Fanático religioso, histriônico, corrupto: quem é “Macho” Camacho, empresário que encabeça o golpe na Bolívia

Atualizado em 11 de novembro de 2019 às 7:34
Camacho (centro) diante de uma Bíblia no Palácio Quemado, sede do governo em La Paz

Publicado no Nodal

POR MARIELA FRANZOSI

A oposição mais virulenta ao governo de Evo Morales na Bolívia está incorporada em um homem que eles chamam de “El Macho”.

Luis Fernando Camacho Vaca é um advogado de Santa Cruz, 40 anos, casado e com três filhos. Ele vem de uma família rica da região e entrou no cenário internacional nas últimas semanas porque se colocou à frente do que ele chama de “processo de recuperação da democracia”.

No entanto, Camacho constrói essa idéia de democracia em paralelo à institucionalidade boliviana: sem ser candidato a qualquer cargo, começou com esse “processo” após a instalação, antes de 20 de outubro passado, quando Morales obteve a maioria dos votos, da possibilidade de fraude eleitoral.

Dentro do Movimento ao Socialismo (MAS), partido oficial, ele é acusado de manipular os fios do golpe de estado para derrubar Evo Morales, que espera validar seu quarto mandato consecutivo depois de perder um referendo a ser reeleito em 2016, mas posteriormente autorizado pelo Tribunal Constitucional por meio de uma decisão de que o atual presidente pode continuar buscando a reeleição indefinidamente, alegando que fazia parte de seus “direitos políticos”.

A história do “macho”

Ele nasceu e cresceu em Santa Cruz, uma das áreas mais ricas e poderosas da Bolívia e o departamento em que historicamente vive a maioria da população branca de descendência européia do país.

Após se formar advogado na Universidade Privada de Santa Cruz de la Sierra, concluiu estudos de pós-graduação na Universidade de Barcelona, ​​onde fez mestrado em Direito Financeiro e Tributário.

Seu ativismo começou aos 23 anos como vice-presidente da organização cívica União Juvenil Cruceñista, que embora se defina como “cívica”, foi descrita pela Federação Internacional de Direitos Humanos como “uma espécie de grupo paramilitar” que realiza atos de racismo e discriminação contra habitantes e instituições indígenas da região.

Já em 2015, ingressou no Comitê Cívico Pro Santa Cruz – onde seu pai era presidente entre 1981 e 1983 -, primeiro como segundo vice-presidente e depois como primeiro vice-presidente.

Desde fevereiro de 2019, Luis Fernando Camacho preside a organização que reúne empresas, bairros e entidades trabalhistas da região, onde se encontra a maior parte da oposição ao processo de transformação liderado por Evo Morales desde que se tornou presidente em 2006.

O apelido de “macho” ele ganhou justamente por causa da “coragem” com a qual lidera a campanha contra Morales, a quem acusa de “tirano” e “ditador”.

Ao lado de sua vida pública, Camacho é professor universitário e empresário, e com sua família faz parte do Grupo Empresarial de Inversiones Nacional Vida S.A..

As empresas pertencentes a esta corporação operam na área de seguros, gás e serviços. Há rumores de que uma das principais causas de sua amarga oposição ao governo de Morales se deve a milhões de dívidas e perdas relacionadas ao negócio de gás em Santa Cruz.

Por outro lado, ele está envolvido nos Panama Papers com base na criação de três empresas (Medis Overseas Corp., Navi International Holding e Positive Real Estates) para “ajudar pessoas e empresas a esconder suas fortunas em entidades offshore, lavagem de dinheiro e estabelecimento de esquemas de evasão fiscal”, diz um jornal boliviano.

Sua posição sobre isso é negar os fatos e denunciar uma suposta perseguição.

Sua cruzada contra Morales

Histriônico e arrogante, com uma oratória exacerbada e uma imagem associada aos ricos brancos do país (que legitima da sua origem burguesa de Santa Cruz), mantém sua popularidade apelando ao número de pessoas que convoca e à proximidade que afirma ter com seus seguidores.

A construção de sua figura em contraste com a origem humilde, camponesa e indígena do Presidente Morales é muito evidente. E, embora se esforce para garantir repetidas vezes que não expressa uma mensagem racista, alguns eventos provam o contrário, como aconteceu durante a marcha das mulheres na quinta-feira, 7 de novembro, em Cochabamba.

Em linha com outros representantes da nova direita regional, como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, Camacho lida com um discurso com uma forte âncora religiosa.

Em cada uma de suas aparições públicas e através das redes sociais, ele incentiva a oração e proclama sua fé em Deus.

Convoca as manifestações no Cristo Redentor e garante uma imagem da Virgem ao seu lado enquanto discursa ao público.

Ele insiste em cada uma de suas mensagens com a necessidade de levar “a Bíblia” de volta ao palácio do governo boliviano, que, segundo ele, foi eliminada pelo MAS.

Isso lhe permitiu alinhar atrás de si todas as forças de direitos clericais e anti-bolivianas, que tiveram expressões homofóbicas e misóginas variadas durante a campanha eleitoral e que procuram criminalizar a homossexualidade e continuam a penalizar o direito ao aborto.

Através das redes sociais e da espetacularização de suas demandas, Camacho ignorou imediatamente o resultado das eleições passadas, convocou um protesto na prefeitura de Santa Cruz e, por meio de votação por aclamação, deu a Morales um prazo de 48 horas para para apresentar sua renúncia.

Paralelamente, se autoproclamou à frente da “unidade” da oposição, obscurecendo até a figura de Carlos Diego de Mesa Gisbert, candidato da coalizão da Comunidade Cidadã que foi o segundo nas eleições de 20 de outubro.

Ele também pediu greve por tempo indefinido e desobediência civil até alcançar o objetivo que havia estabelecido: a renúncia de Evo Morales.

Depois de 48 horas e diante da falta de resposta de Morales, Camacho convocou um novo conselho e emitiu uma carta na qual ele próprio escreve os termos da renúncia do presidente boliviano.

O objetivo final

“El Macho” nem sequer está interessado no que a missão da OEA que está auditando os resultados das eleições tem a dizer.

Ele já se manifestou em sua conta no Twitter contra Mesa, acusando-o de ser forçado a apoiar a auditoria internacional, embora mais tarde tenha excluído a mensagem.

Camacho quer convocar novas eleições nas quais Evo Morales não esteja presente. Com um discurso que, apesar de tentar associá-lo à “paz e unidade do povo boliviano”, acaba carregado de racismo, ódio de classe e provocação.

O que ele sonha é com um golpe de estado.