
Uma coisa assustadora sobre o racismo à brasileira — aquele cruelmente velado e, por isso mesmo, difícil de identificar e combater — é que, nele, as pessoas negras são oprimidas em todas as camadas de suas vidas.
Não é só o corpo preto que é atacado: é a cultura preta, a religião preta, a própria narrativa de uma negritude em constante conscientização do racismo ao qual resiste.
Pensei nisso ao ler que a família Gil está processando o padre Danilo Cezar, que debochou da morte da cantora Preta Gil, vítima de um câncer.
O homem, que se diz cristão como quase todo canalha, vive de zombar das religiões de matriz africana em seus sermões duvidosos, recheados de ódio e preconceito disfarçados de “crença”.
Ele chegou a dizer: “Gilberto Gil fez uma oração aos orixás. Cadê o poder desses orixás, que não ressuscitou Preta Gil?”
Amigo, com licença: quantas pessoas o cristianismo ressuscitou nessa nossa breve existência na Terra?
Para além da ignorância evidente — sobre a vida, sobre a morte e sobre aquilo que o baiano Gil chama de “mistério” — existe um ódio genuíno, ancorado em preconceitos e na demonização da fé alheia.
Isso escancara muita coisa: a intolerância religiosa como ferramenta do cristianismo institucional, a falsa espiritualidade que grande parte de padres e pastores constrói para explorar os pobres e, sobretudo, o ódio aos negros e a tudo que lhes diz respeito.
Evidente que não se trata de um caso isolado, e sim de um sintoma do racismo à brasileira, que ataca sistematicamente tudo o que as pessoas negras entendem como identidade, cultura e crença — como uma recolonização pós-moderna.
O padre Danilo Cezar não é exceção: é só mais um cristão fazendo merda.
Aos tantos mercadores da fé que odeiam os orixás por ignorância, racismo e certa crueldade: que sejam expostos, constrangidos e responsabilizados.
Ao processar esse padre, a família Gil honra os orixás, honra as religiões de matriz africana, honra o povo negro, honra a Bahia preta — como chama Caetano.
Obrigada por mais essa.