Fetiche do equilíbrio fiscal da grande imprensa é falsa impressão de consenso. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 21 de abril de 2021 às 10:59
Economia. Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil/Agência Brasil

Publicado originalmente no Facebook do autor:

Por Luis Felipe Miguel

Um dos principais males que a grande imprensa causa à democracia é o estreitamento do debate econômico.

Dos “especialistas” ouvidos por jornais e telejornais aos comentaristas fixos, o que se vê é – com raríssimas exceções – a replicação de uma mesma posição, caracterizada pela naturalização do funcionamento do mercado, pelo fetiche do “equilíbrio fiscal” (a eterna analogia com a dona de casa) e por versões menos ou mais abertas da teoria do trickle down (o bom é os ricos ficarem cada vez mais ricos, porque a riqueza escorrerá de cima para baixo).

Cria-se uma falsa impressão de consenso – quando, na verdade, o debate é muito vivo e, muitas vezes, o único consenso, entre os cientistas econômicos respeitáveis, é contra as ideias que a mídia promove.

É uma visão da economia que se esforça ao máximo para desvinculá-la da vida das pessoas reais – daí a naturalidade com que empresários ou jornalistas opõem “CNPJs” a “CPFs”. E, sobretudo, a crença absoluta em dogmas invulneráveis à experiência, que devem ser protegidos mesmo quando todo mundo já está vendo que eles nos conduzem à catástrofe.

Há economistas competentes que se dispõem a ser porta-vozes desta doutrina e assim se tornam estrelas na mídia. Há muitos outros bem menos competentes. Há os completamente incompetentes, mas que aprenderam a repetir a ladainha e também garantem seu espaço.

E há o herdeiro Helio Beltrão, que inacreditavelmente é titular de uma coluna semanal na Folha, na qual perpetra as maiores sandices.

Hoje, ele se dedica a postular que a Escola Austríaca – a corrente ultraliberal estreitamente associada ao fascismo e aos seus arredores, de Mussolini a Pinochet e a Bolsonaro – pratica uma ciência econômica “livre de juízo de valor”, guiada exclusivamente pelos fatos!

Nem é preciso discutir a epistemologia primária do dublê de comentarista econômico e playboy faisandé. Basta perguntar em que “fatos” ele sustenta seu apoio às políticas genocidas de Guedes e Bolsonaro.

Dar uma coluna a Beltrão no caderno de economia é como dar espaço fixo para um terraplanista no caderno de ciências. Não informa o público e não acrescenta ao debate. Tenho a impressão que o objetivo da Folha, ao mantê-lo, é fazer com que, por contraste, o Samuel Pessôa pareça “ponderado” e “razoável”.