Feliz 2001 pra você também, Caetano. Por Paula Vianna

Atualizado em 20 de dezembro de 2020 às 19:09

 

Crédito: Reprodução/Youtube

“Mas hoje, apesar dos pesares, sinto o ganho de uma geração ou duas que tornaram isso possível. É possível discutir desigualdade mesmo com a popularidade alta de um presidente fascista”

Quantos anos foram necessários para desafiar a onipotência do Rei Roberto Carlos sobre o Natal dos brasileiros transmitido pela TV Globo? Sim, amamos o Rei, mas suspeito que a gente discorde do Brasil que ele passou a representar: insensível para o que acontece além dos lençóis da zona sul carioca.

Caetano Veloso, 78 anos e a segurança de que hoje o subversivo, exilado por dois anos em Londres na ditadura militar, pode abrir um especial de Natal falando sobre desigualdade social. E mais, declarar seu romantismo dos que não se calam diante da exclusão.

Em sua live de Natal, realizada no último sábado (19), Caetano veio embalado na mais legítima tradição brasileira para essa data. “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel. Papai Noel com certeza já morreu”. Assis Valente, 1932.  Repito, 1932.

Se você está aqui lendo esse meu texto emocionado, provavelmente entendeu os versos dessa canção de Natal como Caetano e eu. Essa música sempre me entristeceu.

Mas hoje, apesar dos pesares, sinto o ganho de uma geração ou duas que tornaram isso possível. É possível discutir desigualdade mesmo com a popularidade alta de um presidente fascista. Cerca de 1 milhão de brasileiros assistiram à live de Caetano. Um público significativo para uma ocasião significativa e precisa no que tem a dizer.

Nada diz mais sobre a nossa terra e o apego que temos ao nosso lugar e nosso espaço do que Terra. “Um índio descerá de uma estrela colorida” é passado e futuro. “Gente ê pra brilhar e não morrer de fome” é nossa tarefa como ser humano. Responsável por si e pelos outros.

Imagina se a covid levasse Caetano aos 78 anos em pleno vigor e talento pra lutar por um mundo melhor? Levou Aldir Blanc, nosso ícone da resistência quando muitos de nós ainda nem eram nascidos. E outras 186 mil pessoas, com suas famílias, histórias e tradições de Natal.

Caetano, hoje, conversou com gerações, com um olhar brilhante para o futuro.

Mostrou que chega de não reclamar do que existe. Caetano,  Paula Lavigne, “carioca de luz própria”, filhos e movido pelo amor aos netos, mostrou que se você está vivo e lúcido neste momento que atravessamos, precisa se comprometer sem meio termo com a resistência ao genocídio da maioria da população. Pobres, quase todos pretos.

Caetano despediu-se nos desejando feliz 2001, sim, mas sua voz foi muito além. Nos fez sonhar, como na linda canção composta e interpretada para a irmã Bethânia, com “chuva de arroz, trigo e milho” para todos.

 

Paula Vianna, 48, é jornalista cultural