O piloto do helicóptero apreendido com 445 quilos de pasta base de cocaína quer falar com a Justiça. Mas até agora não encontrou nenhuma autoridade disposta a lhe dar o benefício da delação premiada em troca de suas informações.
Rogério Almeida Antunes trabalhou para o senador Zezé Perrella e o deputado estadual Gustavo Perrella durante cerca de um ano.
Recebia salário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, onde ocupava um cargo de confiança por indicação formal do deputado Alencar da Silveira, conhecido em Minas por divulgar no rádio o resultado do jogo do bicho.
A indicação era do deputado Alencar, mas o cargo era da cota política de outro deputado, Gustavo Perrella, aliado de Alencar.
O salário pago pela Assembleia representava 20% do que efetivamente Rogério recebia.
A diferença, de cerca de 8 mil reais, era paga por fora, em cheques ou depósito bancários, feitos por ordem dos Perrella.
Rogério nunca foi empregado da Limeira Agropecuária, empresa de Perrella em nome da qual está registrado o helicóptero.
Oficialmente, o trabalho de Rogério era transportar o deputado e o senador para eventos políticos.
Mas, segundo depoimento de Rogério prestado ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais, o helicóptero foi usado também para passeios do senador e do deputado em Vitória, no Espírito Santo, e na cidade do Rio de Janeiro.
Também serviu para levar celebridades para festas na fazenda da família. Uma das passageiras foi a atriz Deborah Secco, então casada com Roger, do Cruzeiro, cujo presidente era Zezé.
A despesa com combustível do helicóptero era reembolsada pela Assembleia Legislativa. Em um ano, os reembolsos somaram cerca de R$ 15 mil.
Como a lei proíbe reembolsos para despesas que não sejam efetivamente relacionadas ao mandato de deputado, Gustavo foi denunciado por improbidade administrativa e, se condenado, pode ser cassado.
Mas o que Rogério contou ao promotor Eduardo Nepomuceno, do Ministério Público do Estado de Minas, seria uma pequena parte de tudo o que sabe.
“O Rogério esteve aqui com o advogado dele e deu a entender que sabe muito mais, mas ele quer o benefício da delação premiada. Mas essa negociação só pode ser feita no processo por tráfico, lá no Espírito Santo. Aqui ele foi ouvido como testemunha”, conta Eduardo Nepomuceno.
O advogado de Rogério, Paulo Henrique da Rocha Júnior, já tinha tentado na Justiça Federal do Espírito Santo iniciar uma negociação para obter esse benefício, em que o acusado colabora com a investigação, fornecendo informações importantes para o processo, em troca da redução da pena.
O juiz do caso, Marcus Vinícius de Oliveira Costa, me contou que o advogado dele fez, de fato, essa “sondagem”.
O juiz indicou o Ministério Público Federal para seguir nas tratativas, já que a delação premiada, em tese, deve ter a anuência de promotores e procuradores, pois a eles cabe o papel de fazer a denúncia.
No Ministério Público, a negociação não avançou, entre outras razões porque o procurador que estava à frente do caso se afastou do processo por considerar que o inquérito estava “contaminado” por provas ilícitas – grampos telefônicos realizados em São Paulo não relacionados no processo.
No dia em que Rogério prestaria depoimento à justiça, o juiz decidiu colocar todos réus em liberdade, e estuda a possibilidade de anular o processo, pela utilização de prova ilícita. Não tomou o depoimento de Rogério, e a delação premiada, por enquanto, não é cogitada.
A delação premiada também foi objeto de discussão em outra instituição, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
O piloto Rogério estava preso, e o pai dele, Osmar Antunes, esteve com dois deputados estaduais.
Foi o pai do piloto quem tomou a iniciativa de procurar o deputado Paulo Guedes, através de uma antiga vizinha, do município de Brasília de Minas, onde Osmar morou antes de se mudar para Campinas, no estado de São Paulo.
