Exclusivo: Julian Assange é submetido à tortura psicológica na prisão em Londres, denuncia comitê

Atualizado em 9 de fevereiro de 2020 às 10:12

O fundador do Wikileaks e ativista pelo direito à liberdade de expressão, Julian Assange, está preso em Londres desde o dia 11 de abril do ano passado, depois que o governo do Equador cedeu à pressão dos Estados Unidos e cancelou o asilo politico concedido pelo ex-presidente Rafael Correa. Desde então, segundo avaliação médica do relator especial da ONU Nils Melzer, seu estado de saúde está se degradando.

“O Sr. Assange mostrou todos os sintomas típicos da exposição prolongada à tortura psicológica, incluindo estresse extremo, ansiedade crônica e intenso trauma psicológico”, diz o relatório assinado por Melzer.

Na Inglaterra, um grupo de intelectuais e ativistas criou um comitê pela liberdade de Assange e faz campanha na cidade, como mostram as fotos. Seus integrantes responderam perguntas formuladas pelo DCM. Para eles, a ofensiva contra Assange faz parte de um movimento mundial destinado a sufocar a liberdade de expressão e fortalecer ações totalitárias. Os Estados Unidos estão estendendo sua jurisdição legl para muito além de suas fronteiras.

1) Qual o real estado de saúde de Julian Assange hoje na prisão na Inglaterra?

Segundo especialistas médicos, a vida de Julian está em perigo devido aos efeitos de tortura psicológica prolongada e quase nove anos de detenção arbitrária no Reino Unido. Na véspera de Natal, Julian telefonou para um amigo da prisão, Vaughan Smith,  dizendo que estava “morrendo lentamente” dentro da prisão de segurança máxima de Belmarsh em Londres. Smith relatou que a fala de Julian estava “arrastada” e parecia como se estivesse “sedado”.

 Em 9 de maio de 2019, o Relator Especial da ONU sobre Tortura, professor Nils Melzer, visitou Julian na prisão de Belmarsh, acompanhado por médicos especialistas na avaliação e tratamento de vítimas de tortura. Um relatório report emitido pelo professor Melzer em 31 de maio de 2019 constatou que “o Sr. Assange mostrou todos os sintomas típicos da exposição prolongada à tortura psicológica, incluindo estresse extremo, ansiedade crônica e intenso trauma psicológico.”

 “As evidências são contundentes e claras”, disse o professor Melzer. “Sr. Assange foi deliberadamente exposto, por um período de vários anos, a formas progressivamente severas de tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante, cujos efeitos cumulativos só podem ser descritos como tortura psicológica. ”

 O governo do Reino Unido não respondeu às conclusões e recomendações do relator da ONU sobre tortura. Em 1 de novembro de 2019, o professor Melzer emitiu uma declaração adicional statement expressando sua apreensão pela deterioração contínua da saúde de Assange: “A exposição contínua de Assange à arbitrariedade e abuso pode em breve custar sua vida. ” 

 Mais de 100 médicos 100 medical doctors  do Reino Unido e de várias partes do mundo escreveram para os governos do Reino Unido e da Austrália em novembro e dezembro de 2019, levantando suas “sérias preocupações sobre a saúde física e mental de Julian Assange”. Os médicos pediram a transferência imediata de Julian da prisão de Belmarsh à um hospital adequadamente equipado, onde ele possa receber a avaliação médica e os cuidados de que ele precisa urgentemente. Agora “Doctors4Assange”,  “Médicos por Assange” está pedindo ao governo australiano que intervenha para proteger seu cidadão e trazê-lo para casa.

2) Qual a situação processual dele no país?

Julian está detido no Reino Unido  em “prisão preventiva”, o que significa que ele não foi condenado por nenhum crime. Ele está sendo mantido preso pelo tribunal britânico, com base unicamente em uma solicitação de extradição do governo dos EUA. O Departamento de Justiça dos EUA acusa Julian de cometer 17 violações sob a Lei de Espionagem (1917) e uma violação separada por “invasão de computador”, que podem levar a uma pena de reclusão de até 175 anos. Todas as acusações estão relacionadas às atividades jornalísticas e de publicação do WikiLeaks, que expuseram crimes de guerra dos EUA no Iraque e no Afeganistão.

