FHC disse a Moro não lembrar dos mimos que recebeu de empresários. Vamos refrescar sua memória. Por Miguel Enriquez

Atualizado em 13 de junho de 2018 às 0:41
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POR MIGUEL ENRIQUEZ

Moro resolveu acionar sua veia irônica durante a audiência desta segunda feira, 11, em que ouviu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como testemunha de defesa de Lula no processo que investiga o sítio de Atibaia. 

A certa altura do depoimento de FHC, que falava de sua atuação como palestrante depois de deixar a presidência, no início de 2003, o juiz da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba fez uma interpelação delicada.

“Senhor ex-presidente, desculpe lhe indagar isso, o senhor recebeu de uma maneira assim um pagamento por fora, reforma, alguma coisa assim?”, indagou Moro, numa referência às benfeitorias supostamente patrocinadas por algumas empreiteiras no sítio de Atibaia, cuja propriedade é atribuída a Lula

De pronto, FHC negou ter se beneficiado desse tipo de mimo, o que foi aceito sem qualquer contestação por parte de Moro.

De parte de FHC, prestes a completar 87 anos no dia 18 deste mês,  que alegou não se lembrar de sequer ter feito palestras para empreiteiras, é até razoável o esquecimento, a essa altura da vida.

No entanto, esse lapso de memória não significa que o grão tucano não tenha sido agraciado com favores especiais de empresários, fato amplamente conhecido pelos brasileiros razoavelmente informados, Moro entre eles.

É o caso, entre outros, do aeroporto construído pela empreiteira Camargo Corrêa, na vizinhança da fazenda Córrego da Ponte, no município mineiro de Buritis, mantida em sociedade com o homem forte de seu governo, o falecido Sérgio Motta, ministro das Comunicações.

Para refrescar a memória, vale a pena reproduzir um trecho de uma reportagem de 1999,  assinada pelo jornalista Mino Pedrosa, da IstoÉ (a mesma que agraciou Moro com o título de Brasileiro do Ano de 2017).

O presidente Fernando Henrique Cardoso tem um vizinho no município mineiro de Buritis que todo fazendeiro gostaria de ter. Em vez de avançar a cerca sobre a propriedade alheia, como de hábito no meio rural, a construtora Camargo Corrêa mantém sempre aberta a porteira que separa sua fazenda da gleba presidencial. Quem também mora por ali está acostumado a ver um intenso movimento entre as duas propriedades: pessoas saindo da fazenda Córrego da Ponte, de FHC, entrando na Pontezinha, da Camargo Corrêa, e voltando à Córrego da Ponte. A atração na Pontezinha é uma ampla pista de pouso que costuma receber mais aviões tripulados pela corte do presidente do que jatinhos de uma das maiores empresas do País. “Nunca vi avião nenhum da Camargo Corrêa pousando ali. Mas da família de Fernando Henrique não para de descer gente”, conta o fazendeiro Celito Kock, vizinho de ambos e atento observador do trânsito aéreo na região.

Segundo a revista, a pista particular tem 1300 metros de comprimento e 20 de largura, asfaltados numa grande área descampada.

Um estacionamento com capacidade para 20 pequenas aeronaves completa o aeródromo. Avaliada à época em R$ 600 mil, começou a ser construída no dia 1º de julho de 1995 (seis meses após a posse de FHC, em seu primeiro mandato) e foi concluída em 30 de setembro daquele ano.

E mais:

Apesar de ter os equipamentos necessários para a obra, a Camargo Corrêa encomendou o serviço à Tercon – Terraplanagem e Construções, numa autêntica troca de gentilezas. Meses antes, a Tercon havia conseguido um bom negócio ao ser contratada pela Camargo Corrêa para fazer a ampliação do Aeroporto Internacional de Brasília – empreitada que só terminou anos depois.

Coincidência?

A proximidade umbilical e generosa  com a Camargo Corrêa foi reafirmada no fim do segundo mandato de Fernando Henrique, em dezembro de 2002.

Luiz Nascimento, um dos controladores da empreiteira fundada por seu sogro, Sebastião Camargo, foi um dos convivas de um suntuoso jantar oferecido em pleno Palácio do Alvorada, residência oficial do presidente da República, a 12 dos maiores empresários brasileiros.

Além de Nascimento, também faziam parte desse seleto grupo  nomes como Emilio Odebrecht (Odebrecht), David Feffer, Lázaro Brandão (Bradesco), Benjamin Steinbruch (CSN) e Pedro Piva( Klabin), que puderam saborear o menu caprichado, assinado pela estrelada chef Roberta Sudbrack, que comandou por sete anos a cozinha do Alvorada-.

Na ocasião, em pleno mandato, FHC não titubeou em passar o chapéu em busca de R$ 7 milhões (cerca de R$ 17 milhões em dinheiro de hoje), cuja finalidade era bancar as atividades de seu instituto.

De acordo com a Época, “o dinheiro fará parte de um fundo que financiará palestras, cursos, viagens ao Exterior do futuro ex-presidente e servirá também para trazer ao Brasil convidados estrangeiros ilustres. O instituto seguirá o modelo da ONG criada pelo ex-presidente americano Bill Clinton.”

Detalhe: antes do ágape, articulado pelo amigão de sempre de FHC, o empresário Jovelino Mineiro, esses mesmos empresários já haviam contribuído para a aquisição da sede do Instituto, que ocupa um andar de 1 600 metros quadrados, no edifício Esplanada, no centro da capital paulista.

Jovelino, como se sabe, costuma ser apresentado como o dono do apartamento da avenida Foch, um dos endereços mais caros de Paris, ocupado por Fernando Henrique em suas estadas na Cidade Luz.

Há controvérsias:  segundo revelou ao repórter Joaquim de Carvalho, do DCM, a jornalista Miriam Dutra, ex-amante de FHC, este é que seria o verdadeiro proprietário do imóvel.

A capacidade de cativar amigos empresários é um dos pontos fortes do ex-presidente, um ativo inestimável em sua vida privada.

Prova disso é a compra, por um preço de pai para filho, do apartamento em que FHC reside, na Rua Rio de Janeiro, no bairro de Higienópolis, em São Paulo.

Com uma área de 450 metros quadrados, o apê foi vendido a FHC pelo banqueiro Edmundo Safdié, do extinto Banco Cidade, pela bagatela de R$ 1,1 milhão, preço considerado abaixo do valor de mercado pelos próprio moradores do prédio.”

“Mas também podia ser um agrado de Safdié, para se vangloriar de vender um imóvel para um ex-presidente”, escreveu o jornalista Luis Nassif.

O que é inegável é que Safdié, morto em 2016, era uma figura enrolada, operador de uma das lavanderias  mais ativas do setor financeiro.

Em 2006, tornou-se réu, acusado de lavagem de dinheiro do prefeito de São Paulo Celso Pitta. Seis anos depois, viu-se envolvido no propinoduto da Siemens, o trensalão, o cartel dos trens de São Paulo, superfaturados pelos governos tucanos.