Exclusivo – Réu por tentativa de feminicídio, sobrinho de Bolsonaro socou ex-mulher enquanto ela amamentava filho de 4 meses

Atualizado em 12 de abril de 2023 às 8:04
Orestes Bolsonaro, “atirador esportivo”: usou sua pistola Taurus para tentar matar a ex-mulher (crédito: TJ-SP)

O comerciante Orestes Bolsonaro, de 42 anos, da cidade de Jacupiranga, no sul do estado de São Paulo, é sobrinho de Jair Bolsonaro (PL-RJ). Tanto ele quanto sua mãe (Maria Denise Bolsonaro, irmã do ex-presidente) gozam de convívio íntimo com o parente famoso.

De fato, quando Eduardo Bolsonaro (PL-SP) se casou, em julho de 2019, Orestes gravou um vídeo (que pode ser visto aqui) de mais de 20 minutos em que se vangloriava da utilização de um helicóptero da FAB (Força Aérea Brasileira) designado pelo então presidente para transportá-lo para o casório do primo, no Rio de Janeiro.

Assista a um trecho, abaixo.

Por coincidência, o matrimônio do filho de Bolsonaro ocorria na mesma época em que chegava ao fim o casamento do sobrinho. Isso não impediu que Orestes, já dez meses após o término do relacionamento, tentasse matar sua ex-mulher e seu então companheiro, por ciúme.

Segundo a Polícia e o Ministério Público, no dia 2 de outubro de 2020, Orestes Bolsonaro tentou matar os dois, primeiro, a golpes de pau, fazendo uso de um taco de madeira que portava. Depois, com tiros de pistola.

A arma de fogo utilizada foi apreendida e era de propriedade formalizada e perfeitamente legal do acusado, registrado pelo Exército Brasileiro como CAC, sigla para Colecionadores, Atiradores Esportivos e Caçadores, conforme se vê abaixo, em reprodução de documentos constantes nos autos do processo.

Em março de 2016, o Exército Brasileiro registrou legalmente pistola do “atirador esportivo” Orestes Bolsonaro; ele já era agressor da própria esposa há quatro anos (Crédito: TJ-SP)
O cidadão de bem Orestes Bolsonaro: de atirador desportivo autorizado pelo Exército a réu por tentativa de feminicídio (crédito: TJ-SP)

Por causa disso, Orestes foi denunciado e se tornou réu por tentativa dupla de homicídio, com os agravantes de feminicídio (quando o crime ocorre pela condição de mulher da vítima), motivo fútil, utilização de meios cruéis e impossibilidade de defesa da vítima.

Leia mais: “Tiro, paulada e soco: sobrinho de Bolsonaro é réu por tentativa de feminicídio e lesão corporal”

Do dia 2 de outubro de 2020 para cá, o processo vem seguindo seu curso natural. Em julho do ano passado, a Justiça proferiu a sentença de pronúncia do réu, determinando que ele seja julgado por um tribunal de Júri Popular. Também foram ouvidas as testemunhas de defesa e acusação e produzidas as provas periciais, no decorrer da chamada instrução processual.

O DCM teve acesso aos autos da ação penal, à transcrição dos depoimentos e aos laudos periciais. Por meio deles, o que se descobre é que Orestes Bolsonaro era um contumaz agressor da ex-esposa, desde muito antes de ter recebido a autorização do Exército para possuir arma de fogo e registrar legalmente a pistola Taurus calibre .380, que viria a ser utilizada na tentativa de feminicídio.

A escalada de violência do cidadão de bem (no exato termo em que é chamado por seu advogado de defesa no processo) descrita nos autos expõe uma conduta do réu que se repete em milhares de lares brasileiros, de agressões cada vez mais violentas, seguidas por pedidos de desculpas e declarações de arrependimento, culminando em homicídio ou na tentativa dele.

O Ministério Público de São Paulo, em documento datado de 15 de março deste ano – ao qual o DCM também teve acesso -, colecionou uma série dessas agressões e comportamento repetitivo do réu, que tiveram início há mais de dez anos. Leia transcrição de trecho, abaixo:

“Ao Ministério Público, a vítima XXXX afirma que o relacionamento com o réu sempre foi conturbado. Depois das brigas, ORESTES sempre voltava pedindo perdão.”

Murro e empurrão enquanto a esposa amamentava filho de quatro meses

Em determinada ocasião, no ano de 2019 (pouco antes de o réu gozar da “carona” em aeronave da Força Aérea), a então esposa de Orestes amamentava o segundo dos filhos que teve o casal, então com quatro meses de idade, na sala do apartamento onde moravam.

