Por Vinícius Segalla, do DCM, e Gustavo Aranda, dos Jornalistas Livres
Ele é bonito, sedutor e, segundo afirma, admirador e defensor das mulheres. Ele é dono de uma clínica de terapia, massagem, tratamento da coluna, e, segundo afirma, é fisioterapeuta. Ele já atendeu personalidades como o jornalista Pedro Bial, a cantora Kefera e o modelo Pedro Rocha, e, segundo afirma, o que gosta mesmo é de atender aos mais necessitados. Ele é acusado de estupro, tentativa de estupro, lesão corporal e exercício ilegal da profissão, e, segundo afirma, é completamente inocente. Seu nome é Nelson Lemoine, e essa é a sua história.
Nelson é proprietário da Clinique de L’Avenir. Conforme a mesma propaga, oferece um tratamento chamado Body Alignment, supostamente criado pelo próprio Nelson, e que consistiria em uma “técnica que realinha o corpo e alivia dores e incômodos promovendo qualidade de vida e bem estar”. De acordo com ele, sua formação acadêmica é de fisioterapeuta graduado, com mais de 600 horas de cursos e especializações em variados cursos de saúde. As imagens abaixo, constantes em inquéritos policiais aos quais a reportagem teve acesso, indicam que Nelson Lemoine se identificava como fisioterapeuta para realizar atendimentos clínicos.
Na realidade, porém, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) não tem em seu cadastro nenhuma inscrição deste profissional. Por causa disso, Nelson Lemoine sofre um processo na Justiça, movido por ex-sócios da Clínica L’Avenir, que afirmam terem sido ludibriados por ele. A lei penal que teria sido infringida é a que segue.
Artigo 47 do Decreto Lei nº 3.688 de 03 de Outubro de 1941
Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa
Não é o exercício ilegal da profissão, no entanto, a única nem talvez a mais grave ilicitude de que Lemoine é acusado. A reportagem do DCM e dos Jornalistas Livres teve acesso ao depoimento de dez mulheres – por meio de documentos oficiais presentes em inquéritos policiais ou através de entrevistas concedidas à reportagem – em que o suposto fisioterapeuta é acusado de estupro, tentativa de estupro, lesão corporal e violação sexual mediante fraude ou estelionato sexual. São mulheres que não se conhecem, que moram em diferentes estados do Brasil, que não possuem qualquer tipo de relação pessoal e que afirmam terem sofrido as agressões em anos e locais diferentes.
Ainda assim, de acordo com o que afirmou Nelson Lemoine à reportagem, todas elas estão mentindo e trabalhando em conjunto para minar sua reputação e lhe causar danos morais e materiais. Os fatos narrados por elas serão descritos a partir de agora. A reportagem omitiu o nome de todas as denunciantes – que temem, sem exceção, represálias por parte do acusado.
São, basicamente, dois tipos de denúncias: as de assédio durante os tratamentos supostamente fisioterápicos, que teriam ocorrido em ambiente de consultório, e as de agressão, estupro e tentativa de estupro, supostamente praticadas em ambientes particulares, fora do exercício da profissão. A que segue abaixo é do segundo tipo. É um trecho de um boletim de um Boletim de Ocorrência, lavrado em 27 de julho de 2015.
A ocorrência acima foi lavrada por uma ex-mulher de Nelson Lemoine, no estado de São Paulo. Ele tem 28 anos anos. A vítima, sua ex-esposa, tem 48. Já a imagem que segue abaixo é reprodução de um Boletim de Ocorrência lavrado em 3 de maio deste ano, no estado de Santa Catarina, e que já deu origem a um inquérito policial.
A situação narrada acima pela vítima não é a única que ela afirma ter sofrido. Em outra denúncia, cujo Boletim de Ocorrência a reportagem também teve acesso, mas que não foi autorizada pela vítima a reproduzir o documento, em virtude do excesso de exposição a que ela seria submetida, é narrado que Nelson Lemoine efetivamente a estuprou, jogando-a em uma cama e, segurando-a com os braços, conseguiu efetivar a penetração, até o momento em que a vítima, aos chutes e socos, conseguiu se livrar da situação e fugir.
A reportagem teve acesso ainda a dois outros boletins de ocorrência, de duas outras mulheres, que alegam terem sido agredidas pelo mesmo acusado, com socos, chutes e, também verbalmente, tendo sido chamadas de “vagabunda” e outras palavras de significado semelhante. Uma delas estava grávida de oito meses, de um filho dele, e foi atendida no Hospital Pró Mater após as agressões. Uma das agredidas afirmou às autoridades policiais, ainda, que teve suas senhas e contas de e-mail e redes sociais invadidas por ele, que passou a espioná-la.
