Fala de Lula contra Moro não se trata de vingança, mas de justiça. Por Luis F. Miguel

Atualizado em 23 de março de 2023 às 8:18
Presidente Lula concede entrevista à TV 247. (Foto: Ricardo Stuckert)

A fala de Lula à TV 247 e a ação policial contra o PCC alimentam a gritaria da extrema-direita. O ex-juiz se vitimiza. Mas o caso é sobre abuso de poder judicial, de um lado, e a responsabilidade dos governantes, do outro.

Relembrando o período que passou na cadeia, vítima da perseguição judicial de que Sérgio Moro foi artífice, o presidente Lula falou que, na época, expressava que só estaria bem quando “fodesse” o então astro da Lava Jato.

Um desabafo compreensível, dadas as circunstâncias. Mas que, nesses últimos dias, tem sido utilizado em muitas narrativas da extrema-direita, que criticam não apenas o linguajar do presidente, mas também o suposto “desejo de vingança” que marcaria sua volta ao poder.

É óbvio que a indignação de alguém preso injustamente se expressa com veemência – e que não se trata de vingança, mas de justiça. Como escreveu o jornalista Bruno Boghossian, da Folha, “Lula tem o direito de criticar os abusos da Lava Jato, mas deve saber que não é o único no ringue e que alguns golpes são dados abaixo da linha da cintura”.

Ao falar tão candidamente sobre seus sentimentos quando estava preso, Lula foi humano – mas (citando novamente Boghossian) deu um “presente ao campo rival”.

Lula. Foto. Reprodução

A situação só piorou graças a uma coincidência: a prisão de integrantes do grupo criminoso Primeiro Comando da Capital, que tinham um plano de ataque a autoridades, entre elas o ex-juiz Sérgio Moro. De forma desonesta, como de costume, a extrema-direita tem ligado as duas coisas. Um deputado bolsonarista inventou simplesmente que a fala de Lula era uma espécie de “senha” para o PCC entrar em ação.

E Moro, também de forma previsível, faz uso mesquinho do caso – em vez de ter a atitude digna de agradecer à Polícia Federal e ao governo pela ação eficaz.

Porque também se trata disso: o poder público agiu de maneira rápida e eficiente, na defesa da integridade física das possíveis vítimas – não importa que uma delas fosse um ex-juiz patife e desafeto do presidente ou que se esperasse que a operação fosse, como de fato está sendo, explorada pela oposição.

Isso é o que se espera de um governo republicano, na acepção correta do termo. Lula bobeou na entrevista, um pecadilho que, em circunstâncias normais não teria maiores consequências. A PF cumpriu seu papel e mostrou uma boa faceta do governo. O resto é marola e fake news.

Participe de nosso grupo no WhatsApp, clicando neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link
Luís Felipe Miguel
Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Demodê - Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades.