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O pesquisador italiano e professor no Brasil Paolo Demuru – Foto: Reprodução

O pesquisador italiano e professor no Brasil Paolo Demuru comentou, em entrevista à BBC, sobre como a extrema direita no Brasil e no mundo tem sequestrado pautas relacionadas ao trabalho e ao desejo popular. Segundo Demuru, a direita radical é altamente eficaz no que ele descreve como a criação de “fantasias conspiratórias”, estratégias que contribuem para sua ascensão ao apelo popular e político.

Você fala que as fantasias proporcionam um transe coletivo. Tradicionalmente, esse encantamento coletivo, esse senso de comunidade são coisas que você pode encontrar justamente no jogo, no futebol, na religião, nos mitos, no misticismo. Por que especificamente agora isso se voltou para a política?

As redes sociais são o grande universo do eu, do individualismo. Ao mesmo tempo, o sistema capitalista nos confina em vidas individuais, onde a gente passa muito tempo em frente de telas, onde muito da experiência do dia a dia é intermediada pela tela.

Portanto, há uma necessidade que já existia e era sublimada por outras práticas sociais, mas que agora desembocou no campo da política.

A partir dos anos 2010, após o movimento de explosão de grupos progressistas, tudo isso desembocou num processo de captura da experiência coletiva física por parte da extrema direita, que entendeu que estava faltando algo nesse sentido, que as pessoas estavam talvez cada vez mais sozinhas.

E a direita conseguiu costurar isso, mas sempre dentro — e o [candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo] Pablo Marçal, nesse sentido, é talvez o maior expoente — em uma coletividade onde o que importa não é tanto o coletivo, mas a pessoa dentro desse coletivo.

Pessoas que vão enriquecer individualmente. No discurso da extrema direita existe uma aura, uma aparência de coletividade que construíram, mas ainda tem uma predominância do indivíduo.

Sobre o futebol, eu tenho outra hipótese: que no Brasil após a Copa de 2014, após o 7 a 1 [referência ao jogo no qual o Brasil perdeu de 7 a 1 para a Alemanha], aquela derrota, aquele trauma nacional coincidiu com o fim do mensalão, o começo da Lava Jato.

A minha hipótese é que aquelas paixões, aquele sentido de coletividade nacional, de transe, o desejo de pertencimento, dessas paixões que não se consegue nomear, as físicas mesmo, de pele, de entrega… Todas essas necessidades que não foram sublimadas no campo do futebol acabaram desembocando no campo da política.

A extrema direita entende isso muito bem e usa palavras certeiras: mito, capitão, usa a camisa da seleção. Tanto que nos jornais, na época do impeachment, a linguagem jornalística usava metáforas futebolísticas.

Não é coincidência que a camisa do Brasil foi cooptada como um grande símbolo. Mas é claro que a gente está falando em termos hipotéticos, mais ensaísticos, porque não tem como comprovar isso.(…)

(…)Você fala que para criar esse encantamento é preciso se esquivar da negatividade. Mas isso não pode cair na platitude, no otimismo vazio, na positividade tóxica? Como falar em encantamento em um mundo com tantos problemas?

Essa é uma observação muito pertinente. É um ponto crucial que pensei enquanto estava escrevendo: será que isso vai ser interpretado nesse sentido? Bom, eu não tenho respostas muito detalhadas nesse momento, mas talvez alguns caminhos que eu posso indicar.

Sobre a negatividade, tem a ver com não apenas falar contra as fantasias conspiratórias, mas mostrar o que você é a favor.

Teve um vereador no Rio, o Henrique Azevedo (PSOL) que teve sucesso nisso, fazendo uma campanha contra a jornada 6×1 [seis dias de trabalho, um de folga]. Falando coisas simples, sabe, “eu quero ter tempo de levar minha namorada no cinema e não consigo porque trabalho demais”.

Acho que o [candidato a prefeito de São Paulo Guilherme] Boulos também está tentando fazer isso nessa campanha.

Eu ia perguntar como você avalia as campanhas na corrida eleitoral em São Paulo.

Acho que o Boulos tem se dado bem nisso, em construir esse universo propositivo de uma outra cidade possível. Mas é claro que você também precisa lidar com o seu adversário.

Você não pode dar palco demais, mas também não adianta ignorar. O [ministro da Fazenda Fernando] Haddad disse isso recentemente em uma entrevista: a esquerda precisa voltar a falar do sonho.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad – Foto: Sérgio Lima/Poder360

E isso vale não apenas para o campo progressista à esquerda, para candidatos específicos. Vale para instituições que trabalham contra desinformação, que trabalham pela defesa da democracia, do meio ambiente, contra as mudanças climáticas, para que o mundo continue existindo basicamente.

O que traz encantamento também é mostrar como o sonho se traduz em uma pauta concreta. A gente precisa, sim, das grandes pautas, dos grandes sonhos, mas isso precisa estar ancorado no nosso dia a dia.

Então, quando se fala em ambiente e mudanças climáticas, por exemplo, tem a questão muito concreta do apagão em São Paulo. Eu não quero ficar sem energia elétrica. Eu quero que cuidem das árvores e enterrem os fios. Isso é muito concreto, muito próximo.(…)

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