Exclusivo: rede sionista com mais de 5 milhões de usuários prega que Lula é nazista e morte de crianças

Atualizado em 2 de março de 2024 às 18:47
Montagem mistura o rosto do presidente brasileiro com o de Yahya Sinwar, líder do Hamas (crédito: reprodução/Telegram)

POR MARCELO BAMONTE, edição de Vinicius Segalla

Uma rede de grupos sionistas do aplicativo “Telegram” com mais de 5 milhões de contas ativas e usuários espalhados pelo mundo dissemina mensagens de ódio à Palestina e a seu povo, publica imagens manipuladas do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, tatuado com a suástica, comemora e satiriza os assassinatos de civis palestinos sempre que eles ocorrem e reproduz a ideia de que “palestinos nascem com o objetivo de matar judeus”, ponto de vista que “justifica” a política de ataques a civis adotada por Israel em Gaza.

A imensa rede do Telegram (com pelo menos 25 grupos separados) tem dinâmica de transmissão de conteúdos falsos, mensagens de ódio e comandos de proliferação de campanhas difamatórias bastante semelhante àquela utilizada pela extrema-direita brasileira para o alastramento de mentiras e mensagens de ódio, principalmente durante o governo de Jair Bolsonaro (PL-RJ), com a diferença de operar em escala global, e não nacional.

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Rede mundial de grupos sionistas que proliferam mensagens de ódio aos palestinos; alguns deles reúnem mais de 450 mil usuários (fonte: Telegram)

A reportagem do DCM está há quatro semanas inscrita como usuária nesta rede. Em uma das postagens (foto abaixo), há uma imagem com o corpo de um palestino morto em Gaza e, atrás dele, é visível a fachada da loja de roupas Zara. Na legenda, o texto diz que as vendas da filial da “Zara em Khan Yunis”, cidade ao sul de Gaza, “haviam começado”, fazendo alusão às roupas do palestino morto, que estariam disponíveis para uso.

Em dezembro de 2023, a marca espanhola de roupas foi pivô de uma polêmica envolvendo ativistas pró-palestina, que acusaram uma de suas coleções — onde modelos, vestidas de preto, carregavam esculturas enroladas em panos brancos — como uma alusão irônica aos mortos em Gaza.

Centenas de pessoas reagem positivamente a mensagem de ódio e deboche a palestino morto em Gaza (crédito: reprodução/Instagram)

Um dos grupos, criado em 2022, caracteriza-se como um canal para dar visibilidade “à bela perspectiva dos soldados israelenses em educar animais sanguinários (os palestinos)”, referindo-se às ações militares e de morticínio de Israel em Gaza, intensificadas ao fim do ano passado.

Contendo mais de 6.000 fotos e vídeos e ultrapassando a quantia de 120 mil membros ativos, os moderadores dessa lista de transmissão, chamada “Terroristas por Outro Ângulo”, afirmam que o intuito do canal é divulgar a ação das Forças de Defesa de Israel (FDI) “por outro ponto de vista”, segundo eles, “com um pouco mais de humor”.

A descrição do canal online ainda aponta que os palestinos (chamados de nazistas) nasceram com o objetivo de “assassinar judeus” e que todos os residentes de Gaza supostamente teriam comemorado a morte de civis israelenses com os ataques do Hamas, grupo paramilitar islâmico da Palestina, a Israel no dia sete de outubro do ano passado.

Outra postagem marcante do grupo de transmissão remete ao caso do militar norte-americano Aaron Bushnell que, ao fim de fevereiro deste ano, afirmando não querer ser um “cúmplice do genocídio em Gaza”, ateou fogo ao próprio corpo em frente à embaixada de Israel em Washington, capital norte-americana, em forma de protesto às ações das forças armadas dos EUA e de seu apoio à nação judaica.

A legenda da publicação (em inglês, e não hebraico), que conta com o vídeo gravado pelo ex-soldado, diz que os moderadores do canal online tinham expectativas de que “todos os nazistas presentes no grupo” se contentassem com a manifestação do ex-oficial, e que deveriam torcer ansiosamente para “ver mais protestos como esse”. Veja abaixo:

Crédito: reprodução/Telegram)

Lula é chamado de nazista em postagens que mostram presidente com suástica no peito

O Brasil é citado em diversos conteúdos, contendo membros ativos brasileiros que comentam nas publicações. Em uma delas, é feita uma montagem do presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva com uma suástica no peito. Nos comentários, brasileiros dizem que Lula não representa o país, e são feitas montagens misturando o rosto do presidente brasileiro com o de Yahya Sinwar, líder do Hamas. Veja abaixo:

Mensagens de brasileiros dizendo que “Lula não nos representa” (reprodução/Telegram)
Crédito: reprodução/Telegram
Após brasileira participante de rede sionista dizer que Lula não representa os brasileiros, usuário israelense afirma que o presidente brasileiro representa “os porcos nazistas palestinos” (crédito: reprodução/Telegram)

Outras publicações do grupo no Telegram se referem aos palestinos como “porcos”, em alusão ao não consumo de carne de porco pela população palestina, de maioria islâmica. Em uma das montagens, onde um palestino chora aos pés de um falecido, a legenda da publicação relata que, na verdade, as lágrimas eram causadas “pelo mau-cheiro dos pés” da vítima, e recomenda que, da próxima vez, “se use uma máscara”.

A estratégia de comunicação via Telegram tem sido utilizada por palestinos e israelenses. Por se tratar de uma rede social de controle russo e com menos censura de conteúdo, ambos os lados encontraram o meio como uma alternativa para noticiar os acontecimentos com materiais mais gráficos, não permitidos em redes sociais convencionais, como a Meta, que controla o Instagram, WhatsApp e Facebook.

Em reportagem do New York Times, foi verificado que, desde o início do conflito, foram realizadas múltiplas publicações feitas por oficiais das Forças de Defesa de Israel vandalizando lojas locais, escolas e casas de palestinos deslocados, enquanto faziam comentários depreciativos sobre os locais, demolindo áreas civis com ajuda de tratores e solicitando a construção de assentamentos israelenses em Gaza. Em um deles, um dos oficiais chega a declarar que “parou de contar” quantos bairros havia destruído.

No final de 2023, um estudo feito pela organização Human Rights Watch apontou padrões de boicote das redes sociais contra mais de mil contas que defendiam a causa palestina, em 60 países. Entre outubro e novembro de 2023, dos 1.050 casos analisados para o relatório, 1.049 que envolveram conteúdos pacíficos em apoio à Palestina foram censurados, enquanto fora constatado apenas um caso de remoção de conteúdo em apoio a Israel.

Além do grupo principal, são citados, pelo menos, mais 24 canais que podem ser utilizados para consumir o mesmo tipo de conteúdo. Somando todos os inscritos, o número passa de cinco milhões de usuários ativos.

Até o momento, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, pelo menos 30.228 palestinos foram mortos e 71.377 civis foram feridos em ataques israelenses a Gaza desde o dia sete de outubro do ano passado.