EXCLUSIVO: Como um deputado emprega a namorada e recria sua história para lançá-la candidata

Atualizado em 3 de março de 2020 às 9:30
Deputado Loester Trutis (PSL-MS) posa com Jair Bolsonaro e a caneca da Frente Parlamentar Armamentista. Parlamentar é a principal liderança bolsonarista de seu estado

O deputado federal Loester Trutis (PSL-MS), criador e coordenador da Frente Parlamentar Armamentista, emprega a namorada em seu gabinete, com um salário de R$ 14.485,18. Trata-se da advogada brasiliense Raquelle Lisboa Alves, de 26 anos. Trutis é secretário-geral do PSL municipal de Campo Grande. Atualmente, ele prepara o lançamento da campanha de Raquelle, com quem mora em Brasília, ao cargo de vereadora da capital sul-matogrossense. Para fazê-lo, o deputado e sua companheira estão elevando o conceito de fake news a novos patamares, falseando todo o passado e o presente da futura candidata.

Essa história será contada a partir de agora, com base em testemunhos, provas, fotos e documentos, começando pelo presente – falso, montado ao gosto eleitoral – e terminando no passado – real e inservível para as pretensões do casal.

A atual Raquelle Lisboa: mãe, conservadora e filha do Pantanal

Assista ao vídeo abaixo, publicado pela “consultora política” Raquelle Lisboa.

Se você acha que mulher e política não combinam, você não entende nem de uma coisa e nem da outra!

Posted by Raquelle Lisboa on Wednesday, February 12, 2020

Como se vê, Raquelle Lisboa se dirige diretamente ao povo de Mato Grosso do Sul. Trata a capital do estado como “nossa cidade”. Anuncia que “nós temos ideias que podem mudar a vida das pessoas que nós amamos”. No canto inferior esquerdo da tela, há um logo com seu nome. Por aí vai toda a comunicação que a assessora parlamentar mantém em sua conta de Facebook e no Twitter, ambas iniciadas em janeiro deste ano. Mais pré-candidata, impossível.

Sua plataforma eleitoral poderia ser r
esumida em seis palavras: “Deus, Pátria, Família, Vida, Propriedade e Liberdade”. De fato, sua plataforma assim está resumida, nessas palavras e nessa ordem, como estampam suas redes.

Imagem de capa utilizada pela assessora parlamentar Raquelle Lisboa em suas redes sociais

É também no seu Facebook que ela apresenta suas credenciais para o cargo que supostamente irá disputar (por ora, se apresenta como “consultora de carreira”):

*Graduada em Direito.
*Formada em Inglês e Espanhol.
* Assessora no Supremo Tribunal Federal com conhecimento de todos os temas de repercussão geral.
*Advogada em um dos maiores escritórios de Brasília especialista em Direito Constitucional e Tributário.
* Assessora na Câmara dos Deputados.
* Advogada da Frente Parlamentar Armamentista.
* Advogada da Frente Parlamentar em prol da Iniciação Científica.
* Experiência internacional.
* Advogada e consultora do Movimento Conservador do Mato Grosso do Sul.
* Segunda graduação em Gestão Pública.
* Pós graduanda em Direito Constitucional e Políticas Públicas.

Raquelle se apresenta como advogada de um grande escritório e de mais três instituições, assessora parlamentar e cursando uma pós-graduação em Direito Constitucional

A carga horária de um secretário parlamentar é de 40 horas semanais. Raquelle encontra tempo para cumprir todas essas atribuições e ainda responder aos internautas que têm interesse em conversar com ela, por meio da janela automática que abre em sua página paga do Facebook, que já convida à interação com perguntas sugeridas, como se vê na imagem acima, no canto inferior direito. Como ela consegue fazer tudo isso, ela não explica.

Outro conceito que a assessora parlamentar vem trabalhando é o de defensora das mulheres sem ser feminista. Mais fácil do que tentar explicar o que poderia significar isso, é mostrar, como segue abaixo.

Postagem da assessora parlamentar Raquelle Lisboa  Postagem de raquelle L

 

Como se nota ao passear por suas páginas, a assessora parlamentar agrupa ainda às suas tarefas diárias a produção de caudaloso conteúdo de redes sociais, com vídeos, cards, memes e textos de propaganda política. Ou isso, ou tem alguém fazendo isso por ela, a troco não se sabe de quê.

Não há nas páginas de Raquelle qualquer menção às suas realizações ou rotinas como secretária parlamentar SP 24, cargo comissionado de regime de 40 horas em que está lotada, ao custo mensal para o contribuinte brasileiro de R$ 14.485,18.

Descrição do cargo de Raquelle Lisboa no gabinete do deputado federal Loester Trutis (PSL-MS)

A verdadeira Raquelle Lisboa: sem filhos, liberal e filha de Brasília

Todas as páginas nas redes sociais de Raquelle foram abertas do final do ano passado a janeiro deste ano. Antes disso, nada consta. Ela tinha uma conta no Instagran, onde, a partir de janeiro deste ano, assumiu o mesmo discurso eleitoral de cunho conservador que mantém nas demais redes. Por essa rede, por mais que ela apagasse, ainda se podia ver suas postagens antigas, anteriores à sua admissão no gabinete do deputado Loester Trutis. Então, ela resolveu apagar tudo. Veja, abaixo, algumas das publicações apagadas.

Como se nota, são imagens que em nada depõem contra a assessora, mas que ela considerou inservíveis para imagem que agora monta para si mesma, então resolveu apagar tudo.

Antes de entrar no gabinete do deputado Trutis, em fevereiro de 2019, ela não tinha qualquer relação com Mato Grosso do Sul, seja profissional, familiar, afetiva, nada. Em uma das postagens que resolveu apagar, de janeiro deste ano, ela própria admite que está sendo apresentada e vendo pela primeira vez, em um museu, o conhecido “Baratão de Corumbá”. Quem é da região sabe o que isso significa. Então, melhor apagar.

Raquelle se formou no ensino médio em 2013, em Brasília, e depois cursou Direito, também em Brasília. Passou no exame da Ordem em março de 2018, em Brasília. A lista dos aprovados está aqui. Como ela fez para, em menos de dois anos, se tornar consultora política e advogada de um grande escritório e de outras três instituições, além de assessora do STF, enquanto cursa uma segunda graduação (Políticas Públicas) e uma pós-graduação, só ela pode explicar.

É que, na verdade, nem tudo é bem assim. Ela não foi “assessora do STF com conhecimento de todos os temas de repercussão geral”, como diz. Ela foi estagiária do setor de recebimento e distribuição de recursos, no ano de 2016, com uma bolsa-auxílio de R$ 976,51.

Tampouco é advogada da Frente Parlamentar Armentista nem da Frente Parlamentar de Iniciação Científica, as duas criadas e presididas pelo deputado Trutis. Em ambas, ela figura como secretária e tem entre suas atribuições digitar e lavrar atas, como se vê abaixo.

Quanto à formação em inglês e em espanhol, a segunda graduação, a pós-graduação e a experiência internacional que a assessora de Trutis afirma ter, só ela poderá dar mais detalhes, fica o desafio ao leitor para encontrar qualquer documento, prova ou indício dessas atividades de Raquelle por meio de pesquisa na rede mundial de computadores.

O relacionamento afetivo de Trutis e Raquelle é um segredo de polichinelo em Brasília e nem isso em Campo Grande. Por enquanto, o casal não se exibe publicamente, o que se espera fazer apenas quando a campanha eleitoral efetivamente começar. Apesar disso, como se pode ver no vídeo no início desta reportagem, ela já se anuncia como mãe. Raquelle não tem nenhum filho biológico, mas trata os três do companheiro como se fossem seus. Um veículo local chegou a tirar foto da família toda em um shopping em Brasília – passeando em horário de expediente, como publicou – mas Raquelle virou o rosto, ainda não é hora dessa verdade. Por enquanto, anuncia que é mãe, mas não diz quem é o pai.

Mas é um segredo de polichinelo. Às vezes, nem mesmo eles levam a sério, como quando publicaram, com intervalo de um dia, fotos passeando de barco no Pantanal, com o mesmo tipo de colete e a mesma paisagem, na mesma embarcação, mas um em cada foto.

Verdade seja dita, o deputado não contratou sua namorada. Ela foi admitida em fevereiro de 2019, foi chamada para ser secretária parlamentar SP20, com salário de R$ 5 mil, pelo então chefe de gabinete de Trutis, Ciro Fidelis. Passaram a namorar em maio do ano passado. No mesmo mês, seu salário triplicou, ela pulou de SP20 para SP25, o mais alto cargo em um gabinete. Depois, foi rebaixada a SP24, mas o salário seguiu o mesmo.

Quais foram as mudanças em suas atribuições e os demais motivos que levaram Raquelle a ter o salário triplicado após poucos meses no cargo, só ela pode explicar.

Na verdade, o deputado Trutis, chefe de Raquelle e dono do mandato e das verbas públicas envolvidas, também poderia ou deveria explicar. Quem é de Campo Grande sabe que essa é só mais uma questão que o deputado poderia ou deveria explicar.