Essa vizinha conhecia uma assessora do deputado Paulo Guedes, e a conversa, então, foi marcada, com Osmar Antunes, o advogado dele, uma assessora do deputado Guedes e outro deputado do PT, Rogério Correia.
“O pai do piloto me procurou, e dizia que o caso do helicóptero tinha implicações políticas e que seu filho tinha sido usado. Ele insinuava que a chave de tudo era o hotel fazenda em São Paulo. Queria falar mais, mas o advogado dele não permitia. Queriam os benefícios da delação premiada. Ficou acertado que voltaríamos a conversar. Mas, nesse meio de tempo, ele foi solto, e não fui mais procurado”, conta Paulo Guedes.
Eu localizei o pai de Rogério, Osmar, na região de Campinas, onde ele tem uma propriedade rural. Osmar dizia estar num trator quando atendeu à minha chamada, pelo celular: “O Perrella disse que meu filho roubou o helicóptero. Roubou por quê? O Perrella sabia que ele estava usando o helicóptero”, afirmou. “Ele não precisa roubar helicóptero. Graças a Deus, eu posso comprar um helicóptero e mandar para o Perrella.
Osmar confirma que procurou os deputados que fazem oposição a Aécio. Sua preocupação é limpar a imagem do filho, embora admita que ele errou.
O inquérito da Polícia Federal informa que, a caminho de Afonso Cláudio, no Espírito Santo, o helicóptero dos Perrellas fez uma parada em Sabarazinho, a 15 quilômetros de Cláudio, o berço de um ramo da família do ex-governador Aécio Neves.
Também informa que o dono da fazenda onde teria ocorrido o pouso chamou a Polícia Militar e entregou os galões de querosene vazios encontrados no local.
Segundo a Polícia Federal, o pouso é confirmado pelo piloto Rogério.
No entanto, em entrevista ao DCM, o segundo piloto da aeronave, Alexandre José de Oliveira Júnior, deu outra versão. Segundo ele, o pouso aconteceu em Divinópolis, a 60 quilômetros dali, onde houve reabastecimento do helicóptero.
Se o helicóptero parou na fazenda em Sabarazinho para reabastecer, por que pararia de novo 60 quilômetros depois, para fazer a mesma coisa?
A pergunta sugere que, se houve os dois pousos, um deles não foi para reabastecimento.
É uma pergunta para a Polícia Federal responder, mas o inquérito terminou, e não está em andamento outra investigação sobre o caso.
Para acabar com qualquer dúvida sobre os pousos ou sobre quem viajou no helicóptero dos Perrella, bastaria consultar o diário de bordo da aeronave.
E, segundo os pilotos, o diário de bordo estava no helicóptero quando houve o flagrante dos 445 quilos de pasta base de cocaína em Afonso Cláudio.
Mas no laudo da apreensão, feito pela Polícia Federal, não aparece o diário de bordo. Nas quase 1 200 páginas do processo, também não existe nenhuma referência a esse item obrigatório da aeronave. Até o manual do fabricante é citado do laudo de apreensão. Mas não o diário de bordo.
No inquérito civil sobre o uso de verba pública da Assembleia Legislativa para pagar o combustível do helicóptero, o promotor mineiro Eduardo Nepomuceno queria saber quem viajou no helicóptero, e onde ele parou. Mandou um ofício a seu colega do Ministério Público Federal, em Vitória, pedindo cópia do diário de bordo.
Na resposta ao promotor mineiro, o procurador disse que não tinha visto nenhum diário de bordo no inquérito da Polícia Federal, mas assegurou que mandaria um ofício à Justiça Federal, perguntando sobre sua existência.
Também tive acesso ao inquérito e ao processo no Espírito Santo. Lá, não está o diário de bordo.
Como também não existe no processo nenhum ofício do procurador perguntando sobre o diário de bordo.
“Meu cliente [o piloto Rogério] garante que o helicóptero tinha o diário de bordo. Se sumiu, é um fato muito grave”, disse o advogado Paulo Henrique.