As acusações de violação sexual mediante fraude
A acusação de invasão de privacidade e crime cibernético, descrita acima, não é a única que sofre Nelson Lemoine. Também um ex-sócio da clínica L’Avanir, que igualmente pede pediu para ter sua identidade preservada, o acusa judicialmente de ter invadido sua conta de e-mail e Whatsapp, e anexou aos autos do procedimento legal o que seriam provas de mais este crime.
“Eu recebi denúncias de clientes que relataram terem sofrido abusos do Nelson durante as consultas clínicas. Quando reuni elementos para ter certeza de que estavam falando a verdade, decidi deixar a clínica dele e abrir outra. Durante as sessões de tratamento, o que ele fez foi tentar beijar à força uma paciente, ou passar a mão nas partes íntimas de outras, fingindo ser parte do tratamento”, relata seu ex-sócio.
De acordo com o que ex-pacientes de Nelson Lemoine narraram à reportagem – em entrevistas gravadas – o relato acima faz sentido.
“Eu estava na maca, de barriga para cima, de olhos fechados enquanto ele fazia massagem no meu ombro, e então ele me beijou na boca. Eu imediatamente levantei, interrompi a sessão, e ele pediu desculpas, disse que se deixou levar pela minha beleza”, contou uma ex-paciente, que também narrou o ocorrido ao ex-sócio de Nelson, que veio a deixar a sociedade e denunciá-lo.
“Eu estava de costas, na maca. Ele começou a passar a mão na parte interna das minhas coxas, e então foi subindo, encostando na minha vagina e percorrendo para cima, no meio do meu bumbum”, contou outra paciente, bastante constrangida, à reportagem.
O que foi narrado ao longo desta reportagem é apenas o conteúdo que as supostas vítimas permitiram que fosse publicado. O DCM e os Jornalistas Livres têm em seu poder outros relatos e documentos, fornecidos ao todo por dez supostas vítimas, e que estão à disposição, mediante autorização de quem os narrou e forneceu, das autoridades competentes.
O Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, já está ciente da maioria das denúncias relacionadas ao acusado, e reúne todas as informações e relatos referentes ao assunto, não importando em qual estado brasileiro eles venham a ter ocorrido. As autoridades competentes pedem que quem quer que se disponha a narrar novos fatos referentes ao tema, sempre tendo respeitado o direito ao anonimato, que encaminhem mensagens para o e-mail [email protected].
Outro lado
Nelson Lemoine conversou com a reportagem do DCM e dos Jornalistas Livres, que o colocou a par de todas as acusações que lhe são feitas. Negou todas. Disse possuir licença para exercer todas as práticas terapêuticas que exerce. Disse que nunca adotou nenhuma prática invasiva, abusiva ou ilegal com quaisquer de suas pacientes. Afirmou que tudo tem origem em uma disputa pela técnica terapêutica que Nelson teria desenvolvido e que estaria tentando ser usurpada por seu ex-sócio.
“Estou sofrendo ataques, calúnias e difamações em questão de uma dissolução de contrato social, onde meu antigo sócio quer se apoderar, e há um crime configurado, caracterizado, como expropriação de propriedade intelectual. Eu nunca me me intitulei como fisioterapeuta. Meu advogado já está tomando as medidas cabíveis.””
A respeito das acusações que sofre fora do âmbito profissional, Nelson Lemoine afirma que são referentes a discussões e brigas com mulheres com quem ele se relacionava, em que também foi agredido por elas, e nas quais não praticou o crime de estupro nem de tentativa de estupro.
“Isso difere totalmente da minha vida profissional. Ainda assim, são acusações caluniosas, pretendo entrar com ações judiciais, porque não há provas. Teve um episódio, um tanto catastrófico, referente a um dos boletins de ocorrência, porque no outro boletim de ocorrência, a moça nem foi adiante. Ela (a autora da denúncia) está junto com o meu ex-sócio. E o objetivo deles é me tirar do mercado, para herdar a metodologia que desenvolvi.
Mas, voltando para o caso que foi adiante, ela (a autora da denúncia) chamou a polícia, mas ela é quem estava me agredindo. Eu nego todas essas denúncias, tanto da parte dos boletins de ocorrência, quanto no âmbito profissional, que está impactando negativamente na minha vida.”