Exclusivo – “Não fazemos grampo”: Dono da empresa que vendeu gravador para Lava Jato falou ao DCM

Atualizado em 8 de julho de 2020 às 22:03
Deltan Dallagmnol abatido na live

O sócio-gerente da da Tradecom Teleinfomática Ltda, Osnir José Sandri, confirmou hoje que presta serviços à Procuradoria da República no Estado do Paraná, mas não deu detalhes obre o serviço de gravação adquirido pela força-tarefa da Lava Jato em 2016.

Depois de mais de meia hora de conversa por telefone, declarou:

“Você está me irritando, você me desculpe. Eu sou uma pessoa extremamente honesta, eu queria te ajudar também, mas, olha, eu não estou te entendendo, porque, assim: a gente presta serviço para o Ministério Público Federal, existe um contrato de suporte a nível Paraná, que envolve não um gravador, envolve uma solução completa de telefonia.”

E a gravação? – perguntei.

“A gravação é um item do objeto, que fica na administração deles. É um item, é um suporte que a gente dá para eles. O produto é deles.”

Foram dois telefonemas. No primeiro, o questionamento foi sobre a nota de R$ 14.680 que Deltan Dallagnol mostrou em uma live com o jornalista Josias de Souza, do UOL, nesta terça-feira, 7 de julho.

A nota é de fevereiro de 2016 e não especifica que produtos foram comprados. Registra apenas: “Mercadoria adquirida ou recebida de terceiros”.

Osnir disse que o produto está especificado no contrato celebrado com a Procuradoria da República.

Ele descartou que o gravador faça grampos de terceiros, mas, num primeiro momento, não detalhou a finalidade do equipamento.

Disse, no entanto, que era um item do contrato e que, pelo que recordava, a administração do gravador fica exclusivamente a cargo do Ministério Público Federal.

Osnir sugeriu que o DCM procurasse o Ministério Público Federal. “É a equipe de TI deles que faz  a administração”, informou.

O segundo telefonema, feito 10 minutos depois, foi mais tenso. É que, entre uma e outra conversa, o site Consultor Jurídico publicou reportagem que informa que o contrato entre o Ministério Público Federal e a Tradecom é mais mais vultoso do que os R$ 14.680.

A suposta nota de compra do gravador apresentada por Dallagnol não especifica o produto adquirido

De acordo com publicação no site do Ministério Público Federal, o contrato foi assinado em novembro de 2018, depois de pregão eletrônico, para o fornecimento de produtos e serviços.

“O presente contrato tem como objeto a prestação de serviços de assistência técnica, manutenção preventiva, corretiva, evolutiva, atualização de versões, releases e gerenciamento online, em central telefônica e Gateways Alcatel-Lucent – modelo OmniPcx Enterprise Versão 11.0 e servidor de Gravação VOCALE, com fornecimento de peças de reposição e de mão de obra especializada que atenda às necessidades de telefonia da Procuradoria da República no Estado do Paraná, localizada em Curitiba, e de suas unidades jurisdicionadas situadas no interior do estado”, diz o documento.

O valor do contrato é de R$ 256.800,00, por 12 meses, podendo ser prorrogados em períodos sucessivos até o limite de cinco anos. Ou seja, a empresa poderá receber R$ 1.284.00,00.

A data da nota de R$ 14.800, referente à compra de produtos não especificados, é anterior a esse contrato — fevereiro de 2016, auge da Lava Jato.

Uma inconsistência que o Tribunal de Contas da União (TCU) deve verificar, já que, a pedido do procurador Lucas Furtado, todas as aquisições de equipamentos de interceptação telefônica nos últimos dez anos serão escrutinadas.

A nota da Tradecom não especifica o contrato, mas não custa nada investigá-la também, bem como o equipamento encontrado por um profissional da Procuradoria Geral da República que acompanhou a subprocuradora Lindora Araújo em uma visita à Lava Jato em Curitiba.

A Tradecom se apresenta em seu site como “business partner” da Alcatel desde 1994. Até 2006, a Alcatel era uma empresa controlada por capital francês até que fez uma fusão com a americana Lucent Technologies.

A fusão foi controversa e teve de ser aprovada diretamente pelo presidente George W. Busch, mas com a condição de que fossem celebrados acordos de segurança.

O primeiro foi o Acordo de Segurança Nacional, que seria concluído pelo Departamento de Justiça dos EUA, o Departamento de Segurança Interna, o Departamento de Defesa e o Departamento de Comércio.

A Tradecom é uma empresa 100% brasileira e de pequeno porte, com capital de R$ 300 mil. Além do Ministério Público Federal, tem grandes empresas como clientes.

Sua sede fica no bairro de Santa Felicidade, em uma casa sem placa. “Nós não somos uma empresa de balcão. Nossos clientes são corporações, pessoas jurídicas, desenvolvemos projetos e soluções em telefonia, não precisamos de placa”, explicou Osnir.

Embora não tenha detalhado o equipamento de gravação vendido, ele assegurou, mais de uma vez, não se prestava à grampos telefônicos.

“Pelo que lembro, é um gravador do tipo usado em call center, que pode gravar chamadas em ramais”, disse. E insistiu: “Nós não fazemos gerenciamento desse equipamento”.

A Tradecom é responsável pela telefonia em todas as unidades do Ministério Público no Estado do Paraná, relacionada no contrato celebrado em 2018.

Na live com Josias de Souza, Deltan Dallagnol não tocou no assunto desse contrato mais abrangente — posterior à nota de R$ 14.680.

Mostrou na tela um contrato, sem se ater s detalhes, e afirmou que um item vedava o fornecimento de equipamento de grampo.

Disse que aparelhos desse tipo custam bem mais que os R$ 14.580. Segundo ele, entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão.

Dallagnol disse que o equipamento foi comprado para gravar telefonemas recebidos pelos procuradores.

“Naquela época, os procuradores estavam recebendo muitas ameaças”, salientou.

Como quem não deve não teme, o MPF deve ficar tranquilo quanto à suspeita levantada pela Procuradoria Geral da República de que a Lava Jato poderia, sim, estar fazendo grampos ilegais.

É só esperar pela conclusão das investigações.

A Lava Jato já grampeou até o escritório de advocacia que defende o ex-presidente Lula. Nesse caso, foi com autorização de Moro.

Em sua defesa, em vez de ficar mostrando notas, Dallagnol teria um argumento mais simples. Bastava dizer que, com Moro, gravava qualquer um, sem precisar recorrer a equipamentos de uma empresa de Curitiba.