Exclusivo: Doria tem responsabilidade pelo aumento da violência policial, diz consultora do Fórum de Segurança

Atualizado em 14 de julho de 2020 às 20:09
Doria e o bailarino da morte: o governador tem responsabilidade

Por Paulo Henrique Arantes

Palavras de João Doria durante a campanha eleitoral de 2018: “Teremos novos batalhões da Polícia Militar no padrão Rota com a elite da elite da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Comigo bandido não vai ter vez. Nem bandidinho, nem bandido e nem bandidão. Todos terão tratamento muito duro da Polícia Militar e da Polícia Civil”.

Quais seriam os bandidinhos? Talvez aqueles à semelhança do jovem de 19 anos pressionado no peito por um policial até restar desacordado, como mostrou vídeo exibido em canais de televisão no fim de junho. O comportamento do PM fez Doria – não mais candidato, agora governador – converter-se: “Não há e não haverá nenhuma condescendência com violência policial sob qualquer justificativa. São Paulo tem mais de 85 mil policiais militares e mais de 20 mil policiais civis compondo as melhores polícias do Brasil, as mais bem treinadas. É incompatível com uma polícia bem treinada e bem preparada que uma minoria que representa menos de 1% possa comprometer 99% de uma polícia séria, que é treinada e preparada para proteger as pessoas”.

A alvissareira declaração veio acompanhada da promessa de incrementar os treinamentos para que a PM deixe de se assemelhar a uma instituição mata-pobre. Mas os últimos números da Segurança Pública em São Paulo nada revelam além de uma corporação que, por despreparo ou princípio, primeiro atira e depois pergunta.

Segundo dados da Corregedoria da Polícia Militar paulista, 442 pessoas foram mortas pela PM de janeiro a maio de 2020 no Estado de São Paulo, maior número para o período desde 2001. Na Capital, o aumento de mortes foi de 34% em relação a 2019; na Grande São Paulo, de 70%.

Para Isabel Figueiredo, especialista em temas do tipo e consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, quem semeia vento colhe tempestade.

“O que o governador fez desde o período da campanha foi exatamente pisar no acelerador. Tem frases que repercutem na tropa e dão resultados imediatos no aumento da violência e da letalidade. Termos como ‘custe o que custar’, ‘combate’, são um tipo de coisa que, no final, vira aumento da letalidade e da violência policial”, analisa.

“Todo mundo que atua na área sabe que o papel de um governador nesse campo é pisar no freio”, não no acelerador”, salienta. “Ainda bem que, aparentemente, ele está caindo em si e entendendo um pouco melhor que a função dele é ter uma polícia profissional, não uma polícia matadora”, acrescenta Isabel, que é mestre em Direito Constitucional pela PUC de São Paulo.

Após a divulgação do crescimento das mortes por policiais no Estado, a Secretaria da Segurança Pública informou em nota que demitiu ou expulsou 80 policiais civis e militares neste ano por desvios de conduta. Disse também que iniciou treinamento adicional para PMs de todos os níveis hierárquicos para “aprimorar os processos da corporação”.

As medidas não comoveram Isabel Figueiredo.

“Essa resposta da PM a respeito do treinamento é absolutamente insuficiente. O problema na polícia de São Paulo, claro, é também treinamento. Agora, não adianta dar um treinamento teórico. A grande questão é como você transforma isso em atitude na ponta. Treinamento pró-forma em direitos humanos a PM de São Paulo tem há mais de 30 anos”, destaca a pesquisadora.

A expulsão de policiais, de outra parte, não a convenceu.

“Esses números genéricos de policiais expulsos por desvios de conduta também não são uma informação que satisfaz, porque queremos saber mais detalhadamente quantos policiais foram de fato expulsos por exercerem a força de forma desproporcional, ilegal”, pondera Isabel, cobrando descrição caso a caso: “Que expulsões são essas? É porque não bateu continência ao superior? Seria importante desmembrar esses números sobre punições para compreendermos de fato quais delas estão relacionadas à ação da polícia na rua e no seu contato com a população e quais dizem respeito a questões internas da polícia”.

O governo paulista deve explicações e ações. O governador Doria, particularmente, poderia, diante da explosão das mortes pela polícia, recriar a Comissão de Letalidade Policial, que contava com participação não só de integrantes das polícias, mas também da sociedade civil, e que permitia o escrutínio das operações mata-pobre.

Paulo Henrique Arantes
Jornalista com mais de 30 anos de experiência nas áreas de política, justiça e saúde.