 O tratado de extradição entre os EUA e o Reino Unido proíbe explicitamente a extradição por ofensas políticas.  A equipe legal de Julian Julian’s legal team  contestará a ilegalidade da solicitação de extradição. O trabalho jornalístico de Julian para o WikiLeaks refletiu suas crenças políticas frequentemente declaradas de que o público tem o direito de saber sobre crimes de guerra, corrupção estatal e irregularidades por parte dos governos. No caso de Julian, a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e o direto de saber no mundo estão sob julgamento.

 O tratamento de Julian pelo governo do Reino Unido é ilegal também de acordo com leis internacionais. Em dezembro de 2015, o Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária (UNWGAD) concluiu que Julian foi vítima de detenção ilegal e arbitrária pelos governos do Reino Unido e da Suécia na Embaixada do Equador em Londres. O UNWGAD constatou que Julian foi impedido de exercer seus direitos humanos básicos, incluindo o direito a asilo político e a liberdade de ir e vir. A UNGWAD emitiu um parecer adicional em dezembro de 2018 opondo-se à continuação da detenção ilegal de Julian pelo governo do Reino Unido. Após a prisão de Julian na embaixada em 11 de abril de 2019, a UNWGAD se opôs à prisão de 50 semanas de Julian por uma violação forjada de fiança pelos tribunais do Reino Unido por ter “promovido a privação arbitrária da liberdade de Assange”.

No dia 31 de maio, o relator da ONU sobre Tortura, Professor Nils Melzer, emitiu a seguinte declaração  statement: “Em 20 anos de trabalho com vítimas de guerra, violência e perseguição política, nunca vi um grupo de Estados democráticos se unindo para isolar deliberadamente, demonizar e abusar de um único indivíduo por tanto tempo e com tão pouca consideração pela dignidade humana e pelo Estado de direito”, disse Melzer. “A perseguição coletiva de Julian Assange deve terminar aqui e agora!”

3) Direitos civis de Julian Assange estão sendo desrespeitados?

Logo depois de assumir o cargo de diretor na CIA, Mike Pompeo, convocou  legisladores para uma conversa privada para falar de um novo alvo dos espiões americanos: Julian Assange, fundador do Wikileaks. Esse trabalho culminou com o indiciamento de Assange através Lei de Espionagem dos EUA de 1917 usada para fundamentar o pedido de sua extradição. Esta lei foi promulgada dois meses depois da entrada dos Estados Unidos na primeira guerra mundial, e serviu rotineiramente para criminalização e silenciamento de dissidentes e opositores políticos anti-guerra. Sua constitucionalidade é questionada por renomados constitucionalistas americanos por violar direitos civis e políticos fundamentais como a liberdade de expressão protegidos pela Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Segundo o jornal The New York Times, “Assange poderia ajudar a responder à questão central da investigação pelo advogado especial Robert S. Mueller III: se algum associado de Trump conspirou com a Rússia para interferir na corrida presidencial.” Esse é um risco que não se podia correr.

Assange está sendo acusado através desta lei por atividade jornalística protegida pela primeira emenda, que declara: “O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas”. Julian não é cidadão dos EUA. Ele é cidadão da Austrália e do Equador e o WikiLeaks publicou desde a Europa. Portanto, as acusações representam um alcance extraterritorial extraordinário do governo Trump. Se Julian pode ser cobrado por violar as leis dos EUA, um cidadão americano deve ser cobrado por violar leis do Reino da Arábia Saudita?     Os direitos civis de Julian e seus direitos de devido processo foram violados em várias jurisdições legais. Na carta (letter) de 29 de outubro de 2019 do professor Nils Melzer ao governo do Reino Unido, o tratamento de Assange foi descrito como “lawfare”, isto é, o uso da lei como arma para fins políticos, com o objetivo de destruir os direitos legais e democráticos de uma pessoa e silenciá-lo para sempre.

