Publicado no Tijolaço.
POR PAULO MOREIRA LEITE
A nota divulgada por Fernando Henrique Cardoso merece atenção de toda pessoa atenta aos rumos da crise política.
Não sei se é apenas um blefe. Quem sabe uma tentativa de embrulhar as reformas — em particular da Previdência — em nova embalagem, agora que a batalha promete ser muito mais difícil, quem sabe impossível.
Ou se não passa de uma clássica manobra diversionista, destinada a desmobilizar lideranças do movimento popular que têm conduzido uma luta impecável em busca de uma saída democrática para um impasse que se prolonga desde o golpe contra Dilma.
Em minha modesta opinião, o movimento de FHC sugere um lance frequente nas grandes mudanças políticas. A conjuntura do país mudou. A de Fernando Henrique também.
Mesmo dizendo que no passado Michel Temer representou uma solução legítima — o que é absurdo — Fernando Henrique reconhece o risco que o país enfrenta hoje, diante do desastre que o atual governo se transformou.
Deixa claro que o presidente deve cair fora e sugere a renúncia como o caminho menos traumático para tirar o país do abismo.
Não é um grito de Fora Temer que muitos de nós estamos habituados a ouvir. Bem ao estilo de nossa história política, FHC quer uma saída que evite a explosão popular.
É nessa condição, coerente com as forças que representa, que ele aponta a tendência dominante:
“não havendo aceitação generalizada de sua validade (dogoverno Temer), ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais, ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto.”
A equação é simples: ou Temer renuncia ou será derrubado pelas ruas.
Numa frase de quem reconhece o fracasso da articulação que levou Temer ao Planalto, ele se refere à expressão-símbolo do governo, que ele próprio inventou — pinguela — para esclarecer: “Preferiria atravessar a pinguela, mas se ela continuar quebrando será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular.”
Não é possível desenhar o futuro de um país com base numa nota de poucos parágrafos.
Há menos de uma semana, o PSDB, partido que FHC fundou, no qual segue a principal referência, perdeu uma excelente oportunidade para abandonar o governo Temer.
Agora, num dado que expressa a evolução dos acontecimentos, admite que pode ser melhor “devolver a legitimação da ordem à soberania popular.”
Não é pouca coisa, quando se avolumam tentativa de consolidar um estado de exceção, um golpe dentro do golpe, no qual Temer seria trocado por um clone — menos legítimo, menos representativo, mais fácil de manipular para cumprir a cartilha das reformas que a população rejeita. Um Erdogan tropical, quem sabe.
Por essa razão, o significado da reação de FHC é inegável.
Treze meses depois do golpe, aquele movimento social que produziu uma onda crescente de mobilizações e protestos desde o carnaval “Fora Temer” começa a ser ouvido pelo patamar superior da pirâmide. Conseguiu furar um bloqueio. Mostra que a relação de forças se modificou.
É hora de conversar. Não há concessão possível no plano das reformas estruturais que se tenta impor ao país.
Mas é certo que a reivindicação por diretas ganha nova atualidade. A Constituinte também. Mais do que nunca, é preciso defender Lula Presidente e denunciar os esforços para inviabilizar sua candidatura.
Os tempos andam em alta velocidade. A luta por uma saída democrática pode — eu disse pode — avançar por caminhos insuspeitos até aqui.
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