Isso não impediu o réu, que estava em uma cadeira de rodas devido a uma recente cirurgia no joelho, de agredir a companheira com um murro no joelho e um empurrão. Em um ataque de ciúme, ele buscava pegar o telefone celular da vítima.

A ex-mulher de Orestes, então, deixou o filho bebê no quarto junto com a filha mais velha (que tinha quatro anos). Ao voltar para sala, o réu atirou um ventilador na companheira, e pegou também uma caixa de som para atingi-la. A vítima fugiu do local, para o qual retornou mais tarde na companhia de dois cunhados, para estar com seus filhos. Ao chegar em casa, Orestes se dizia arrependido, chorando, dizendo que iria mudar.

Trecho de dcumento do MP-SP em que é narrada agressão à vítima por Orestes Bolsonaro. O nome da agredida foi ocultado pela reportagem do DCM (crédito: TJ-SP)

Tentativa de afogamento, perseguição e cárcere privado

Cinco anos antes da agressão narrada acima, muito antes do sobrinho de Bolsonaro obter junto ao Exército sua autorização para ter arma de fogo, o réu já apresentava comportamento violento. Quando o casal ainda não tinha filhos, o réu tentou afogar a então esposa.

Na época, eles moravam no município de Barra do Turvo (SP). Em determinada ocasião, Orestes levou a vítima para a cidade vizinha de Eldorado, contra a sua vontade, para o sítio da família, onde teriam pernoitado.

Orestes segurava uma espingarda (muito embora ainda não tivesse autorização para ter arma) ao lado da porta do quarto, para que a vítima não fosse embora. Na primeira noite, ele não dormiu. Na segunda noite, quando Orestes dormiu, a esposa fugiu em direção à rodovia, conseguindo entrar em um ônibus.

Orestes foi atrás, e conseguiu tirar a vítima à força do ônibus, levando-a de volta para o sítio. Quando chegaram, ele levou a mulher para uma lagoa que havia na propriedade, segurando sua cabeça debaixo d´água e fazendo inúmeras perguntas, por várias vezes, “até a vítima dizer que não iria mais embora, que estava tudo bem”.

Coronhadas com arma ilegal

Depois que o tio famoso se tornou presidente, Orestes Bolsonaro finalmente obteve seu registro de CAC e autorização para possuir uma pistola, devidamente permitida pelo Exército Brasileiro. Antes, disso, porém, ele já portava armas de fogo, como a espingarda de que fez uso para manter a esposa sob cárcere privado e também um revólver, que mais de uma vez utilizou para ameaçar e agredir a vítima, a coronhadas.

Relato de agressão a coronhadas de sobrinho de Jair Bolsonaro contra sua então esposa (crédito: TJ-SP)

No final de 2019, a ex-esposa de Orestes achou que bastava. Reuniu força e coragem e conseguiu se separar do sobrinho de Bolsonaro, na mesma época em que ele usava o helicóptero da FAB para ir ao casamento de Eduardo. Ela achava que, assim, estaria interrompendo aquela escalada de violência, que – pensava – a levaria à morte.

Mas assim não quis Orestes Bolsonaro, que, no dia 2 de outubro de 2020, dez meses após o término do relacionamento, invadiu sua casa armado de pistola Taurus e um taco de madeira. Eram 6h30 da manhã, e a vítima estava com seu atual companheiro e a filha de sete anos dormindo no sofá da sala, onde assistiam televisão antes de cair no sono.

Ele acertou pauladas e um copo de vidro na cabeça do companheiro da ex-mulher, que reagiu à agressão, dando tempo para a outra vítima fugir, com a filha dela e de Orestes nos braços. O sobrinho de Bolsonaro ainda sacou a arma e deu dois tiros dentro da casa, em que o outro filho do casal dormia no quarto. Os projéteis atingiram as paredes do imóvel.

Marcas das balas de Orestes Bolsonaro nas paredes da casa da ex-mulher, em foto tirada pela Polícia Civil (crédito: TJ-SP)
Pedaço de madeira utilizado por sobrinho de Jair Bolsonaro para agredir o companheiro de sua ex-mulher (crédito: TJ-SP)

Orestes Bolsonaro ainda aguarda em liberdade a realização de seu julgamento, enquanto seus advogados interpõem uma série de recursos que vão adiando o Júri Popular. Espera-se que, até que ele seja finalmente julgado, a escalada de violência do réu não chegue a um ápice sangrento e irreversível.