Exclusivo: Samarco assina acordo para pagar 61 milhões a lobista com base em documento que pode ser falso. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 16 de setembro de 2017 às 12:55
A empresa assinou acordo com uma lobista que teria juntado documento falso.

O acordo homologado pelo juiz da 7a. Vara Cível de Belo Horizonte que autoriza a Samarco a pagar 61 milhões de reais à lobista Andrea Cássia Vieira de Souza tem como base um documento que parece falso.

Andrea juntou na ação em que cobra a comissão da Samarco um ofício do então diretor financeiro da Escelsa, Sérgio Pereira Pires, com uma assinatura que é diferente daquela que ele usa em outros documentos, como, por exemplo, um contrato de concessão de energia encontrado nos arquivos da Aneel, a agência reguladora de energia.

Sérgio Pereira Pires foi diretor da Escelsa até 2008, na gestão de António Eduardo da Silva Oliva. O ofício juntado ao processo, assinado apenas por ele com data de 23 de maio de 2000, é dirigido ao governador do Estado do Espírito Santo.

Ele pede autorização para compensar a dívida de ICMS da empresa com “créditos de terceiro” no valor de 4 milhões de reais por mês, nos dois anos seguintes.

Os créditos efetivamente foram utilizados, depois da negociação com a Samarco que, exportadora de minério, tinha direito a reembolso de ICMS com base na Lei Kandir.

A assinatura do diretor num documento oficial, entregue à Aneel.
A assinatura atribuída ao diretor da empresa, no documento juntado pela lobista Andrea Cássia: em jogo, 61 milhões da Samarco

Quem intermediou o negócio foi Nílton Monteiro, conforme mostra um contrato apresentado por ele.

Andrea Cássia aparece no contrato, mas não como parte, ele é testemunha.

Depois que o negócio foi concretizado, Nílton se apresentou para receber a comissão, o que é legítimo, mas soube que o dinheiro seria pago a outro escritório.

Começou aí uma batalha que teve CPI na Assembleia do Espírito Santo e inquérito na Polícia Federal.

Nílton era o delator e, segundo se pode confirmar em reportagens da época, com suas informações um vasto esquema de corrupção no Espírito Santo começou a ser revelado.

Envolvia até o gabinete do governador, José Inácio Ferreira, um dos fundadores do PSDB, que, mais tarde, acabou condenado.

Desde então, dizendo-se passado para trás, Nílton tenta receber a comissão e acabou envolvido em denúncias criminais e prisões.

Ele não recebeu, mas, com suas denúncias, tinha inviabilizado o pagamento a outro escritório.

“Eles queriam pagar a esse outro escritório porque tinha acerto, esse escritório vai devolver por caixa 2 boa parte daquilo que receber”, diz Nílton.

Depois da delação no Espírito Santo, Nílton delatou o esquema de Furnas e, ao mesmo tempo, o mensalão mineiro.

A juíza Marisa Pinheiro Costa Lage, que condenou o ex-presidente nacional do PSDB a mais de 20 anos de prisão, por causa do mensalão mineiro, escreveu na sentença:

“É necessário que seja dada credibilidade às declarações de Nilton Monteiro, haja vista que diversas de suas afirmações foram confirmadas pelas testemunhas, como Marcos Valério, que o recebeu em seu escritório, para tratar de assuntos relacionados à campanha tucana em Minas Gerais.”

A magistrada lembrou também que Nilton Monteiro apresentou documentos, como a procuração que Cláudio Mourão entregou a ele, para cobrar dívida de campanha junto a Azeredo e recibos de depósitos, além de anotações de Walfrido dos Mares Guia, vice-governador de Azeredo, com o “resumo da movimentação financeira ocorrido no ano de 1998”.

No governo de Antonio Anastasia, aliado de Aécio Neves, Nílton Monteiro foi investigado sob a acusação genérica de que era chefe de uma quadrilha de falsários.

Não tinha condenação alguma, mas passou mais de um ano trancado. Era 2014, ano em que Aécio fazia campanha para presidência da República.

Seu advogado de então não tem dúvida de que foi uma prisão política, fruto de um esquema que unia a cúpula da Polícia Civil, setores do Ministério Público e do Judiciário.

Passada a campanha, Nílton foi colocado em liberdade e voltou a falar.

Eu o entrevistei em Belo Horizonte, na reportagem sobre a lista de Furnas.

No segundo encontro, ele levou duas mochilas, dessas esportivas. Quando a abriu as mochilas, vi centenas de cópias de documentos e notas, inclusive estes sobre a venda de crédito tributário da Samarco para a Escelsa.

Nílton voltou a carga quando soube da homologação do acordo entre a Samarco e a lobista Andrea pelo juiz da 7a. Vara da Justiça Civil de Belo Horizonte.

“Depois que Andrea Cássia receber o dinheiro, pode esquecer. Muita gente ganhar. Eu vou perder, mas a Samarco e os acionistas da Samarco, também”, afirma. “O que está acontecendo é uma fraude e eu não vou desistir de cobrar”, acrescenta.

Nílton Monteiro denunciou trama para evitar que o dinheiro da Samarco alimente esquema de corrupcão
Andrea Cássia, em reportagem sobre escândalo de corrupção em Vitória

 

O DCM procurou a Samarco e, atendendo à solicitação da assessoria de imprensa, encaminhou e-mail com três perguntas:

Estou fazendo reportagem sobre um acordo judicial que a Samarco celebrou para pagar 61 milhões de reais a uma pessoa que se apresenta como intermediária de um negócio de venda de crédito tributário da empresa para a EDP, antiga Escelsa, no Espírito Santo. Esse pagamento está sendo contestado na Justiça e pode lesar a empresa. Encaminho cópia do acordo e gostaria de ouvir a empresa, para saber: 

1) Por que a Samarco decidiu fazer o acordo agora, depois de 17 anos?

2) A Samarco sabe que a mulher que se apresenta como titular do comissão,Andrea Cássia Vieira, juntou documento supostamente falso à Justiça? 

3) Não seria contraditório a Samarco celebrar um acordo para pagar 61 milhões num momento em que vítimas da barragem de Bento Rodrigues reclamam da demora para reparar danos causados a eles?

A Samarco não respondeu às perguntas, mas divulgou nota, com o posicionamento da empresa:

“A Samarco esclarece que o acordo firmado na 7ª Vara Cível de Belo Horizonte com Andrea Cássia Vieira, referente à comissão de intermediação de créditos tributários, ocorreu após 17 anos de tramitação do processo, que havia chegado à fase de execução definitiva.

Com relação às indenizações por mortes decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, a Samarco antecipou, em janeiro de 2016,  para  os familiares das vítimas,  a quantia de R$ 100 mil.  Além disso, já indenizou parentes de seis das 19 vítimas no último um ano e dez meses. A empresa segue em contato com os familiares e seus advogados nos demais casos e está buscando ativamente a conciliação.”

Os advogados de Nílton Monteiro entraram na Justiça para tentar o bloquear o pagamento.

A EDP Escelsa informou que o Sérgio Pereira Pires deixou a empresa em 2009.