EXCLUSIVO: Blogueiro que rompeu com MBL e com o bolsonarismo conta em livro como funcionam as fake news

Atualizado em 6 de abril de 2021 às 17:00
Luciano Ayan fala ao DCM. Foto: Pedro Zambarda/DCM

Carlos Afonso, blogueiro e técnico de TI conhecido pelo apelido “Luciano Ayan”, era um dos parceiros do Movimento Brasil Livre (MBL) no golpe contra Dilma Rousseff e chegou a militar pela eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018. Rompeu com ambos e concedeu uma entrevista ao DCM em 2019 falando sobre seus arrependimentos

“Se voltasse no tempo, teria votado em Ciro Gomes ou Fernando Haddad. Por mais que isso possa incomodar algumas pessoas de meu círculo de amizades. Hoje em dia eu prefiro um candidato de esquerda democrática a um de direita autocrática”, disse na ocasião.

Ayan foi preso em julho de 2020 suspeito de envolvimento no desvio de mais de R$ 400 milhões em impostos federais como parceiro do MBL. O movimento nega relação com o blogueiro e o fundador Renan Santos afirmou que a denúncia ao Ministério Público partiu de perfis bolsonaristas com a anuência do filho do presidente da República, Carlos Bolsonaro.

Ele responde o processo em liberdade. Com exclusividade ao Diário do Centro do Mundo, enviou 10 páginas do livro que está finalizando sobre distorções de notícias e disseminação das fake news. Ayan fala sobre o trabalho que ele fez para sites como JornaLivre e O Diário Nacional, páginas de extrema direita que eram parceiras do MBL e atacavam a esquerda.

Não utiliza só manchetes que ele fez, mas também as que identificou no bolsonarismo e em sites de fake news hoje. É um manual para entender esse fenômeno.

“Manchetes do Inferno” é uma pequena amostra do que Ayan quer tornar público na imprensa, desconstruindo o que ele mesmo fez e que ajudou a eleger Bolsonaro.

Cinco padrões de desinformação

Padrões de desinformação no livro de Ayan. Foto: Reprodução

Ao deixar o MBL, o olavismo e o bolsonarismo, Ayan passou a estudar o fenômeno da desinformação no mundo e identificou cinco padrões nessas páginas, com 94 desdobramentos. Logo no início do documento, ele deixa claro suas intenções:

“A divulgação desse conteúdo não é para que se produzam manchetes deste tipo. É para evitar que pessoas de boa-fé caiam em manchetes assim. Nessa fase, eu andava próximo a grupos que vivem consumidos por ódio. Hoje, meu interesse é na divulgação de meios para que esse tipo de material – focado especificamente em polarização animalesca – possa ser contido”.

Ao trabalhar com manchetes nos veículos parceiros do MBL, Ayan tratou dos seguintes padrões: Esperança, Medo, Guerra Moral, Desmascaramento e Ridicularização. Dentro de cada um dos padrões, há subcategorias que se encaixam em manchetes específicas tratadas por esses sites de fake news.

Esperança lida com “oponente fulo com nossa vitória”, “recuo obrigatório do outro” e “laudo de fragilidade adversária”. Medo lida com “exemplo de mal” e “exposição de vítima do mal”. Todas as subcategorias mostram padrões organizados de ataque que não tem a ver com a produção original ou mesmo legítima de notícias ou opiniões.

Ataques contra grevistas, feministas e figuras de esquerda

Luciano Ayan dá exemplos de padrões de ataque ele fez parte nesse texto. E nomeia os inimigos desses sites que prestaram serviços à extrema direita em seu estudo.

Ele cita caso de integrantes do movimento feminista:

“2.18. Exemplo do mal (‘os ataques ao STF ilustram a pior face do totalitarismo’, ‘a violência contra (x) mostra o que acontece quando radicais de (y) tiram a máscara de tolerância’, ‘a violência contra (x) é a mostra definitiva de quem são os verdadeiros fascistas’, ‘(x) dá mais um atestado de sociopatia ao ofender os brasileiros em ‘mensagem natalina’’); 2.19 Exposição de vítimas do mal (‘Campanha de ódio contra (x)s gera vítima: (y) sofre tentativa de assassinato’, ‘brasileiros que comemoraram mortes no presídio de Manaus são as principais vítimas da criminalidade’, ‘Sadismo absoluto: feministas tentam impedir que crianças paralíticas da AACD recebam doação’)”.

E ataques abertos contra funcionários públicos, grevistas e esquerdistas:

“3.17. Esqueletos no armário (‘Juíza que prendeu manifestantes da greve já propagou mensagens de grupos golpistas’, ‘Será que serviam pipoca e miojo no avião presidencial de (x) e (y)?’); 3.18. Exposição de vergonhas (‘As capas vergonhosas de (x) e (y): Sérgio Moro não é time, é juiz’, ‘(x) fugiu, sim, para poder atacar impunemente’, ‘Áudio representa o striptease moral de (x)’, ‘O jogo sujo da Lava Jato continua: Duque delata sem provas’, ‘Pichação no Monumento às Bandeiras: arte de esquerda é sujar e cagar’); 3.19. Exposição de injustiças (‘A Justiça de (x) – (y), inocentada. Já (w), nem depois de morta’, ‘Funcionários estatais ganham 63,8% a mais do que funcionários privados que os sustentam’, ‘O problema não é o STF pedir indenização aos presos, mas sim desprezar o povo honesto mais uma vez’); 3.20. Limpinhos que são sujinhos (‘(x) disse ter sido assediada por tucanos, mas recusou oferta. É que o autor já tinha se vendido ao outro lado’, ‘Agora tudo faz sentido: o lambe-botas soteropolitano também está na lista de (x)’)”.

Qual o objetivo de Luciano Ayan com esse livro?

Carlos Augusto de Moraes Afonso, conhecido pelo pseudônimo Luciano Ayan, foi preso temporariamente em julho
Imagem: Reprodução/UOL

O blogueiro e técnico de TI está escrevendo este livro desde 2019 e está nos estágios finais de revisão. Serão mapeados, numa escala maior 18 regras de desinformação e nove estratégias de “hackeamento” de discurso. O objetivo dele é que esses padrões não se repitam na comunicação política, o que abre espaço ao bolsonarismo.

“Aqui vocês verão 94 padrões de manchetes sensacionalistas divididas em 5 categorias. Esse material foi originalmente composto entre 2016 e 2017, ou seja, bem antes de que eu me especializasse em métodos de gaslighting e outros de manipulação (não para usar a manipulação, mas para explicar como sair dela)”, ele explica.

E completa:

“Hoje em dia, não tenho mais qualquer interesse em produzir notícia. Meu foco é outro: reduzir o grau de caos informacional, motivo pelo qual hoje priorizo dinâmica social, teoria do seletorado, teoria dos jogos e métodos para neutralizar a desinformação. Entre eles, produzi duas séries sobre seitas políticas. O excerto que contém essas 94 manchetes é apenas uma parte de um material mais amplo que está sob revisão. Logo, em breve teremos novidades”.

Leia abaixo o material inédito de Ayan em 10 páginas.