Faz sentido proibir os funkeiros pré-adolescentes que cantam sobre sexo?

Atualizado em 28 de março de 2015 às 9:48
MC Brinquedo
MC Brinquedo

A nova moda do funk são MCs pré-adolescentes cantando sobre sexo.

MC Brinquedo tem 13 anos e diz em suas letras coisas como “Tá com medo da minha pica, relaxa que eu meto o dedo”. MC Pedrinho tem 12 e o Ministério Público tenta proibi-lo de divulgar o seu trabalho.

O promotor de Justiça Luciano Tonet argumenta que a obra do pré-adolescente é de “nítida conotação sexual, alto teor de erotismo, pornografia, baixo calão e todo tipo de vulgaridade, incompatíveis com a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.

MC Brinquedo e MC Pedrinho nasceram e crescem em favelas onde o Estado quase nunca aparece, e quando chega o que mais causa é tiroteio, mas que agora parece bastante preocupado.

Principalmente em não deixar que o que já existe na favela há muito tempo consiga chegar via internet ao “asfalto” (como são chamados os bairros com saneamento básico, calçamento e em que a polícia atira menos). Como chegaram Valesca Popozuda, Tati Quebra-Barraco, Mr. Catra… antes do funk ser engolido pela indústria cultural e transformado em coisas como Anitta.

Porém isso parece uma missão inglória, pois MC Brinquedo, MC Pedrinho e outros artistas mirins de funk “proibidão” já contam com milhões de seguidores nas redes sociais, milhões que sonham em ser como eles. Como censurar a todos o acesso à internet e a uma filmadora? É o suficiente para gravar e divulgar “todo tipo de vulgaridade…”

Mas acredito que essa seja uma pergunta retórica, e que isso é evidentemente impossível, só que a Justiça age nesse caso por clamor popular e não pela Lógica. E músicas como “Vem Periquita” e “Planeta da Putaria”, cantadas por uma criança, aterrorizam muita gente.

O sexo é o maior tabu para as crianças e adolescentes em muitas culturas. No Brasil contemporâneo, colégios religiosos ou apenas conservadores em geral ainda evitam toda forma de abordar o tema, e apenas recentemente passamos a discutir coisas como se uma criança que não se enquadra no modelo binário de gêneros pode ou não utilizar o banheiro com o qual mais se identifica. Se o uso de preservativos deve ser ensinado nas escolas.

Parece que ainda tentamos manter as crianças em padrões arbitrariamente definidos que não mais se sustentam, seja por tradição ou crenças religiosas. Numa espécie de inocência imaculada, mesmo sabendo que isso já não é mais possível.

MC Pedrinho e MC Brinquedo têm a voz infantil e cantam o sexo em detalhes que não deixam dúvidas: eles sabem muito bem do que falam. Se não por experiência própria, ao menos por acesso mais do que suficiente a conteúdos pornográficos, que gerações passadas não tiveram acesso tão fácil.

Som, imagem, informação e curiosidade que os pais podem tentar bloquear, mas que na era digital quase nunca conseguem, e a agenda conservadora cobra então uma medida dos poderes públicos. Que por ignorância, política ou ambos, tentam medidas como proibir garotxs de cantar sobre vaginas, pênis e prazeres descobertos.

Imagino a lista de proibições encaminhadas pela Justiça à MC Pedrinho e o vejo como o Chico Buarque da nova geração. Imagino o centro de análise para censura de suas letras discutindo se “Boquinha de Aparelho” tem ou não conotação sexual, numa peça de tragicomédia ou de farsa. Imagino se MC Pedrinho ou MC Brinquedo fossem gays.

Muitos os vêem como um incentivo à pedofilia, como se a culpa pelo estupro fosse da vítima. E há quem defenda até a prisão dessas crianças, via uma mudança na lei da maioridade penal, já que ao menos reconhecem que é virtualmente impossível impedi-las em liberdade de cantar sobre o que bem entenderem. Outros preferem a morte dos produtores desses fenômenos, sejam eles identificados como pais que não souberam educar, corruptos que roubam da educação, ou adultos maus em geral.

É como se solicitassem, mas na verdade parece mais uma tentativa de obrigar esses artistas – e seus milhares ou milhões de fãs da mesma idade – a esquecer o que já sabem. Obrigar que ajam como as crianças que gostaríamos que fossem, mesmo sabendo que elas não são e já não podem mais ser. Ou que se já estão “corrompidas”, que ao menos não “corrompam” outras.

O nível de ódio e a frequência de comentários do tipo em notícias relacionadas ao tema abre vastos campos de pesquisa antropológica, jurídica, social, filosófica, tanto quanto o sucesso alcançado por esses cantores tão jovens, ou estratégias para lidar com eles. Censurá-los é a resposta mais fácil e mais absurda.