Família Bolsonaro abusa do teatro na política, com discurso golpista que não pode ser tolerado. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 31 de outubro de 2019 às 19:17
Eduardo Bolsonaro

Eduardo Bolsonaro defendeu o AI-5 como forma de proteger o governo do seu pai. “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta, e uma resposta pode ser via um novo AI-5”, disse, na entrevista ao programa de Leda Nagle no YouTube..

Com a declaração, Eduardo conseguiu o que queria: protegeu o governo do seu pai não da hipotética radicalização da esquerda, mas do escândalo que foi a associação do nome de Bolsonaro à investigação sobre a morte de Marielle Franco.

Nesta tarde de quinta-feira, quase ninguém mais fala do porteiro do condomínio de Bolsonaro, mas da fala do Eduardo Bolsonaro. Bolsonaro, o pai, foi questionado sobre o caso — “está sonhando”, disse. O general Heleno, do GSI, também: “Ele tem de estudar como fazer”.

Os partidos de oposição, corretamente, articularam denúncia ao STF, por apologia ao crime, e também ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, por defender a violação a princípios constitucionais.

Mas é preciso ter em mente que a família Bolsonaro abusa do teatro na política para chamar a atenção para si ou desviar a atenção de algum fato comprometedor.

No início da semana, quando os áudios de Queiroz constrangiam a família, Carlos postou o vídeo infame das hienas atacando o leão. Na montagem, o STF era apresentado como uma das hienas, ao lado da OAB, imprensa e partidos políticos.

Era a escola Bolsonaro em ação, escola que teve seu apogeu no final da década de 90, quando Bolsonaro defendeu o fechamento do Congresso Nacional e o fuzilamento do então presidente, Fernando Henrique Cardoso.

Naquele caso, queria chamar a atenção.

Em 2013, ao entrevistá-lo para seu programa da Globo, Jô Soares cobrou Bolsonaro por frases como estas. Bolsonaro riu e explicou que sua ameaça de quinze anos antes era de mentirinha:

“Se eu não peço o fuzilamento do Fernando Henrique Cardoso, você não estaria me entrevistando agora”, disse Bolsonaro, entre gargalhadas.

A irresponsabilidade de Bolsonaro já foi vista como algo inofensivo. Ele falaria uma coisa, mas faria outra. Recentemente, Ciro Gomes, por exemplo, considerou que o chefe do clã não é uma ameaça à democracia. Errado.

É sim.

Falas desse tipo produzem efeitos na base do bolsonarismo que não são controladas. Ontem mesmo, manifestantes pararam o carro do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, para chamá-lo de hiena, um eco do vídeo postado segunda-feira por Carlos Bolsonaro.

Hoje, Eduardo fez questão de divulgar sua fala sobre o AI-5 e, com a repercussão, insistiu no caminho do endurecimento do regime.

Não sei é exatamente isso o que deseja — possivelmente não, até porque foi na democracia que sua família se deu bem, e enriqueceu, ocupando múltiplas funções no parlamento.

Mas ele sabe que faz barulho, e ganha as redes sociais, onde a malta é alimentada com o discurso de ódio à democracia. É onde mora o perigo, é a semente de um regime autocrático.

Depois que a falas desse tipo ganham as redes, Eduardo pode até recuar. Dizer que não era bem isso. Eventualmente, pede desculpas, como fez há pouco, depois que o AI-5 já estava na boca do seu povo.

Como Bolsonaro fez no programa do Jô, ele pode até gargalhar. Mas, para quem tem compromisso com a democracia, a tolerância deve ser zero.