A exposição ao amianto no ambiente de trabalho continua matando no Brasil. Um levantamento de registros de óbitos de 1996 a 2017 aponta que 3.057 pessoas morreram devido a doenças relacionadas ao asbesto típicas (DRA-T). Ou seja, 145 por ano. Desse total, 2.405 (76,4%) foram vítimas do mesotelioma maligno, um tipo de câncer diretamente relacionado ao amianto, também conhecido como asbesto. Do total, 1.404 eram homens e 1.001 mulheres, sugerindo um padrão predominante de exposição relacionada ao trabalho.
Na maioria dos casos a doença atinge o mesotélio da pleura, camada de revestimento do pulmão. Aproximadamente três quartos de todas essas mortes foram na pleura. Mas o mesotelioma pode afetar o pericárdio ou o peritônio.
O estudo foi feito por pesquisadores da Fundacentro, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade de Brasília (UnB). Eles participaram do projeto multidisciplinar sobre a exposição ocupacional ao asbesto e seus efeitos à saúde no Brasil, com objetivo de criar um banco de dados único com registro de morte por essas doenças.
Os resultados foram publicados na revista Safety and Health at Work. Para saber mais, clique em Analysis of Mortality from Asbestos-Related Diseases in Brazil Using Multiple Health Information Systems, 1996-2017 (Análise da Mortalidade por Doenças Relacionadas ao Asbesto no Brasil Usando Múltiplos Sistemas de Informação em Saúde, 1996–2017).
Os pesquisadores consultaram dados do Sistema de Informação em Saúde (SIS) – Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS), Comunicação de Internação Hospitalar (CIH)/Comunicação de Informação Hospitalar e Ambulatorial (CIHA), este da iniciativa privada. E também o Registro Hospitalar de Câncer do Inca (Instituto Nacional de Câncer) e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
Faltam informações
Foram consultados ainda registros de um repositório de casos de doenças relacionadas ao asbesto dos ambulatórios especializados em doenças respiratórias ocupacionais da Fundacentro, InCor/USP (Instituto do Coração/Universidade de São Paulo) e Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Fiocruz).
Para os pesquisadores, os principais desafios para esses sistemas nacionais de informações sobre mesotelioma são a padronização e precisão dos procedimentos diagnósticos. E também a falta de um histórico ocupacional detalhado, que permita estabelecer o nexo causal com o trabalho, necessário para indenizações legais e benefícios compensatórios.
Os pesquisadores avaliam que há necessidade aprimoramento do monitoramento da exposição laboral e ambiental ao amianto. E também da vigilância dos trabalhadores, após a recente proibição brasileira.
O amianto está proibido em 67 países, mas permitido no Brasil. Em 2017 uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a comercialização e uso do produto. E foi comemorada por defensores da saúde pública. Para o Instituto Nacional do Câncer (Inca), foi histórica a proibição da extração, industrialização, comercialização, distribuição e o uso do produto.
“Ao declarar inconstitucional o dispositivo legal que autorizava o aproveitamento econômico do mineral cancerígeno, o STF reconheceu as evidências de que não existe limite seguro para a exposição humana ao produto, sendo impossível o uso controlado da perigosa substância”, escreveram os procuradores do trabalho Leomar Daroncho e Luciano Lima Leivas em artigo publicado no jornal Correio Braziliense nesta terça-feira (7).
No Brasil, leis divergentes
“Todavia, os efeitos da decisão foram suspensos em razão de recurso (embargos de declaração) apresentado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria e pelo Instituto Brasileiro do Crisotila. O julgamento é aguardado para que haja segurança jurídica em um tema de tamanha relevância.
Segundo os procuradores, tanto a lei federal de permissão quanto as leis estaduais de proibição foram questionadas no STF. Em 2017, a Corte declarou constitucionais as leis estaduais (proibitivas) e inconstitucional a lei federal (permissiva). Contudo, o Estado de Goiás, que sedia a única mina de amianto no Brasil, em sentido contrário à decisão do STF, publicou a Lei Estadual nº 20.514/2019, permitindo a extração, o beneficiamento e a exportação do amianto da variedade crisotila.