As acusações levantadas contra Glenn Greenwald no Brasil por crimes cibernéticos é uma ressonância do precedente fundado pelas acusações contra Assange. A extradição de Assange não deveria apenas ser uma alerta aos jornalistas em todo o mundo, mas a qualquer um que se expressar contra governos ou forças autoritárias. Estaria com esse precedente aberta a possibilidade de extradição de qualquer nacional em qualquer lugar do mundo que se manifeste contra um governo autoritário. Trata-se da absoluta marginalização dos tratados internacionais, que  sacrificaria consigo a liberdade de expressão como garantia expressa nas constituições nacionais. Ao mesmo tempo, a vigilância de massas, seja ela por governos ou privados (Google, Facebook, Cambridge Analytica…) dispõe de todos os meios e poucas barreiras legais para violar a nossa privacidade e nos controlar.

4) Direitos humanos estão sendo desrespeitados?

Em resolução publicada agora no dia 28 de janeiro de 2020, a Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE) exigiu a libertação imediata de Julian Assange, reconhecendo que os direitos humanos de Julian foram e estão sendo repetidamente violados. Estes incluem, seu direito à liberdade de expressão, seu direito à liberdade e seu direito à vida inclusive. O PACE representa 820 milhões de europeus e é responsável pela eleição dos juízes do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Seu direito ao asilo político também foi violado. O Equador concedeu asilo político à Julian em junho de 2012, devido ao seu “bem fundamentado temor” de perseguição pelo governo dos EUA. Os governos do Reino Unido e da Suécia conspiraram para impedir Assange de exercer seus direitos como um asilado político. O governo do Reino Unido recusou-lhe permissão para viajar ao Equador e ameaçou prendê-lo por uma violação de fiança forjada se ele deixasse a embaixada equatoriana. Esse impasse continuou por quase sete anos, efetivamente fazendo dele um prisioneiro dentro da embaixada. Em 11 de abril de 2019, o governo equatoriano cedeu à pressão dos EUA e despejou Julian da embaixada, violando o princípio da não repulsão. Esse princípio – a base do direito internacional dos refugiados – proíbe o retorno de requerentes de asilo a um país onde eles estão em perigo de perseguição com base em “raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social específico ou opinião política”.    

O direito à vida de Julian agora está sob séria ameaça. Se extraditado, ele enfrenta a possibilidade de acusações adicionais sob a Lei de Espionagem que acarretam a pena de morte e será mantido sob a chamada “medidas administrativas especiais” de total isolamento. A equipe jurídica de Julian, médicos especialistas e sua família alertaram que ele não sobreviverá ao ser enviado para uma prisão federal dos EUA.     A destruição dos direitos humanos de Julian foi facilitada por uma campanha mundial na mídia de difamações e assassinatos de seu caráter. As alegações de “estupro” fabricadas pela Suécia desempenharam um papel importante nesse processo sórdido. Nenhuma acusação formal foi feita contra ele e as “investigações preliminares” foram definitivamente retiradas em novembro do ano passado pelos promotores suecos. O relator da ONU sobre tortura escreveu uma carta  (letter) ao governo sueco em 11 de novembro de 2019 descrevendo mais de 50 violações do devido processo legal nesse caso.

5) Quais os cenários possíveis no caso de Julian Assange?

Se os tribunais do Reino Unido decidirem a favor da extradição, Julian será enviado ao estado americano da Virgínia, onde estão localizados a CIA e o Pentágono. Ele comparecerá perante o Grande Júri dos EUA, que é um tribunal desautorizado e secreto que o enviará para a prisão federal por toda a vida, ou mesmo a pena de morte. Quando Chelsea Manning foi enviada para a prisão por vazar informações sobre crimes de guerra dos EUA no Iraque e no Afeganistão, ela foi submetida a tortura e agora foi novamente presa por se recusar a testemunhar contra Julian.     O sistema judicial no Reino Unido e nos EUA foi fraudado para uma empreitada contra Julian. Nenhuma confiança pode ser depositada neles para fazer justiça. Em Londres, uma importante capital européia, Julian está preso em uma prisão de segurança máxima, sem acesso a advogados e provas cruciais antes do julgamento em fevereiro. Essas são as ações típicas de um regime autoritário.     O destino de Julian repousa na intervenção ativa e no envolvimento de pessoas comuns e autoridades. É fundamental que cada um ocupe ocupe seu lugar neste campo de batalha do século 21 para a defesa da liberdade de expressão.

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Seguem imagens projetadas pelo grupo em Londres, palco de campanha pela liberdade do fundador do WikiLeakes.