Exclusivo – O depoimento de uma extremista de 71 anos investigada por atacar chineses com ofensas racistas

Atualizado em 25 de julho de 2020 às 14:37
Janaína Paschoal e Cris Rocha

A Polícia Civil de São Paulo investiga a organização de atos racistas contra a China desde que, no final de março, algumas senhoras foram até o consulado do país na rua Estados Unidos para reproduzir ofensas que são ditas nos Estados Unidos por seguidores de Donald Trump.

No dia 9 de junho, a delegada Daniela Branco, da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, tomou o depoimento de uma das investigadas, Maria Cristina Rocha de Araújo, que ficou conhecida como a Mulher do Taco de Beisebol, depois compareceu armada com um bastão onde se lia “Rivotril” num protesto na avenida Paulista.

O DCM teve acesso com exclusividade a uma cópia do depoimento. Ela confirmou que esteve no Consulado no dia 21 de março, oportunidade em que fez um levantamento para um protesto que se realizaria nos dias seguintes.

Maria Cristina relata ter sido agredida no dia do levantamento e que até registrou ocorrência no 78o. Distrito Policial em São Paulo. No depoimento, Maria Cristina não informa quem a teria agredido. Também não diz por que teria ocorrido a agressão.

Alguns dias depois, ela voltou, na companhia de mais duas senhoras e se uniu a outros manifestantes. Foi quando houve ofensa a um funcionário do Consulado que gravava com o celular as faixas de teor racista.

Uma delas dizia “China desgraça do mundo. Vírus made in China”. Outra: “China acabando com o mundo. Fora, China”. Uma terceira faixa responsabilizava o governo chinês pelo desemprego no Brasil.

“China fora do Brasil, seu vírus acabando com empregos”, dizia. Havia ainda as faixas com as frases “Chinese Wuham Pneumonia” e “China deve desculpas para e reparação para o Brasil e Humanidade”.

O funcionário do Consulado que gravava a manifestação foi chamado de “rato chinês”, como se pode ouvir no vídeo abaixo.

Na mesma época, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou no Twitter um post ofensivo aos chineses, em que, usando a linguagem do Cebolinha de Maurício de Souza — que troca o R pelo L –, acusava o maior parceiro comercial do Brasil de aproveitar a crise do coronavírus para aumentar seu poder no mundo.

Como tudo nesse movimento de brasileiros contra a China parece conectado, ao mesmo tempo em que as senhoras organizavam o protesto em São Paulo, o blogueiro Allan dos Santos concedia entrevista a um jornalista de extrema direita dos Estados Unidos, Joshua Phillipp, num programa batizado de “Dossiê China”, que reproduzia as mesmas teorias de Weintraub e do protesto em São Paulo.

Perguntada pela delegada Daniela Branco sobre sua ideologia, Maria Cristina a definiu como sendo “absolutamente contra a esquerda”. Disse ainda que não participa de nenhum grupo organizado que promove manifestações.

A delegada quis saber ainda por que, em uma das páginas que mantém no Facebook, com o sobrenome do ex-marido, Meilli, reproduziu um cartaz que mostra Marielle com a cabeça cortada.

Maria Cristina respondeu que publicou a ilustração porque “não concorda com o endeusamento de Marielle após seu assassinato, pois acredita que todas as vidas importam, e não somente as negras”.

Maria Cristina tem 71 anos de idade, foi casada com um executivo suíço (mas, aparentemente, não em cartório) e tem duas filhas. Como o pai foi coronel, recebe do Exército uma pensão de valor aproximado de R$ 8 mil.

O que uma mulher que poderia estar cuidado nos netos faz em protestos que atendem a interesses que não são os brasileiros? Esta é uma das perguntas sem resposta nesta época de profunda irracionalidade. Ou de manipulação ainda não esclarecida.

Curioso é que estas pessoas que agem contra os interesses do Brasil costumam chamar umas às outras de “patriotas”.

O inquérito que corre em São Paulo para apurar a ocorrência de crime de ofensa racial, de acordo com a lei 7.716/89, foi aberto em abril, com prazo de 30 dias para conclusão.

Mas esse prazo já foi prorrogado duas vezes e deve ser prorrogado outras tantas. Mais importante do que punir essas senhoras é saber quem está por trás delas.

Mulheres já idosas, portando faixas em frente ao Consulado da China, com ofensas aos chineses, não são capazes de alterar por elas mesmas a relação comercial e diplomática estabelecida entre os países. É insignificante como protesto.

Mas as fotos, divulgadas em programas como o do extremista norte-americano Joshua Phillipp, tem um peso na propaganda de Trump contra a China e reforça o discurso de blogueiros como Allan dos Santos de que a China está incomodando os brasileiro com “o domínio silencioso do país”.

E possa ainda relacionar a política comercial da China com o Foro de São Paulo, o Hezbollah e o narcotráfico.

É cascata, mas funciona quando a mensagem é dirigida a analfabetos políticos.

O vídeo em que Allan dos Santos conta mentiras ao extremista Joshua Phillipp, do jornal The Epoch Times. Investigado por fake news no Brasil, Allan é apresentado como “jornalista investigativo”no programa Dossiê China.

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A Sra. Marcia Cristina de Araújo Rocha, exercendo seu direito de resposta, encaminhou carta ao DCM, em que manifesta não concordar com os fatos e opiniões externados nessa matéria, indicando ainda que, quanto ao noticiado, “não compactua, não concorda, nem apoia nenhuma ideologia ou atos de racismo, xenofobia, ou discriminação de qualquer tipo que seja”.