Extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário: crueldade e crime premeditado. Por Guilherme Cassel

Atualizado em 23 de maio de 2016 às 20:09

O texto abaixo foi escrito por Guilherme Cassel, 59, Ex-Ministro do Desenvolvimento Agrário.

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Uma das primeiras medidas do governo ilegítimo que assaltou o poder no Brasil foi extinguir o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Sob a justificativa de racionalidade administrativa, as estruturas do MDA foram fundidas com as do Ministério do Desenvolvimento Social, responsável, entre outras atribuições, pela gestão do Programa Bolsa Família. Mais do que uma insensatez, trata-se de um gesto de crueldade.

Tanto o MDS como o MDA têm estruturas enxutas, aquém das suas necessidades reais e trabalham com um enorme universo de pessoas e demandas: o Bolsa Família atende 13,8 milhões de famílias e o MDA é responsável pela gestão do crédito, do seguro agrícola, da assistência técnica e da comercialização, de mais de quatro milhões de famílias de Agricultores Familiares e de Assentados da Reforma Agrária. Nos dois casos, o volume de trabalho e a especialização necessária para bem realizá-lo justificam a existência dos dois ministérios. Simples assim. Autoexplicativo.

Reunir tudo isso em uma só pasta é apostar no fracasso e no desmantelamento das estruturas e programas no curto e no médio prazo e, cá entre nós, não temos o direito de, ingenuamente, pensar que se trata de um simples erro de avaliação ou desconhecimento. Não é. É crime premeditado.

Mas como afirmei que se trata de um gesto de crueldade, quero justificar. Ao decretar que o MDA é um ministério da área social, o governo golpista retira da Agricultura Familiar brasileira o status de setor econômico e produtivo e a relega a um papel secundário, objeto não de políticas de estímulo econômico e produtivo, mas de políticas sociais e de combate a pobreza.

Eles, os golpistas, sabem que a Agricultura Familiar Brasileira produz 70% de tudo aquilo que a população consome no dia a dia e que, portanto,trata-se de um setor econômico vital para a segurança alimentar e nutricional do país. Sabem – e sabem muito bem – que nos últimos 14 anos a renda média das famílias da Agricultura Familiar cresceu três vezes mais do que a média nacional, impulsionada por programas de crédito, seguro, assistência técnica e comercialização, que alavancaram a produção de alimentos no Brasil. Eles sabem de tudo isso. Sabem e não gostam. Querem devolver os Agricultores Familiares brasileiros à pobreza do passado e isso tem nome: crueldade. Apostam no empobrecimento de uns para concentrar terra, crédito e riqueza nas mãos de uns poucos latifundiários. Querem minar a produção interna de alimentos para abrir mercado para a importação.

É necessário lembrar que o Ministério do Desenvolvimento Agrário foi criado no governo FHC, por pressão dos movimentos populares do campo. Não foi uma concessão, foi uma conquista, resultado de muitos anos de luta. De lá para cá, muita coisa mudou. O PRONAF é hoje um programa nacional de crédito para a produção que gira com mais de três milhões de contratos/ano, movimenta cerca de R$ 30 bilhões e tem sido copiado por diversos países em todo o mundo. O Programa Mais Alimentos, outro bom exemplo, permitiu que os Agricultores Familiares modernizassem suas propriedades, adquirindo máquinas e implementos agrícolas a juros baixos e prazos longos, aumentando com isso a produção e melhorando em muito as condições de trabalho no campo. Mais de 50 mil tratores foram adquiridos pelos agricultores depois da criação do programa em 2008.

Tudo isso tem nome e autor: o nome é mobilidade social e diminuição da desigualdade; os autores foram os governos Lula e Dilma. E é com isso que eles estão tentando acabar. As conseqüências, mais cedo ou mais tarde, todos iremos sofrer: alimentos mais caros e menos saudáveis, degradação ambiental e êxodo rural deteriorando a qualidade de vida no campo e nas cidades.

Extinguir o MDA no primeiro dia diz muito do caráter e das pretensões dos golpistas. A crueldade, o sadismo e o sentimento de impunidade costumam sempre andar juntos. Até que o povo os derrote.