
A comercialização clandestina da tadalafila, medicamento indicado para disfunção erétil, já ultrapassou o limite da noite carioca e tomou conta de espaços públicos de alta circulação no Rio de Janeiro.
A substância, popularizada como “bala” por ambulantes, é vendida em locais como o Maracanã, as praias de Ipanema e Leme e até na badalada rua Arnaldo Quintela, eleita a oitava mais “cool” do mundo. A Prefeitura do Rio afirma que realiza fiscalizações diárias, mas a presença do produto em pontos turísticos e eventos de massa evidencia o alcance da prática. “Bala, tadala, bala, tadala!”, gritam os vendedores, sem esconder a oferta.
A droga é usada por homens de todas as idades, muitas vezes sem qualquer orientação médica. “Aqueles pacientes com angina ou insuficiência cardíaca não podem tomar esse tipo de medicamento de jeito nenhum”, alerta o médico Danilo Souza Lima da Costa Cruz, do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), da Uerj, em entrevista ao jornal O Globo. Segundo ele, o uso indiscriminado pode levar a efeitos como priapismo, perda de visão, surdez e até infarto. Ainda assim, relatos mostram adolescentes ingerindo o comprimido antes de encontros, frequentadores de academias o adotando como “pré-treino” e usuários em casas de suingue recorrendo ao remédio para garantir performance.
Cinco anos atrás, a Anvisa registrou a venda de 21,4 milhões de caixas do produto no país. Em 2024, esse número saltou para mais de 64 milhões. A banalização do uso é tamanha que, no último carnaval, a tadalafila virou tema de fantasias e foi comercializada até por crianças em blocos de rua. Em festas universitárias e até em vagões da Central do Brasil, a droga é oferecida como se fosse bala comum. “A tadalafila está na boca do povo”, resume Paulo Duarte, biólogo e consumidor de 38 anos. “Se estou nos primeiros encontros, uso para ‘chegar chegando’”, diz.
Mas o apelo da substância vai além do sexo. Entre os adeptos da hipertrofia, circula o mito de que o remédio funciona como suplemento esportivo. O médico do Hupe contesta. “Não há trabalho científico que mostre qualquer benefício no uso dessa medicação para este fim”, reforça Cruz. Mesmo assim, a convicção de que a tadalafila melhora o desempenho físico contribui para seu consumo crescente — um risco silencioso, segundo especialistas, quando associado a outras substâncias.
Rodolfo Masetti, empresário de 37 anos, relata que o uso em casas de suingue virou padrão. “Era assim: tadala no bolso, sobriedade e espera por um convite”, diz ele, que se identifica como pansexual. Segundo Masetti, bartenders chegaram a vender os comprimidos por R$ 20, com margem de lucro ampla. “É lucro certo. Ele compra uma cartela por R$ 11, vende tudo por R$ 100”, relata. A mistura com álcool ou drogas, no entanto, já resultou em episódios fatais. “Soube de um homem que morreu na casa de suingue. É uma prática viciosa.”
A febre da tadalafila chegou a alimentar a tentativa de lançar o produto como bala de goma no mercado alimentício. A Anvisa reagiu em maio com uma resolução que proíbe sua fabricação, manipulação e propaganda. Influenciadores chegaram a divulgar o doce, o que intensificou a fiscalização. Ainda assim, o remédio continua a circular fora das farmácias, à margem da lei e do cuidado médico. “Quando parei de usar, me dediquei à necessidade de focar no desejo e de estar bem mentalmente”, afirma Masetti.
O uso descontrolado da tadalafila no Brasil expõe uma combinação perigosa: fragilidade emocional, pressão por performance e acesso fácil a medicamentos potentes sem qualquer orientação técnica. A prefeitura do Rio reitera que a Seop e a Guarda Municipal atuam contra a venda irregular, mas admite que apenas o flagrante permite apreensão. Diante da popularidade crescente da droga, especialistas reforçam o alerta: prazer não pode ser receita para imprudência.