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Existe algum membro do Ministério Público com coragem e caráter para processar Bolsonaro?

 

Publicado no Justificando

Todos os dias que entro numa sala de aula, afirmo que a liberdade de expressão e de pensamento é direito constitucional e, também, que liberdade de expressão não se confunde com liberdade de opressão. Ao mesmo tempo em que o art. 5º, inciso IV, da CF, consagra a liberdade de pensamento e o inciso IX consagra a liberdade de expressão, o art. 3º, inciso IV, diz ser objetivo da República promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Apesar de ser cada vez mais comum a aplicação da Constituição pela metade, com a validação de um Judiciário majoritariamente genocida, especialmente no que diz respeito aos direitos de minorias e a concessão de liminares para reintegração de posse em terras indígenas, quilombolas ou em qualquer outra ocupação por luta por moradia, qualquer um que tem compromisso com a legalidade precisa ser responsável e compreender a ordem constitucional como um todo.

A concessão de liminares para reintegração de posse, despejo ou qualquer outra medida judicial que retira, antes do trânsito em julgado, crianças de suas moradias para coloca-las na beira de estradas, na rua ou qualquer outro local de risco, é genocida pois viola frontalmente e irresponsavelmente o princípio da proteção integral consagrado em outro artigo da mesma Constituição que protege a liberdade de pensamento, de expressão e a propriedade privada. Esse artigo é o 227, que diz:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Sei bem que o fetiche pela violência é marca registrada de parcela considerável da nossa sociedade. O desejo quase que sexual pelo paletó ou pela farda violenta, marca aqueles e aquelas que encontram na violência, na humilhação e na destruição, um objeto fálico que satisfaz os desejos mais profundos que consubstanciam o vazio da angústia de não terem tido a oportunidade de compreender as delícias do afeto, do respeito e da liberdade. Parafraseando Raduan Nassar em “Lavoura Arcaica”, é impossível exigir um abraço de afeto daqueles de quem amputamos os membros.

Quando o Bolsonaro se refere à fome dos quilombolas fazendo referência a arrobas, quando afirma que não servem nem para procriar, temos a configuração clara do crime previsto no art. 20 da Lei 7.716/98, que diz:

Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa.

A questão é saber se existe algum membro do Ministério Público com coragem e caráter suficiente para dar andamento a uma ação penal contra esse sujeito, considerando que manifestação de pensamento e imunidade parlamentar não autorizam a opressão.

Quando esse sujeito faz isso e outras pessoas riem ou se esforçam para justificar a legitimidade política dessa figura sórdida, o universo escancara para todos nós que prestigiamos a democracia o fato incontestável do nosso equívoco até aqui. Erramos, companheiros! Erramos feio! Todas as nossas lutas, todo o sangue que vimos escorrer, todo o nosso suor diário, não serviu para alterar as estruturas da violência.

As estruturas da violência e do ódio estão mais firmes do que nunca, apesar de termos cuidado daqueles que estavam mais dispostos a receber afeto e respeito para seguirem promovendo liberdade, não tivemos estômago para cuidar daqueles que, com os orifícios espirituais, psíquicos e físicos vazios de afeto, se apaixonaram loucamente pelo falo significante da violência, do desprezo e do descompromisso. Menos egocentrismo, menos falocentrismo! Por que não as flores (para não dizer que não falei das flores)?

Erramos, companheiros! E se quisermos mexer nas estruturas, teremos de preparar o nosso estômago e o nosso fígado, pois tem muita coisa podre que ainda não emergiu.

Sigamos firmes.

Pedro Pulzatto Peruzzo é advogado, professor pesquisador da PUC-Campinas e diretor da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Jabaquara.

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