
A filósofa estadunidense Susan Neiman revelou surpresa com a repercussão global de seu livro “A Esquerda Não É Woke”, publicado em diversos idiomas. “Não sei por que estão interessados nele na Tailândia, no Líbano ou na Croácia”, afirmou à BBC News Mundo, destacando que o tema parece ser uma questão internacional.
Neiman, que dirige o Einstein Forum na Alemanha desde 2000, argumenta que ser de esquerda e ser woke são conceitos opostos. Segundo ela, a confusão entre esses termos teria favorecido a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016. Leia trechos da entrevista:
Por que você decidiu escrever um livro afirmando que a esquerda não é woke?
Porque eu andei conversando com amigos em vários países, e todos eles me diziam algo como: “Receio não ser mais de esquerda”… E mencionavam alguma declaração ou evento woke com o qual não se identificavam.
Era algo que sempre se repetia, e achei importante me aprofundar em por que muitos de nós temos essa impressão de que há algo errado com a esquerda.
O objetivo do livro é justamente analisar o que está enfraquecendo (a esquerda), por que as pessoas estão confusas.
[…]
Qual você acha que é a principal diferença entre ser de esquerda e ser woke?
A confusão acontece porque o woke é fortemente alimentado por elementos tradicionais da esquerda: “na dúvida, fique do lado dos oprimidos” é um deles.
Esse é um sentimento muito esquerdista, mas agora é comum tanto para a esquerda quanto para o woke.
[…]
Por exemplo, é de esquerda decidir que a diversidade é sempre o primeiro e mais importante mandamento, porque muita gente foi deixada de fora de posições de poder e influência por pertencer a minorias?
É uma questão que surge o tempo todo.
Minha forte sensação é que sim, a diversidade é um bem — mas não o bem supremo. E é um insulto às mulheres contratá-las só porque são mulheres, assim como é um insulto às pessoas não brancas presumir que, só porque não são brancas, elas têm uma espécie de autoridade.
[…]

Você diria que sua ideia de uma esquerda universalista se aplica apenas à Europa e aos EUA, ou também a regiões como a América Latina, onde há pessoas que se definem como esquerdistas e apoiam ou evitam condenar governos autoritários que também se dizem esquerdistas ou revolucionários?
Sei muito mais sobre a história dos EUA e da Europa do que sobre a América Latina, mas fiquei extremamente surpresa que o livro tenha sido lançado no Chile e no Brasil, e que tenha iniciado um grande debate.
São dois grandes países latino-americanos com governos socialistas, com pequenas maiorias, ameaçados pela direita.
E o que as pessoas que gostaram do livro me disseram é que era disso que elas precisavam, porque sentiam que Lula e Gabriel Boric, para poder formar coalizões, tinham que incluir coisas que pareciam woke demais para elas.
Por exemplo, em ambos os países, fiquei chocada com o fato de haver discussões sobre banheiros com base em gênero.
Achava que só os políticos republicanos da Carolina do Norte se preocupavam com esse tipo de coisa.
A maioria das pessoas, quando vai ao banheiro, fecha a porta. Quem se importa? É um tema inventado, mas que tem sido muito utilizado. Trump usou isso com muito sucesso.
[…]
A confusão que você aponta entre esquerda e woke é algo novo ou é produto de um processo histórico?
O que chamamos atualmente de woke é o que nos anos 1990 era chamado de politicamente correto.
O engraçado é que tenho idade suficiente para me lembrar de quando o politicamente correto era usado ironicamente por pessoas socialistas, mas antistalinistas, para zombar daqueles que pareciam rígidos demais.
Depois, foi tomado pela direita.
E é interessante que algo assim esteja acontecendo com o woke, um termo que começou a ser usado na década de 1930 por músicos de blues afro-americanos para denunciar o racismo, e não foi muito mais usado até Trump chegar ao poder.
De fato, não estava presente nas eleições americanas de 2016.
Acho que, de certa forma, isso se desenvolveu como resultado da geração que cresceu pensando que a presença de Obama era normal, que era normal ter alguém na Casa Branca que era muito inteligente e competente.
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