois — em novembro de 2017. Detalhe: as telas foram periciadas pelo colégio de peritos da Espanha.

Mas antes disso, em junho de 2016, Tacla Durán transferiu para a conta do escritório de advocacia de Marlus Arns — do mesmo círculo de amizade do casal Moro e Rosângela —, 612 mil dólares, o equivalente hoje a cerca de 3 milhões de reais.

No ano passado, Tacla Durán apresentou o comprovante da transferência, em entrevista ao jornalista Jamil Chade, do UOL. “Paguei para não ser preso”, afirmou.

O pagamento era em decorrência do acerto com Zucolotto. Cinco milhões de dólares seriam pagos por fora.

Tacla Durán fez esta única transferência — faltavam, portanto, cerca de 4,4 milhões de dólares. Cinco meses depois, Moro decretaria a sua prisão.

Tacla Durán estava nos Estados Unidos, onde sua família tem um apartamento. Lá, tinha colaborado com o Departamento de Justiça, num processo contra a Odebrecht.

Apesar do decreto de prisão de Moro, viajou para Madri sem ser incomodado.

Na capital da Espanha, hospedou-se no Hotel Intercontinental, e foi preso alguns dias depois, em razão do mandado de Moro.

Três meses depois, foi solto e respondeu a um processo de extradição. Na primeira instância, o juiz espanhol decidiu que deveria ser entregue às autoridades brasileiras.

Na segunda e última instância, a extradição foi negada, em decisão unânime.

Pesou na decisão o fato de Tacla Durán ter cidadania espanhola, mas não só.

As acusações contra Tacla Durán eram decorrentes da delação de um empresário, Ricardo Pessoa, da UTC, e delações são mal vistas pela justiça espanhola, por conta do trauma que a ditadura do general Franco deixou.

Um ano depois, a Interpol — rede internacional de polícia — acolheu o recurso de Tacla Durán e retirou o seu nome da lista de procurados — na linguagem deles, cancelou o alerta vermelho.

Em outras palavras, jogou o mandado de prisão na lata do lixo, acatando a alegação — reforçada com provas, como entrevista de Moro à imprensa — de que o então juiz era parcial.

A parcialidade de Moro pode ser reconhecida também no Brasil, quando a Segunda Turma do STF concluir o julgamento de um HC apresentado pela defesa de Lula.

Os advogados do ex-presidente relacionam uma série de decisões e atitudes que demonstram que Moro agiu sem isenção.

Desde o grampo autorizado no escritório deles até a aceitação do cargo de ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, que ajudou a eleger com uma atuação política nos processos da Lava Jato.

Ou a condenação, prisão, a proibição de entrevistas e indeferimento do registro da candidatura de Lula não foi fundamental para a vitória de Bolsonaro?

Quando teve o registro de candidato a presidente indeferido, Lula ocupava o primeiro lugar nas pesquisas, com mais que o dobro das intenções de voto de Bolsonaro.

Na peça principal do HC, não são citadas as mensagens da Vaza Jato. Mas, mesmo sem elas, a parcialidade de Moro já era escancarada.

Ele atuava, basicamente, como o chefe da acusação contra Lula, segundo o entendimento de mais de uma centena de juristas. Era, portanto, parte.

Além de agir como parceiro dos procuradores da república, atuava também como sócio de outra parte do processo, a do assistente de acusação.

Sim, René Ariel Dutti sempre foi parte na Lava Jato, como assistente de acusação.

E uma parte bem remunerada, diga-se, conforme o contrato assinado com a Petrobras, a que o DCM teve acesso, por ter sido solicitado por um advogado de Curitiba com base na Lei de Acesso à Informação.

O contrato, assinado em dezembro de 2014, ainda na gestão de Graça Foster (que, registre-se, nunca foi denunciada pela Lava Jato), previu um pagamento de 3 milhões de reais ao escritório, mais 100 mil reais por ação em que fosse habilitado como assistente de acusação.

Como a Lava Jato conseguiu transformar suas denúncias em cerca de 110 processos, René Ariel Dotti pode ter recebido da estatal cerca de 14 milhões de reais.

Ele não teria recebido um único centavo se Moro deixasse de aceitá-lo como parte em cada uma das ações. Mas, a rigor, o escritório figura como assistente de acusação em todas elas.

