EXCLUSIVO: Precisa, do caso da vacina da Índia, é investigada por vender testes de covid 90% mais caros ao governo

Atualizado em 25 de junho de 2021 às 13:51
Frasco da vacina indiana Covaxin – Indranil Mukherjee/AFP

A Precisa Medicamentos, que está no centro do escândalo da vacina Covaxin, é investigada pela venda de testes rápidos contra covid.

Uma reportagem da BandNews de 19 de fevereiro de 2021, baseada na investigação aberta pelo Ministério Público, afirma que a Precisa teria sido beneficiada em uma compra, com dispensa de licitação, no valor de R$ 38,4 milhões.

Essa empresa é a intermediária do laboratório Bharat Biotech, que está fornecendo a vacina da Índia ao governo Bolsonaro.

O Diário do Centro do Mundo teve acesso às informações do contrato que a Precisa ofereceu de testes para detectar o novo coronavírus. A proposta indica que o valor unitário do teste é mais de 90% mais caro do que outros aceitos no mesmo procedimento.

A ação do MP chegou a prender o ex-secretário de Saúde do Distrito Federal, Francisco Araújo. De acordo com o Ministério Público, a Precisa perdeu o prazo para a apresentação da proposta, mas mesmo assim foi escolhida para fornecer 300 mil testes rápidos, sendo que cada um custou R$ 125.

Ela entregou metade: 150 mil.

Contrato de fornecimento: R$ 41 milhões

O processo do MP mostra a entrega final dos testes. Esse fornecimento inicial, no entanto, era pelo dobro do valor. O total, no documento da Precisa Medicamentos, é de R$ 41.970.000,00, incluindo tributos, frete e seguro para pagamento à vista antecipado. Vale para 300 mil testes.

Contrato de fornecimento da Precisa Medicamentos de testes de covid obtido com exclusividade pelo DCM. Foto: Reprodução

O valor por teste ficou em R$ 139,90 a unidade.

Empenho da Precisa com o governo do DF recebido pelo DCM. Foto: Reprodução

Metade desses testes foram efetivamente comprados em dois empenhos, pagos pelo Fundo de Saúde do Distrito Federal. O valor do primeiro é de R$ 18.758.509,20. O segundo é de R$ 2.226.490,80.

Empenho da Precisa com o governo do DF recebido pelo DCM. Foto: Reprodução

O total pago foi de R$ 20.985.000,00.

De acordo com o Ministério Público, a Secretaria de Saúde do DF contratou “sem qualquer justificativa plausível” quatro empresas para o fornecimento de testes de covid. As companhias são Precisa, Goyazes, PMH e Methabio. O correto, segundo o MP, seria contratar “a de menor preço”.

A Precisa vendeu o teste por R$ 139,90 a unidade e se manteve como fornecedora de 300 mil, sendo que só entregou 150 mil. O mesmo teste da Acrobiotech foi adquirido da PMH por R$ 73. Os testes da Goyazes saiu por R$ 159.

O preço do teste da Precisa, de R$ 139, é 91,64% mais caro do que o teste mais barato contratado, de R$ 73.

Essas informações constam em documentos da Precisa e na investigação do Ministério Público na Operação Falso Positivo sob acusação de fraude na venda para clínicas particulares. A Precisa Medicamentos deve, supostamente, R$ 20 milhões nessa negociação.

Ausência na CPI da Covid e aditivo em contrato de preservativos

O sócio-administrador da Precisa Medicamentos, em Itapevi, é o empresário Francisco Emerson Maximiano. Ele foi convocado para dar um depoimento com explicações na CPI da Covid no dia 23 de junho de 2021. Não compareceu.

Como justificativa para a falta, os advogados de Maximiano alegam que ele chegou da Índia em 15 de junho, há sete dias. Segundo eles, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determina quarentena obrigatória de 14 dias para quem desembarca no Brasil vindo do país asiático.

Além de acusações superfaturamento envolvendo testes de covid e a vacina Covaxin, a Precisa conseguiu uma aditivo de contrato de preservativos antes de negociar o imunizante. De acordo com a CNN Brasil, a empresa Precisa Medicamentos assinou o contrato para fornecimento de cinco milhões de preservativos femininos no dia 13 de novembro do ano passado. 

O valor inicial era de R$ 15,7 milhões e passou para R$ 31,5 milhões no dia 18 de fevereiro. 

A justificativa para o aditivo foi uma correção na cotação do dólar, segundo publicação no diário oficial de 23 de fevereiro de 2021.

Os negócios mal explicados não terminam nessas cifras milionárias.

Sócio oculto, próximo de suplente de senador, que viajou para a Índia

O empresário Danilo Berndt Trento, do Mato Grosso, tem 36 anos e um envolvimento com a indústria farmacêutica que conecta a Precisa Medicamentos a um suplente do senador Eduardo Gomes, do MDB do Tocantins. 

