Filha de preso político relata história de foto de interrogatório com Dilma. Por Sofia Lisboa

Atualizado em 1 de abril de 2021 às 16:43

 

Publicada originalmente pela pedagoga Sofia Lisboa, em seu twitter:

Conhecem essa famosa foto da Dilma? É no interrogatório na 4ª RM MG, em Juiz de Fora, em 1972. Sabem quem mais tá no banco dos réus com ela? Meu pai. +

Na época, estudante do Colégio Estadual de Minas Gerais, meu pai atuava no movimento estudantil secundarista junto de Dilma e de vários outros adolescente e jovens que se articulavam contra a ditadura militar. +

Alguns deles nós conhecemos nome e rosto. Eles seguiram na política e se tornaram relevantes nacionalmente. Outros, como meu pai, se não têm a família para manter a memória latente, caem no esquecimento. +

Meu pai contava com o apoio do meu tio, seu irmão mais velho. Estudante de medicina da UFMG, meu tio se juntou à Organização Revolucionária Marxista Política Operária (POLOP), assumindo a direção da organização por alguns anos. +

Meu tio foi taxado de terrorista e condenado à morte. Precisou viver 12 anos no exílio. Ele é o jovem da foto do canto superior esquerdo. +

Nessa foto, meu tio tinha acabado de voltar do exílio e reencontrar a família. Sim, ele é o barbudo no centro da foto haha Minha avózinha é a que ta na direita, carregando os pertences dele. +

Meu avó morreu antes da Anistia. Não viu o fim da ditadura militar nem o retorno do seu filho. Pai e filho não puderam se despedir um do outro e nunca mais se reencontraram. +

Com o exílio do meu tio, meu pai perdeu seu maior exemplo e apoio. Mas seguiu na luta. Não estava sozinho e sabia disso. Ele e Dilma também integravam a POLOP e contavam com seus camaradas. Daí aquela primeira foto. +

A primeira vez que meu pai foi preso, ele ainda era menor de idade. Foi preso diversas outras vezes. Teve a adolescência e a juventude marcadas pela solidão, pelo medo e pela tortura. +

Meu pai vem de uma família tradicionalmente cristã, mas foi se converter ao cristianismo na prisão. Encontrou seu conforto na fé. Tem quem o julgue por isso. Eu nunca julgarei alguém que foi torturado. +

O cristianismo de fato o afastou da militância porque sua fé migrou para um mundo diferente e melhor pós-morte, não ainda em vida. Mas ele não se arrepende de nada que fez e sabe que foi o correto. +

Em 2017, ele voltou no prédio da antiga Secretaria de Segurança (Belo Horizonte, MG) onde ele foi preso e interrogado sob tortura. Sobrevivente! +

Agora, uma pessoa que foi muito importante nessa história toda: minha avózinha. Se juntou às várias mães do país que se mobilizaram exigindo informações sobre o paradeiro de seus filhos, o direito de visitá-los e, claro, a soltura deles. +

Pra terminar essa thread, vou compartilhar com vocês uma carta que ela escreveu e foi publicada em alguns jornais em 1968:

Sou filha de pai que, ainda muito jovem, foi preso e torturado. Sobrinha de um tio que foi condenado à morte e exilado. Sobrinha de outros dez tios e tias que viveram anos de horror, que testemunharam a perseguição aos seus irmãos e o sofrimento profundo de seus pais. +

Sou neta de avô e avó que tiveram filhos tirados de seus braços e levados para prisões ou para fora do país. Que adoeceram com os sumiços, com a falta de notícias, com o pavor de machucarem ou assassinarem seus filhos. +

Que tiraram energias da sua fé, da crença em justiça e misericórdia, para fazer o possível e o impossível para protegerem seus filhos. Tudo isso em meio a uma vida de trabalho duro e a criação de seus outros dez filhos. +

Sou neta de avô que morreu antes de ver o fim da ditadura e antes de seu filho retornar do exílio. Neta de avó que, em meio ao terror, perdeu seu companheiro de vida. Me pergunto até hoje onde o luto coube em sua vida. +

Por isso, em reconhecimento e respeito à história da minha família: #DitaduraNncaMais #MemóriaVerdadeEJustiça

@mentionsnão sei se você se lembra… Ageu e Apolo Lisboa. Um beijo carinhoso! Te desejo muita força nesse dia.

Perdão, errei a tag e só percebi agora. #DitaduraNuncaMais