Quem conhece os processos não encontrou em nenhum deles um trabalho de peso do escritório do criminalista. Mas ele se destacou, quando, em 10 de maio de 2017, fez uma defesa passional do então juiz, num ataque ao advogado Cristiano Zanin Martins.

“Parece que não se respeita a autoridade do juiz do caso. É evidente isso”, disse, em tom exaltado, durante o primeiro depoimento de Lula.

Zanin havia apresentado objeção a uma pergunta de Moro sobre questões políticas relacionadas ao processo — não era uma indagação sobre fatos.

Mais tarde, Zanin seria homenageado por mais de uma centena de criminalistas em razão da agressão verbal de Ariel Dotti, que é de Curitiba e que tem obras de reconhecido valor na área penal.

Com a defesa de Zucolotto Júnior, nas negociações de Tacla Durán para formalizar acordo de delação premiada na Procuradoria Geral da República, Ariel Dotti mostra que o círculo de amizade no que um dia se chamou República de Curitiba continua bem fechado. E exclusivo.

Moro já saiu em defesa do amigo, mesmo sem ter determinado investigação na época em que veio à tona a denúncia de Tacla Durán.

Se Moro não tinha nada a ver com a suposta traficância de Zucolotto, deveria ter interesse de ver tudo esclarecido. Bastava determinar a abertura de um inquérito.

Em vez disso, defendeu o amigo e faltou com a verdade ao dizer que Zucolotto não tinha atuação na área criminal.

Certamente, não havia se esquecido de que, alguns anos antes, Zucolotto foi seu advogado, juntamente com Rosângela Moro, num processo criminal contra o advogado Roberto Bertholdo, acusado de grampear clandestinamente o ex-juiz.

Também atuou como seu defensor na nota divulgada para rebater Tacla Durán. Este havia dito que Zucolotto trabalhara para ele, em processos anteriores à Lava Jato, razão pela qual já se conheciam quando houve a suposta negociação para o acordo favorável de delação premiada.

Moro disse que Zucolotto havia trabalhado para Tacla Durán apenas para extrair cópia de processos em Curitiba. Em que base fez a afirmação? Com base no que lhe disse Zucolotto?

Há caminho para obtenção de provas que podem desmentir o ex-juiz. E esses caminhos foram apontados por Tacla Durán no depoimento à CPI da JBS. Segue um trecho do depoimento:

No meu caso, não é a primeira vez que isso acontece. No ano passado, ainda quando eu avaliava a minha estratégia de defesa quanto ao impedimento ou suspeição do Juiz Sérgio Moro, pedi ao Cartório da 1ª Vara de Execuções Fiscais Municipais de Curitiba uma certidão comprovando que o advogado Carlos Zucolotto tinha atuado como advogado em processo da minha família. Na ocasião, o cartório levou cerca de 6 meses para emitir a certidão. E quando emitiu, emitiu sem o nome dele. Depois de toda essa demora, o cartório informou que o substabelecimento outorgado ao escritório do Dr. Zucolotto havia sido retirado dos autos sem qualquer autorização por escrito do juiz e sem comunicação às partes.

Uma advogada do meu escritório recebeu a informação de balcão, ou seja, extraoficial, de que o substabelecimento foi retirado a mando do próprio Dr. Zucolotto. Ele alegou, segundo as informações, não ter autorizado a juntada desse documento nos autos. Entretanto, Srs. Deputados, eu tenho em meu poder uma autorização do Dr. Zucolotto, enviada por e-mail, indicando os nomes dos advogados e autorizando o procedimento. Esse documento simplesmente sumiu, desapareceu, ninguém sabe onde está. Isso tudo foi omitido do Juiz Corregedor competente.

Eu peço a esta Comissão que oficie a esse Juiz Corregedor para que ele investigue esse fato, que cerceia o meu direito de defesa, e tome as medidas cabíveis, porque essa é a prova documental necessária para o eventual pedido de impedimento ou suspeição do Juiz Sérgio Moro no caso da minha defesa.

Tacla Durán na CPI

Até onde se sabe, a CPI da JBS, controlada pela base de Michel Temer na Câmara dos Deputados, não pediu informação ao juiz corregedor do Tribunal de Justiça do Paraná, bem como não aprovou requerimento para que Zucolotto Júnior fosse interrogado pela comissão.