Danilo Berndt Trento. Foto: Reprodução/Instagram

Danilo é sócio da empresa PRIMARCIAL HOLDING E PARTICIPAÇÕES LTDA, com sede em São Paulo, com sua avó Jandira Meneguello Berndt. No mesmo endereço está a empresa PRIMARES HOLDING E PARTICIPAÇÕES – EIRELI, cujo sócio principal é o próprio Francisco Emerson Maximiano.

Danilo Berndt Trento pescando no Pantanal. Foto: Reprodução/Instagram

Os dois têm processo na Justiça juntos. Maximiano também é o principal sócio da PRECISA COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS LTDA em Itapevi, no interior de São Paulo. É a empresa Precisa da Covaxin e dos testes de covid com suspeita de superfaturamento e fraude.

Danilo Berndt é próximo do suplente do senador Eduardo Gomes, Ogari de Castro Pacheco, do DEM de Tocantins. Ogari é sócio-fundador da farmacêutica Cristália.

A proximidade entre os dois se mostra em um labirinto de empresas.

Danilo representou a ARJ DIAGNOSTICOS PRODUTOS HOSPITALARES LTDA-EPP na Prefeitura Municipal de Parauapebas, no Pará. A ARJ tem como sócio André Rodrigues de Oliveira, cujo email é de uma empresa chamada Medcomerce.

Chegamos então na MEDCOMERCE COMERCIAL DE MEDICAMENTOS E PRODUTOS HOSPITALARES LTDA, que esteve em ofertas de medicamentos para o Estado do Tocantins no ano de 2013 e uma vez em 2014. Havia suspeitas de superfaturamento nessas datas.

Em 2013, por exemplo, a Medcomerce foi acusada com as empresas Hospfar, Sulmed e Dimaster por suspeitas de superfaturamento de preços de medicamentos e até venda de produtos com validade vencida.Uma delas, a Hopfar Indústria e Comércio de Produtos Hospitalares Ltda de Goiânia esteve no esquema do contraventor Carlinhos Cachoeira. 

Essa Hopfar tem como sócio Marcelo Perillo, sobrinho do governador de Goiás Marconi Perillo do PSDB. Marcelo foi investigado pelo Ministério Público Estadual (MPE-GO) como suspeito de ser um dos principais envolvidos no caso Cachoeira. Isso foi registrado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Seguridade Social em 21 de maio de 2013.

Também participou do esquema a Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda, nome citado entre as envolvidas com a máfia do sangue, ligada ao empresário Jaisler Jabour de Alvarenga, que foi investigado pela Polícia Federal em 2004. Esses esquemas envolveram cidades como Goiânia e Cuiabá.

De acordo com o Intercept Brasil, em reportagem publicada em 2019, só em Goiás, então governado por Marconi Perillo, primo de Marcelo Reis Perillo, a Hospfar e mais duas empresas, a Milênio e Medcomerce, são acusadas de causar um rombo de mais de R$ 13 milhões à União. Essas empresas também teriam lesado o estado com venda de remédios superfaturados entre 2002 e 2006. 

Entre essas empresas acusadas de formação de máfia aparece Danilo Berndt Trento, em ligações indiretas com Francisco Emerson Maximiano, o dono da Precisa Medicamentos.

Em 2009, a Operação Maranello, conjunta entre a PF e a Polícia Civil, chegou a rastrear Danilo utilizando mais de um CPF para acionar mais de um cadastro em aparelhos celulares. Operação teve 35 acusados e 13 pessoas presas nessas ações ilegais.

Segundo fontes que tiveram acesso à Polícia Federal, Maximiano e Danilo viajaram juntos até a Índia para as negociações em torno dos testes de covid e da vacina Covaxin.

Essa negociação chegou a envolver R$ 1,6 bilhão de empenho do governo federal para compra de 20 milhões de doses.

Danilo Berndt Trento é um personagem que poderia ser ouvido pela CPI da Covid para esclarecer as negociações da Precisa, mesmo sem ser um sócio direto de Maximiano.

Outro lado

O DCM entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Estado do Distrito Federal com as seguintes perguntas:

1 – Por que a secretaria contratou 300 mil testes de covid pelo preço de R$ 139 da Precisa Medicamentos se poderia pagar R$ 73 da empresa PMH?

2 – Por que a secretaria recebeu apenas 150 mil testes e isso provocou uma investigação com a prisão do ex-secretário Francisco Araújo, que pode depôr na CPI da Covid?

3 – A Precisa continua como fornecedora do DF?

A reportagem entrou em contato com a Precisa Medicamentos com as seguintes questões:

1 – Por qual razão a Precisa não entregou os 300 mil testes de covid no prazo de contratos investigados pelo MP?

2 – Por qual razão Danilo Berndt Trento esteve em viagens com Maximiano, fundador da Precisa, para a Índia?

A reportagem entrou em contato com Danilo Berndt com as seguintes perguntas:

1 – Por qual razão você viajaou com Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos?

2 – Essa viagem tem conexão com a Medcomerce ou com a Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos, do suplente do senador Eduardo Gomes, Ogari de Castro Pacheco do DEM de Tocantins?

Até o momento, nenhum dos envolvidos respondeu à reportagem. O espaço está aberto para a manifestação deles.