Exclusivo: o relatório da consultoria que pode ter levado Guedes a falar em AI-5. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 26 de novembro de 2019 às 13:59
Ministro da Economia, Paulo Guedes, em Washington – Olivier Douliery – 25.nov.2019/AFP

No mesmo dia em que Paulo Guedes aterrorizou possíveis investidores com a declaração, dada no exterior, de que alguém poderá pedir o AI-5 no Brasil, a consultoria Arko Advice divulgou um relatório em que alerta para a possibilidade de protestos no país.

Guedes é uma das autoridades que recebem o relatório.

A consultoria faz uma estranha associação entre protestos imaginários a eventuais estímulos externos, que viriam da Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Venezuela.

“Estão sendo identificados, por alguns setores do governo e por nós, na Arko Advice, dois vetores de inquietação social que exigem atenção”, diz o relatório.

“O primeiro deles se expressa na tentativa de mobilização de grupos radicais de esquerda e anti-establisment com o objetivo de organizar manifestações contra o governo e as instituições. Eles contam com dois fatores que, no conjunto, podem resultar em protestos, vandalismo, greves e tumultos”, acrescenta.

A única manifestação organizada contra instituições no Brasil é da extrema direita, que quer derrubar ministros do STF. Mas o relatório não toca nesse ponto. O foco é a oposição a Bolsonaro.

“Tal vetor é estimulado por ações externas ligadas a certos movimentos de resistência (Bolívia, Venezuela) e de ataque (Chile, Equador e Colômbia). A intenção é replicar no Brasil o tumulto e os protestos que ora ocorrem nesses países vizinhos”, afirma.

De onde partiriam estes estímulos? Dos barbudos de Cuba? Dos militares de Maduro? Das tribos indígenas do Equador ou da Bolívia? Dos cidadãos insatisfeitos da Colômbia ou do Chile?

O relatório não responde.

O relatório cita a greve dos petroleiros como fator de desestabilização e alerta que a paralisação poderia ter a adesão da caminhoneiros, insatisfeitos com o preço do frete.

O texto da Arko Advice foi mencionado pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em uma transmissão na internet em que alerta para a narrativa que está sendo criada para justificar “a repressão a qualquer movimento de protesto que tenha em relação ao governo”.

“Fiquem alerta”, diz Gleisi. “É fake news, é uma mentira, é uma infâmia.”

Mas cumpre um objetivo: tensionar o ambiente político.

Parece partir de parte do governo ou de pessoas ligadas ao governo um movimento organizado contra a democracia.

Esse movimento se tornou explícito há quase um mês, quando Eduardo Bolsonaro disse, em entrevista a um canal no YouTube, que o AI-5 poderia ser adotado como resposta a protestos.

“Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5”, disse.

Seu pai, Jair Bolsonaro, o desautorizou publicamente, ao mesmo tempo em que o general Augusto Heleno, chefe da Abin, deu uma resposta ambígua.

“Se falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir. Acho que, se houver uma coisa no padrão do Chile, é lógico que tem de fazer alguma coisa para conter. Mas até chegar a esse ponto tem um caminho longo”, disse o general.

Quem foi sincero? Bolsonaro ou Heleno? Parece o general, já que, três semanas depois, Bolsonaro encaminhou ao Congresso um projeto de lei que estimula o assassinato de manifestantes em protestos.

O projeto amplia o conceito de excludente de ilicitude, para garantir a impunidade a militares que matarem durante a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

No passado, se dizia que alguns políticos ou pessoas por trás de políticos agiam como “pescadores de águas turvas”, ou seja, se davam bem quando a situação se tornava tensa.

Em 1964, para justificar o golpe, políticos, militares, empresários, padres, bispos e pastores inventaram que estava em curso a implantação de uma ditadura no Brasil por influência da União Soviética ou da China.

Com o discurso de que queriam salvar a democracia, implantaram uma ditadura sanguinária. Alguns se deram bem na pescaria de água turva: todos os estudos mostram que a concentração de renda aumentou com o golpe de 64.

Quem ganha agora? Ainda não é possível saber. Mas devem ser os mesmos de sempre, aqueles que contratam consultorias como essa Arko Advice.

Por enquanto, o que Paulo Guedes conseguiu foi a alta do dólar — o que era previsível.

Se um ministro da Economia sinaliza que o país pode caminhar para uma ditadura, quem vai colocar seu dinheiro aqui? O caminho inverso é o mais provável.

Mas que ninguém se engane: tem tubarão que aposta suas fichas em Bolsonaro e Guedes e na disposição deles de avançar no projeto que, a médio prazo, arruina o país.

Manifestantes atiram tomate na imagem de Gilmar Mendes: é a direita que ataca as instituições

Segue o texto da consultoria Arko Advice. Leia e, como diz Bolsonaro, tire suas próprias conclusões:

Campo social: greves e mobilizações no radar

Estão sendo identificados, por alguns setores do governo e por nós, na Arko Advice, dois vetores de inquietação social que exigem atenção.

O primeiro deles se expressa na tentativa de mobilização de grupos radicais de esquerda e anti-establisment com o objetivo de organizar manifestações contra o governo e as instituições. Eles contam com dois fatores que, no conjunto, podem resultar em protestos, vandalismo, greves e tumultos.

Tal vetor é estimulado por ações externas ligadas a certos movimentos de resistência (Bolívia, Venezuela) e de ataque (Chile, Equador e Colômbia). A intenção é replicar no Brasil o tumulto e os protestos que ora ocorrem nesses países vizinhos.

O movimento anima as alas mais radicais dos partidos de esquerda e os movimentos sociais afins, que estão elevando a temperatura de suas narrativas políticas desde a saída do ex-presidente Lula (PT) da prisão, visando aglutinar e, adiante, mobilizar.

O outro vetor de inquietação vem da esfera corporativista-sindical. Petroleiros ameaçam entrar em greve nos próximos dias com o objetivo de paralisar o país pela falta de combustível. O ponto-chave nessa questão é que o movimento corre o risco de se expandir para os caminhoneiros, que continuam com suas demandas não atendidas. No sábado (23), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) acatou liminar da Petrobras impedindo que os petroleiros entrem em greve, que estava marcada para esta segunda-feira (25).

No âmbito do serviço público, cresce a mobilização contra a Reforma Administrativa. Certos setores já boicotam abertamente o funcionamento do governo por meio de “operações-padrão” que implicam lentidão no atendimento de missões e tarefas.

Nesta terça-feira (26), oito centrais sindicais fazem plenária em Brasília para decidir se decretam greve geral de servidores contra a Reforma Administrativa. As autoridades estão monitorando tais movimentações, mas, considerando a inconsistência do governo, não se sabe se elas estão preparadas para um quadro mais agudo.

O risco de descontrole e de crescimento exponencial de manifestações contra o governo (ainda) parece baixo, mas não desprezível. No momento, as boas expectativas de fim de ano (criação de empregos, vendas de Black Friday e natalinas) criam um anteparo à possibilidade de desordem em larga escala.

No entanto, o governo deve estar atento para evitar que a situação fuja de controle.

A maioria não pagaria um centavo por uma análise inconsistente destas, mas tem quem pague, e com gosto. Não querem o conteúdo, mas uma justificativa para a prática autoritária.