Exclusivo: Noam Chomsky fala ao DCM da vitória de Lula contra o fascismo e sua importância no mundo

Atualizado em 19 de dezembro de 2022 às 19:17
Noam Chomsky

O linguista, filósofo e sociólogo Noam Chomsky, um dos mais importantes intelectuais do mundo, deu entrevista exclusiva para Sara Vivacqua, do DCM.

Chomsky falou de Assange, de Lula, da extrema-direita e da América Latina.

Alguns destaques da conversa:

A voz de Assange tem uma capilaridade enorme e é uma voz de esperança para muitas gerações. Os tribunais britânicos têm se comportado da mesma forma que o governo britânico em basicamente todas as demandas dos Estados Unidos. Se você quiser entrar nos detalhes legalistas, que francamente eu não acho muito relevantes. Mas se quiser entrar neles, então há uma pergunta, uma pergunta técnica sobre se ele está sendo acusado de um crime político ou se está sendo acusado de um crime técnico sobre o uso de uma senha de forma ilegítima e assim por diante, o que, claro, é o que os advogados alegarão.

Mas o fato é que, além das manobras legais que estão ocultas para mim, ele está sendo acusado de ter divulgado informações que os principais jornais costumavam usar, mas que o governo dos Estados Unidos quer encobrir.

Você pode colocar isso em todo tipo de decepção legalista, mas é isso que está no centro do problema.

O governo britânico não tinha justificativa para efetivamente prendê-lo por anos na Embaixada do Equador quando a acusação dele era uma trivialidade. Não ficaria preso por muito tempo, ele estava essencialmente trancado em um apartamento, que é o que a embaixada é, ele não podia sair e ficava cercado pela polícia. Tudo isso é um comportamento revoltante.

Se ele for acusado de acordo com a Lei de Espionagem, isso basicamente é inconstitucional. Nunca ocorreu que os tribunais deveriam avaliar seu status constitucional, mas por mais de um século ele tem sido aplicado livre e extensivamente.

Há uma rejeição generalizada sobre a forma como Assange foi tratado e da iminente extradição, então agora há vozes se manifestando. Incluindo os cinco principais jornais, que usaram extensivamente o material do Wikileaks, e devo dizer que eles mesmos têm um histórico muito ruim quanto como lidaram com isso, mas eles finalmente fizeram uma declaração conjunta adequada. A declaração de Lula apoiando Assange é muito importante.

Todos sabemos o que essas eleições significam para o Brasil. É a possibilidade, é um ponto de virada na história o fato de que Lula ganhou. Ele aplicava o estado de bem-estar social.

E existe a possibilidade de o país recuperar a democracia. O Brasil é o país mais importante da América Latina, claro. Então, o que acontece no Brasil tem implicações muito mais amplas. A vitória de Lula representa vários exemplos dos passos em direção à reversão do que a extrema-direita fez nos últimos anos. O Petro na Colômbia é outro. Boric no Chile é outro.

Há um conflito constante na América Latina. E o Lula é de extrema importância no avanço dessa pauta. Eu acho que ele está enfrentando obstáculos e problemas sérios, mas a eleição de Lula tem um significado poderoso.

É uma figura importante, e eu acho que ele pode fazer uma contribuição muito positiva em prol da América Latina, movendo-a para uma direção mais progressista. Há muitos desafios internos, o país está dividido quase meio a meio. Há forças internas fortes.

Há forças que se opõem fortemente a Lula, forças fascistas. Grande parte da população em igrejas evangélicas, incluindo trabalhadores nas áreas onde há extração ilegal de madeira e a destruição da Amazônia, é a fonte de sustento deles.

Parte das queixas da vitória de Bolsonaro foi de apoiadores entre os trabalhadores. A destruição da Amazônia é um desastre total para o Brasil e uma catástrofe para o mundo. Mas os mais pobres, que não têm nada, exceto a chance de ganhar um pouco de dinheiro cortando e desmatando a Amazônia, não vêem dessa forma, não querem acreditar, só seguem em frente.

Desmatamento, mineração, agronegócio, são forças que se opõem fortemente a Lula.

A comunidade de empresários conservadores está dividida, eles não gostam das políticas de Lula. Por outro lado, eles não gostam das loucuras de Bolsonaro, o que é similar aos Estados Unidos, onde a comunidade de investimento, o cerne da comunidade capitalista o apoia.

Ele é uma influência perturbadora. Eles preferem ter alguém que apoie sua agenda, seus interesses, mas de forma mais educada, não grosseira. E eu acho que, internamente, é igual ao Brasil.

Internacionalmente, a comunidade de investimentos é muito favorável ao atual governo, que foi extremista. Uma economia muito simples de só privatizar tudo, ou seja, dar tudo que o Brasil tem para eles.

Se desfazer de tudo para que os capitais privados internacionais enriqueçam. É a escola do neoliberalismo, então claro que gostam dele. Toda vez que lutam pelo interesse dos pobres, o mercado de ações entra em colapso.

O mesmo ocorre na Colômbia, no Chile. É o mesmo no Ocidente, com a Inglaterra e o que aconteceu com Jeremy Corbyn, que tentou transformar o Partido Trabalhista em um partido político autêntico. Política de formações e com políticas partidárias
desenvolvidas de trabalhadores ou dos mais pobres.

Foi muito bem sucedido em 2017. O Partido Trabalhista, sob a liderança dele, teve uma das maiores vitórias na história recente.

Mas o establishment em todo país, em todo lugar, até o Guardian, começou a atacá-lo. Procuraram um todos os lugares, inventando formas de difamá-lo e destrui-lo.

Eles não iriam tolerar uma organização política que realmente responda às necessidades dos trabalhadores e dos mais pobres e não está sob o controle de elites políticas. Então eles praticamente o destruíram. Foi quase expulso
do Partido Trabalhista. Eles tentaram.

E houve ataques semelhantes contra contra Bernie Sanders, nos Estados Unidos, mas não tão extremos. Ele conseguiu sobreviver. De forma moderada.

A grande reforma do conservadorismo é o que vai enfrentar a América Latina e o resto do mundo.

Estamos sempre engajados em uma guerra de classes. Sempre. Os mestres nunca desistem de lutar.