Como lembraram, a lei goiana, incentivada pela insegurança gerada na pendência de decisão definitiva do STF, trouxe situações concretas de absoluta insegurança jurídica. A lei de Goiás acabou sobrepondo-se ao entendimento do STF sobre a lei federal e as leis de outros estados.
Em abril de 2022, um caminhão carregado de amianto goiano que se dirigia ao porto de Santos sofreu acidente na BR-153, no município de Prata (MG) lançando no ambiente cerca de 30 toneladas do produto perigoso. Porém, há lei dos estados de Minas Gerais e de São Paulo proibindo expressamente o amianto em seus territórios, sendo que a lei paulista foi declarada constitucional pelo STF.
100 mil mortes/ano no mundo
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima em 100 mil as mortes anuais de trabalhadores causadas pelo amianto em todo o mundo. Na Itália, a principal marca respondeu na Justiça pela acusação de ter provocado uma catástrofe ambiental ao violar normas de segurança do trabalho, com cerca de 3 mil mortes entre trabalhadores e vizinhos da fábrica. O promotor responsável pelo caso classificou a tragédia de uma “ferida aberta”.
Essa fibra versátil, com centenas de aplicações na indústria, especialmente na construção civil, começou a ser utilizada no país em meados da década de 1930. Cresceu a partir do final da década de 1960 e atingiu o pico de consumo de 1985 a 1991.
Mas as doenças relacionadas ao amianto não desapareceram. E continuarão a surgir por muitos anos mesmo após o término da exposição ocupacional. Isso devido à contaminação ambiental, ao longo tempo para a doença se manifestar e à irreversibilidade da exposição passada. Tanto que os casos de câncer associados à fibra começaram a ser identificados em 1955, quase 20 anos após o início do uso no país. Além disso, tem a questão do subdiagnóstico ou subnotificação.
No próximo dia 16, o STF deve retomar o julgamento da ação (ADI 3406), em que foi declarada a inconstitucionalidade do dispositivo que permitia o chamado aproveitamento econômico do amianto no Brasil, pacificando a questão. No início dos anos 2000, diversos estados brasileiros publicaram leis regionais de proibição do amianto, casos de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco.
OMS quer banimento
Tanto a lei federal de permissão quanto as leis estaduais de proibição foram questionadas no STF. Em 2017, a Corte declarou constitucionais as leis estaduais (proibitivas) e inconstitucional a lei federal (permissiva). Contudo, o Estado de Goiás, que sedia a única mina de amianto no Brasil, em sentido contrário à decisão do STF. E publicou a Lei Estadual nº 20.514/2019, permitindo a extração, o beneficiamento e a exportação do amianto da variedade crisotila.
A lei goiana, incentivada pela insegurança gerada na pendência de decisão definitiva do STF, trouxe situações concretas de absoluta insegurança jurídica. A lei de Goiás acabou sobrepondo-se ao entendimento do STF sobre a lei federal e as leis de outros estados. Em abril de 2022, um caminhão carregado de amianto goiano que se dirigia ao porto de Santos sofreu acidente na BR-153, no município de Prata (MG) lançando no ambiente cerca de 30 toneladas do produto perigoso. Porém, há lei dos estados de Minas Gerais e de São Paulo proibindo expressamente o amianto em seus territórios, sendo que a lei paulista foi declarada constitucional pelo STF.
Como lembram Daroncho e Leivas, o banimento do amianto é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como critério de saúde ambiental. Daí a necessidade de pacificação do tema pelo STF, confirmando a decisão definitiva de banimento, que se alinha aos princípios da precaução e da prevenção. Isso encerraria o período de retrocessos e de inseguranças, afirmando a centralidade dos direitos humanos e o protagonismo da Corte constitucional na concretização da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Publicado originalmente por Rede Brasil Atual.