Exclusivo: fiscal de Trabalho Escravo encontra graves irregularidades em subprefeitura de Doria. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 29 de abril de 2017 às 10:55
O fiscal do Trabalho Escravo Alexandre de Faria (centro) com funcionários da subprefeitura de Pinheiros

Um fiscal do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho, esteve na sexta, dia 28, na Prefeitura Regional de Pinheiros e notificou o departamento jurídico de irregularidades graves.

“Não podemos dizer que constatamos trabalho escravo, isso não, mas encontramos graves irregularidades ao verificarmos as condições precárias de acomodação para funcionários pernoitarem, precariedade total, ainda que por uma noite”, disse o fiscal Luiz Alexandre de Faria.

O fiscal está no Ministério do Trabalho há mais de 20 anos e já conduziu algumas das operações de maior repercussão no País, como a de costureiras que trabalham na produção de roupas para marcas famosas, em ambiente fechado e insalubre.

Nas primeiras horas da manhã de hoje, Luiz Alexandre recebeu da superintendência do Ministério do Trabalho em São Paulo um comunicado para verificar a veracidade do vídeo que o prefeito regional de Pinheiros, Paulo Mathias, havia gravado, para anunciar que funcionários passariam a noite no local de trabalho.

O que foi apresentado como um esforço moderno de gestão, uma medida para proteger funcionários leais dos efeitos da greve, acabou tendo conseqüência inversa.

“Ainda que os funcionários tenham pedido para dormir no trabalho, isso é irrelevante. Tem que haver condições mínimas de segurança para pernoite, e isso não aconteceu”, afirmou o fiscal do Ministério do Trabalho.

A primeira irregularidade constatada foi o local onde dormiram: sobre colchões e cobertores tomados por empréstimo da Secretaria Municipal de Assistência Social.

Duas normas regulamentam as condições mínimas de segurança para alojamento, e a cama é um item obrigatório.

Egas Marcolino de Assis, encarregado do transporte, um homem negro, alto, que já é avô, disse que pediu para passar a noite ali.

“Meu nome é trabalho, e eu tenho que pensar primeiro na minha família, e não ia fazer grave. Como meu nome é trabalho, eu pedi para ficar e não faltar. Não fui obrigado a nada”, dizia ele, com ênfase na expressão “meu nome é trabalho”.

Funcionário de serviços gerais, com salário bruto de 2.200 reais, incluindo vale transporte e vale refeição, com 35 anos de casa, João Augusto dos Santos, um senhor de cabelos brancos, mostrou para o fiscal a sala onde foi colocado o colchão para ele dormir.

Logo depois, ao falar com o fiscal, João repetiu: “Meu nome é trabalho.”

Os dois foram abordados quando desciam do gabinete do prefeito regional, onde passaram algumas horas da manhã, dando entrevistas para a imprensa.

Quando eu falava com Esgas, que vinha no gabinete, ele disse: “De novo”, e sorriu, deixando à mostrada as falhas na dentição.

Bastante simpático, começou a contar como foi a noite: ele, João e outros quatro funcionários dormiram na área de transporte, onde fica a sua sala e existem alguns sofás velhos.

Os colchões foram colocados no chão de dois cômodos. Eles comeram pizza de noite, trazida pelo prefeito regional (que não passou a noite com eles), e café pela manhã.

Quando conversava com os funcionários, o fiscal do Ministério do Trabalho chegou, mostrou a carteira e começou a conversar com eles.

Além dos cômodos onde dormiram, que ficam atrás do prédio principal, onde está o gabinete do prefeito regional, eles foram até um local onde o fiscal já tinha estado.

Colchão usado por servidor: mau cheiro e precariedade

Ali há mau cheiro e condições precárias de permanência, inclusive com fios sobre madeira, que oferecem risco de incêndio. Há dois beliches velhos, com colchões, e uma mesa encostada na parece, onde um funcionário almoçava.

Respondendo a perguntas do fiscal, eles garantiram que não dormiram ali. Quando os funcionários respondiam ao fiscal, chegaram duas assessoras, que trabalham na Administração Financeira, e Fabrício Caruso, chefe de gabinete do prefeito regional.

Fabrício perguntou por que o fiscal não procurou o departamento jurídico e não foi para lá primeiro. “Aqui não é próprio. Esse cheiro é por causa da Sabesp, que fica do outro lado”, disse. O fiscal explicou que estava ali para justamente para verificar as condições de trabalho na Prefeitura Regional de Pinheiros.

“Olha, esse local, nessas condições, não é próprio para o trabalho.”, disse Luiz Alexandre de Faria. “Nós vamos reformar”, avisou uma das assessoras.  “Inclusive ele está almoçando aqui porque ele quer. Nós temos refeitório, em outro local”, emendou a outra.

O funcionário que almoçava olhou para trás e balançou a cabeça, confirmando. “Tem mesmo outro refeitório, é que eu já acostumei a comer aqui”, afirmou.

O local que, segundo a assessoria, será reformado, já existe a logomarca da administração. Na parede e na janela, adesivos do slogan criado pela gestão de João Dória: “Cidade Linda”.

Na recepção, além do adesivo, tem ainda um coração vermelho grande, com o slogan Cidade Linda. Na frente da Prefeitura, dois outros corações bem grandes – Cidade Linda. Nas peruas, sobre o brasão da cidade, “Cidade Linda”.

Os seis funcionários que passaram a noite “em condições precárias” na Prefeitura Regional ficaram a manhã toda na repartição, alguns dando entrevistas, e os dois que eu encontrei responderam acenando aos colegas que passavam por ele e brincavam: “Está ficando famoso”.

Mas eles não iam passar a noite para, no dia seguinte, trabalharem pela cidade?

Depois da fiscalização, entrevistei Luiz Alexandre de Faria (assista ao vídeo).

“Se fosse uma empresa privada, eu teria autuado (com multa). Como se trata de outro ente federativo, não posso fazer isso, mas posso notificar das irregularidades e encaminhar ao Ministério Público, ao qual cabe agir nesse caso. É uma situação que não pode continuar”, afirmou.

O fiscal informou aos assessores do prefeito regional que, se o ambiente mau cheiroso e com fios sobre madeira e refeitório improvisado não for corrigido, ele poderá voltar a interditar o local.” Ele pode interditar, mas não multar.

Quem vê o Coração da Cidade Linda no jardim da Prefeitura Regional não conhece o que ainda existe lá no fundo.

É feio e está cheirando mal.