Exclusivo: Kataguiri desmente os próprios advogados e expõe elo do MBL com família de Renan Santos

Atualizado em 17 de julho de 2020 às 2:43
Kim Kataguiri (centro) e seus parceiros de movimentos. Eles ainda precisam explicar as confusões jurídicas que estão na mesa

Ao tentar contradizer as denúncias apresentadas pelo Ministério Público de São Paulo de lavagem de dinheiro contra o MBL (Movimento Brasil Livre), o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) mentiu a respeito da natureza jurídica do movimento que coordena e, ao mesmo tempo, desmentiu versões de fatos que seus próprios advogados tentam emplacar na Justiça até hoje.

É o que mostram documentos de processos judiciais envolvendo o MBL e o estatuto do MRL (Movimento Renovação Liberal), aos quais a reportagem do DCM teve acesso, em comparação com as entrevistas que Kim Kataguiri, fundador e coordenador nacional do MBL, concedeu a órgãos de imprensa nos últimos dias, após a prisão de dois colaboradores do movimento pela Polícia Civil do Estado de São Paulo.

O MP-SP, no último dia 10, ao comandar a operação policial que prendeu os empresários ligados ao movimento, informou que o grupo provoca “uma confusão jurídica” entre a própria entidade e o MRL, uma associação privada que tem como sócios o também coordenador nacional do MBL Renan Santos e dois membros de sua família, seus irmãos Stephanie e Alexandre, sendo a primeira a presidente da entidade.

É para o MRL que escoam todos os recursos doados ou de qualquer forma adquiridos pelo MBL, como, por exemplo, por meio de doações recebidas durante lives feitas no Youtube (chamadas de “superchats”) ou pela venda de camisetas, canecas e outros produtos comercializados por meio do site do MBL.

Quer dizer: todo e qualquer recurso que o MBL arrecada através de seu site ou redes sociais é canalizado para uma associação privada (MRL) cujos donos são os irmãos Santos, cabendo, legalmente, somente a eles decidir o que fazer com este dinheiro.

A imagem abaixo é um exemplo disso. Trata-se de um produto adquirido no site do MBL, cujo valor da compra é revertido para o CNPJ do MRL: 22.779.685/0001-59.

Compra feita no site do MBL tem recursos revertidos para o CNPJ do MRL

Ao expor esta aparente confusão jurídica entre uma associação pública (MBL) e outra privada (MRL), o MP-SP deixou Kim Kataguiri – deputado federal e figura de maior proeminência no movimento – em situação delicada, devendo uma explicação sobre os caminhos e descaminhos do dinheiro que o MBL recebe de seus apoiadores.

O deputado federal, então, passou a afirmar que não havia confusão nenhuma, que o MBL nada mais é do que a “marca fantasia” do MRL, ou seja, disse simplesmente, e com todas as letras, que o MRL é a pessoa jurídica do MBL, que é o nome pelo qual a entidade de fato (MRL) é conhecida pelo público, a sua marca fantasia. No vídeo abaixo, vê-se trecho de entrevista de Kim à CNN no momento exato em que ele faz esta afirmação, transcrita a seguir:

Não tem confusão jurídica nenhuma. O MBL é a marca. (…) E nós temos o CNPJ, que é o Movimento Renovação Liberal (MRL). Não tem nada de suspeito nisso.

 

 

MENTIRA 1: MBL NÃO É A MARCA FANTASIA DO MRL

O MBL não é a marca fantasia do MRL. Antes de Kim Kataguiri trazer esta versão, isso jamais havia sido dito por ninguém. O MBL não possui um CNPJ. Pela lei, é somente uma associação de pessoas e também uma logomarca, que está sendo disputada na Justiça entre a associação de Kim e um grupo de publicitários alagoanos, que alegam ter sido os criadores do nome e do logotipo.

Já o MRL possui CNPJ, estatuto e sócios-proprietários. Veja, abaixo, o cadastro do MRL junto à Receita.

 

Cadastro do MRL junto à Receita

 

Assim, como se pode ver, o nome de fantasia do MRL é “Renovação Liberal”, e não MBL, como disse Kim. Também é possível ler no documento da Receita que a atividade econômica do MRL é definida como “serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas”.

Já as atividades do MBL – que seria, segundo agora afirma Kim, apenas uma marca do MRL – e sua relação com o MRL, segundo o próprio grupo definiu em nota enviada ao jornal El País em setembro de 2017, seriam:

O MBL é uma associação de fato, que congrega milhares de indivíduos de diversas localidades do país identificados com causas de natureza política, social e econômica. Para não perder sua essência de movimento cívico compreendido como reunião espontânea de pessoas, optou-se por essa formatação. O Movimento Renovação Liberal presta apoio formal ao MBL, por exemplo em relação à realização de eventos.

Assim, se Kim está falando a verdade agora, o MBL mentiu ao El País em 2017 e seguiu mentindo desde então acerca do assunto a todos que lhe perguntavam, inclusive a Justiça brasileira, como é possível ver abaixo.