Em vez disso, a Procuradoria Geral da República abriu investigação, que mais tarde seria arquivada, sem que o denunciante fosse ouvido. Ou que, no mínimo, houvesse uma tentativa de ouvi-lo.

O Ministério Público Federal tem o endereço de Tacla Durán na Espanha. Tanto que o intimou, por meio de carta rogatória, para que fosse ouvido em Madri.

Moro insiste para que as novas negociações (republicanas desta vez, presume-se) com Tacla Durán não avancem.

“Os relatos de Rodrigo Tacla Duran sobre a suposta extorsão que teria sofrido na operação Lava Jato, com envolvimento de um amigo pessoal, Carlos Zucolotto Júnior, já foram investigados na Procuradoria-Geral da República e foram arquivados em 27/09/2018, com parecer do então vice-procurador-geral da República”, disse, por meio de nota.

Moro já falou com Zucolotto.

“Falei muito pouco [com Moro]. Comentei com ele sobre [a PGR] reabrir, ele falou ‘cara, fica tranquilo, não tem nada de problema nisso, acho que a PGR não vai tocar adiante isso, não tem base nenhuma’”, disse, em entrevista à Veja.

Quem estaria pagando o escritório de René Ariel Dotti para defender Zucolotto? Como se viu pelo contrato da Petrobras, ele não cobra barato, e Zucolotto não é, até onde esse sabe, um homem rico, mesmo não vivendo só da advocacia.

Um mês antes de Moro assumir o Ministério da Justiça, ele se filiou à Associação Brasileira de Relações Governamentais, a entidade que representa os lobistas.

Na época, o jornalista Pedro de Carvalho publicou na coluna Radar, da Veja, que Zucolotto havia se tornado lobista profissional, de carteirinha.

DCM procurou Zucolotto na época da denúncia de Tacla Durán. Foi até seu escritório, em Curitiba, mas ele se recusou a dar entrevista, ainda que lhe tenha sido proposta uma sessão de perguntas e respostas sem edição.

Na semana passada, eu procurei o escritório de René Ariel Dotti, para perguntar ele via uma situação de conflito de interesses na defesa de Zucolotto. Foram estas as perguntas encaminhadas:

  1. Procede a informação, publicada pelo site O Antagonista, de que o escritório do Dr. Renê Ariel Dotti assumiu a defesa do advogado Carlos Zucolotto Júnior no caso da possível delação de Rodrigo Tacla Durán.
  1. Em caso positivo, por que o escritório pediu ao procurador Augusto Aras que não aceite a delação?
  1. Ao assumir a defesa de Zucolotto, amigo do ex-juiz Sergio Moro, o escritório não estaria em uma situação de conflito de interesse, considerando que o escritório é assistente de acusação da Petrobras na Lava Jato? A pergunta se justifica pelo fato da delação potencialmente envolver o próprio ex-juiz, já que, na hipótese de verdadeira a denúncia de Tacla Durán, as facilidades prometidas por Zucolotto em troca de U$ 5 milhões envolveria acordo que seria homologado por Sergio Moro.
  1. Em nome do escritório, o dr. Renê assinou contrato com a Petrobras, em 15 de dezembro de 2014, pelo qual receberia pelo menos R$ 3 milhões para ser assistente de acusação na Petrobras. É correta essa contratação sem licitação por parte da Petrobras?
  1. Que serviços foram prestados nos processos da Lava Jato?
  1. Fique à vontade para fazer outros esclarecimentos ou comentários.

A resposta foi dada pelo advogado Alexandre Knopfholz:

Prezado Sr. Joaquim de Carvalho:

Agradecendo o contato, em atenção aos questionamentos formulados, informa-se:

  1. não há conflito de interesses na representação do Sr. Carlos Zucolotto Júnior;
  1. a contratação do Escritório pela Petrobras deu-se em estrita consonância com a legislação.

Se Tacla Durán não tem nada mais a dizer, ninguém perde. Se tem, o Brasil ganha. É preciso passar a limpo a história da indústria da delação premiada em Curitiba.

Certamente, só é contra quem tem contas a ajustar. Quem não deve não tem o que temer.

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Segue o contrato assinado pela Petrobras e o escritório de René Ariel Dotti: