Pai conta ao DCM como Russomanno o enganou após filho ser atropelado e morto pelo motorista do candidato

Atualizado em 22 de outubro de 2020 às 20:52
A senhora Valdete Carneiro Borges e o senhor Nélio Rocha Borges, com a foto do filho Marcelo: morto na estrada onde costumava salvar vidas
(Fotos: Luís Simione) 

POR VINÍCIUS SEGALLA, de Iguape (SP)
* Com Luís Simione, repórter fotográfico e cinematográfico

Em setembro de 2014, no município de Iguape, no litoral paulista, o então candidato a deputado federal Celso Russomanno prometeu ao avô de uma criança de 4 anos, que acabara de ficar órfã de pai, que faria uma doação em dinheiro e a colocaria em uma conta reservada à criança, para ser resgatada aos 18 anos ou quando ingressasse na universidade.

Quem conta é Nélio Rocha Borges, o avô, que recebeu o DCM em seu restaurante.

Ele afirma que Russomanno prometeu também que iria, dali a alguns dias, batizar a menina (que já era batizada), tornando-se seu padrinho.

Mas, depois da eleição, o candidato desapareceu da vida daquela família.

A criança, hoje com 10 anos, era filha de Marcelo Carneiro Borges, motorista de ambulância da prefeitura de Iguape.

Ele morreu aos 38 anos no dia 9 de setembro de 2014, enquanto ia de moto para um município vizinho. Um carro da campanha de Celso Russomanno atravessou a pista contrária e o atingiu de frente.

Morte instantânea.

O motorista de ambulância Marcelo Carneiro Borges, morto na estrada em 2014 por um carro da campanha de Russomanno

Quem conduzia o veículo era Adriano Anders, que disse à polícia que era garçom. Ainda no local, confessou que dormira ao volante.

Anders foi levado a um hospital para cuidar de ferimentos leves. Foi lavrado um boletim de ocorrência com essas informações, por homicídio culposo.

Essa tragédia e seus desenlaces são de conhecimento público no bairro da Barra do Ribeira, conhecido pelos turistas como Jureia, em Iguape.

Ali só se chega de balsa ou outra embarcação. No dia que fez a promessa aos pais da vítima e avós da órfã – a senhora Valdete Carneiro Borges e o senhor Nélio Rocha Borges – Russomanno antes pousou de helicóptero em Iguape.

Quando chegou de carro, dezenas de pessoas aguardavam na saída da balsa na Barra do Ribeira.

Foi no restaurante Praia e Mar – de propriedade da senhora Valdete e do senhor Nélio – totalmente lotado que o então candidato prometeu não só o investimento para a educação superior da menina, mas também que voltaria à Barra do Ribeira dali uns dias, para (re)batizar a criança como sua afilhada, em cerimônia religiosa pública para a qual todos ali estavam convidados.

O aplauso foi geral.

“No meio da tragédia que a gente estava vivendo, aquilo foi um alívio, foi algum motivo de alegria. A menina (a reportagem não irá publicar o nome da criança) lembra até hoje desse dia. A eleição foi logo depois. Eu votei nele (Russomanno), minha mulher também votou, os amigos do meu filho da prefeitura votaram nele, todo mundo aqui votou nele”, conta Nélio Borges.

Em entrevista concedida ao DCM, Nélio relatou em detalhes todo o episódio (assista ao vídeo no pé desta matéria), que teve início na manhã no dia 9 de setembro, quando recebeu um telefonema em casa e se dirigiu ao quilômetro 78 da rodovia estadual Ivo Zanella, momento em que mais nada poderia ser feito.

Com ferimentos leves, o motorista foi conduzido ao PS local. Já Marcelo teve a perna amputada e morreu na hora (Fonte: Polícia Civil de SP)

“Quando eu cheguei, meu filho já tinha sido levado pro IML (Instituto Médico Legal). Vi o carro da campanha do Celso Russomanno, um gol vermelho lotado de adesivo, e a moto do Marcelo do lado da estrada. O motorista estava sentado junto com uns policiais, com um corte na testa. Fui embora rápido de lá, direto ver meu filho, nem passei na delegacia.

Depois que eu fiquei sabendo que o Celso Russomanno tinha passado na delegacia, queria saber quem eram os familiares da vítima, queria conhecer a gente. Então, no dia seguinte do enterro, ele ligou aqui no restaurante e disse que queria conhecer a gente.

Ele falou que tinha perdido a esposa quando a filha tinha quatro anos, que estava sensibilizado com a nossa tragédia e que queria ajudar a menina. Eu disse que as nossas portas estavam abertas para ele vir encontrar a gente.”

Nélio conta do dia da promessa, a chegada do candidato, a alegria de todos.

Segundo ele, Russomanno lhe pediu que providenciasse uma série de documentos para que se pudesse abrir a conta bancária com as peculiaridades necessárias, uma conta-investimento que receberia a doação do candidato e que só poderia ser movimentada dali a 14 anos, ficando sob tutela do avô até lá.

Depois de tudo providenciado, que enviassem a documentação e ligassem para ele, Russomanno, e então marcariam a data do batismo.

A neta de Nélio Rocha Borges

“Fomos atrás dos documentos todos, chamei advogado, organizamos direitinho e eu liguei no número que ele tinha dado. Atendeu uma moça, que trabalhava com o Celso. Ela disse que não tava sabendo e me passou para outra. Nesse dia não deu certo, eu liguei de novo no outro, e depois no outro.

Um dia, a eleição já tinha passado, me deram um telefone de Brasília. Eu liguei e anotaram meu número. Daí, me ligou um homem e falou que era o doutor Pedro. Era advogado do Celso Russomanno.

Ele me falou para ir para São Paulo, no seu escritório, no bairro do Ipiranga. Um escritório grande, no fundo de uma padaria. Eu fui com minha esposa, minha neta, minha outra filha e um advogado.

O Pedro não saía do telefone, falava com a gente, gesticulava, dizia que não estava conseguindo falar com o Celso. No final, pegou o número do telefone do meu advogado e disse que em 15 dias iria entrar em contato, informando a quantia que ele ia doar e os procedimentos que a gente teria que fazer. Nem nesse dia nem nunca mais o Celso Russomanno falou pessoalmente com a gente.

Passaram os 15 dias e o advogado não ligou. Depois de 20 dias, meu advogado ligou, falou com o doutor Pedro e contou para a gente: o Celso disse que ia dar R$ 300. Eu perguntei, ‘mas como assim? R$ 300 por mês?’ Ele respondeu, ‘não, R$ 300, e acabou por aí. E nenhuma palavra sobre ir batizar a menina.

É claro que eu nem quis esse dinheiro. Eu nunca tinha pedido um real, uma moeda para ele. Foi ele que foi no meu restaurante, pediu para ir lá, prometeu aquilo tudo, levou os votos, me fez viajar para São Paulo, tirar documento. Mas eu sei como é a vida, a gente é adulto, a gente sabe.

O que me dói é a menina. Passaram anos com ela aqui, toda vez que passava um avião ou helicóptero ela dizia que era o padrinho dela, o tio Celso, que tava passando ali.

Ficou com aquilo na cabeça, olha pra você ver. Graças a Deus, nunca faltou nada pra minha neta, a não ser o pai dela. Mas é certo fazer isso com as pessoas?”

Celso Russomanno lidera as pesquisas de intenção de voto para a prefeitura de São Paulo.