 

MENTIRA 2: ADVOGADOS DO MBL PROMOVEM NA JUSTIÇA A CONFUSÃO JURÍDICA QUE KIM AGORA NEGA

Para efeito de raciocínio, suponha-se agora que a versão atual de Kim é a verdadeira, e a do MBL de setembro de 2017 é a mentirosa. Então, o MBL seria uma marca fantasia do MRL, que seria, por sua vez, “o CNPJ do grupo MBL”, como descreveu Kim. Para efeito deste raciocínio, ignora-se que o próprio cadastro do MRL na Receita já desmente esta versão.

Sendo, então, a versão atual de Kim aquela que corresponde à verdade dos fatos, os advogados do próprio Kim e do MBL já mentiram na Justiça em mais de uma oportunidade.

Tome-se, por exemplo, o processo número 1034056-43.2017.8.26.0100, de indenização por dano material, corrente na 44ª Vara Cível de São Paulo. Nele, o autor processa o MRL, já que é o único CNPJ que encontrou para tanto, mas já na apresentação dos fatos deixa clara a confusão jurídica existente entre as duas entidades, e tenta compreendê-la:

A Ré (MRL) é uma associação sem fins lucrativos, de cunho político, que atua em âmbito nacional, promovendo congressos, manifestações e fóruns de debate sobre liberalismo econômico.

Em que pese utilize, em seu cadastro de pessoa jurídica, a denominação “Movimento Renovação Liberal”, nas redes sociais e demais veículos de comunicação é conhecida como MBL – Movimento Brasil Livre.

Trecho de processo movido contra o MBL em que o autor é obrigado a acionar o MRL, única entidade existente ligada ao MBL e que possui CNPJ

O autor da referida ação indenizatória é um advogado que se filiou ao MBL no início de 2017. No processo, ele busca ser ressarcido após o que ele considerou ter sido uma falha do MBL momento de sua filiação.

Ele processa o MRL porque é o dono do CNPJ para onde foi o dinheiro gasto pelo advogado em sua filiação, segundo documentos que apresenta no processo. Assim, estaria correto o que agora diz Kim Kataguiri, que o MRL é o CNPJ do MBL, ou que o MBL é a marca fantasia do MRL.

Não foi essa, porém, a versão escudada pelos advogados da associação de Kim e Renan. Pelo contrário: os representantes do MBL disseram que nada tem a ver uma entidade com outra, sendo certo apenas que o MRL presta serviços ao MBL e a terceiros, mas que, de resto, são entidades completamente autônomas. Ou, nas próprias palavras do representante do MBL na Justiça (os destaques foram feitos pela reportagem do DCM):

1- Preliminarmente, cumpre esclarecer que o autor, de forma equivocada, confunde o Movimento Brasil Livre com o Movimento de Renovacao Liberal propondo a acao (sic) em face de ambos.

2- O Movimento Brasil Livre, nao esta (sic) constituído enquanto pessoa jurídica,  tratando-se de associação de pessoas naturais, com identidade de valores, que foram se vinculando de forma livre e espontânea, em localidades diversas, com o intuito de defenderem e propagarem ideais liberais, a democracia, bem como atuarem de forma critica (sic) em face de circunstancias politicas (sic) que violem os princípios democráticos e republicanos, nao (sic) se tratando, reitere-se (sic) de pessoa jurídica de direito privado.

4-Ja (sic) o Movimento Renovacao (sic) Liberal encontra-se constituído enquanto pessoa jurídica ,com CNPJ e Estatuto Social, em sendo certo que presta serviços para o MBL e para terceiros.

Mantendo a mesma lógica de raciocínio e os erros de português, o advogado extingue toda e qualquer relação entre as entidades MBL e MRL, como se vê em imagem reproduzida do trecho do processo, abaixo, que, curiosamente, pula do parágrafo 6 para o parágrafo 8 em sua explanação:

Advogados do MBL afirmam na Justiça que movimento não tem qualquer relação jurídica com o MRL

Já em ação por danos morais de junho deste ano movida pelo próprio MRL (processo número 1038986-02.2020.8.26.0100), os advogados da entidade a apresentam como uma associação privada que é dona da marca MBL. Neste processo, o MRL busca ser indenizado por suposto dano moral que teria sido cometido contra o MBL.

Ou seja, na primeira ação judicial, o MRL afirma que não pode ser responsabilizado por um dano material cometido pelo MBL porque se tratam de duas empresas diferentes. Já na segunda ação, o MRL quer ser indenizado por dano moral que teria sido cometido contra o MBL, já que tal sigla nada mais é do que uma marca que o MRL detém.

Em ação por danos morais, o MRL afirma ser o detentor da marca MBL

Assim, há, no mínimo, quatro versões diferentes para a relação jurídica existente entre o MBL e o MRL, cujos sócios-proprietários são os irmãos Santos: duas dadas pelos advogados das entidades, em processos diferentes, e duas dadas por seus membros, em nota do MBL ao jornal El País em 2017 e em entrevistas de Kim Kataguiri à imprensa neste mês.

Se isso não caracteriza a “confusão jurídica” descrita pelo MP e negada por Kim, o deputado precisa explicar o que é.