Fim de linha. Por Gilberto Maringoni

Atualizado em 22 de fevereiro de 2023 às 15:49
Jair Bolsonaro. Reprodução

Por Gilberto Maringoni

Palácio da Alvorada, fim de tarde/começo de noite quente e seco. O lusco fusco se filtra pelas vidraças e não encontra contraponto nas luzes internas, quase todas apagadas. Os dezesseis homens de meia idade, a maioria corpulenta, deixam seus carros de luxo com motoristas e seguranças do lado de fora e caminham por infindáveis salões vazios.

Algumas lâmpadas se acendem, graças a sensores, à medida que avançam até a sala de TV. Ao abrirem a porta, um personagem de calça moletom amassada, chinelo Rider e barba de três dias está estirado no sofá, diante de uma tela gigantesca sintonizada no programa do Datena. Parece sonolento e não presta atenção no rosário de crimes e escândalos repetidos de forma exaltada pelo apresentador. Um dos visitantes se adianta.

– Presidente…
– …
– Presidente! Presidente!
Em pé, alguns se entreolham intrigados.
– Presidente!
– O que é, porra, caralho?? Ah, é você, general…
– Presidente, a situação é muito grave. Não temos muito tempo…
O homem sentado esfrega o rosto, murmura algo inteligível.
– O que é, porra?
– Precisamos ter uma conversa muito séria. O país não vai aguentar…
– Talkey, talkey. Qual é a cuestão.
– Os que já saíram do alto comando mas seguem no governo estão chegando.
– Mas por que caralhos vocês não avisaram que vinham?
– Tentamos, presidente, tentamos. Mas o senhor não atendia o celular e nenhum dos funcionários do palácio respondia. A primeira dama sumiu…
– Mandei todos irem tomar no cu. Dispensei todo mundo hoje. Ligo a tevê e só se fala em Lula isso, Lula aquilo… Enfiem o Lula no cu!
– O vice tá vindo do aeroporto também.
– Esse é um vagabundo. Agora que virou senador, só viaja…
– Presidente, é sério, o país tá em pandarecos. Os bloqueios nas estradas estão minguando…
– Puta que o pariu, bando de frouxos! Eu mesmo falei que as manifestações tinham que continuar! Cadê o cara lá, da Polícia Rodoviária?
– Viajou, presidente.
– Viajou para onde? Para a buceta da mãe dele?
– Não, presidente, conseguiu aquela licença que o senhor sugeriu. Está na Espanha fazendo um curso, com medo de ir em cana…
– Imbecil! Cagão! Tem medo do careca! Esse precisa levar uma coça bem dada…
– Presidente, tínhamos 256 bloqueios no país todo logo depois da eleição. Nosso pessoal deu apoio, deu suporte. Agora só temos 16, em Santa Catarina, em Rondônia e no Mato Grosso… A turma cansou.
– Como cansou, caralho? Eu não falei para vocês ajudarem o pessoal do agro a mandar comida e todo tipo de suporte??
– Sim, presidente, mas não é fácil. Não podemos dar na vista…
– Tem comandante que não tem medo. Fala o que tem de ser falado na ordem do dia. Bota pra foder! Vocês são uns cagões!
– Não, presidente. Estamos treinando falar tudo por duplo sentido.
Nosso pessoal sabe o que queremos… Mas a turma das estradas tá extrapolando. Queimaram caminhão, detonaram adutora de água…
– Ué, mas isso não é bom?
Murmúrio. Chegam os auxiliares palacianos. O vice é aguardado com ansiedade. Outros pedem a palavra.
– Presidente…
– Fala, porra!
– É que não dá para a gente apoiar baderna. A Globo…
– Manda a Globo se foder… Eu tou fazendo a minha parte. O Valdemar deu um golpe de mestre: falou que 59% das urnas são fajutas. O Wasseff foi no acampamento em frente ao quartel de vocês…
– Presidente, desculpe… Xandão botou na bunda dele. Uma puta de uma multa, acusação de litigância de má fé… Esse se fodeu!
As vozes se misturam. Algaravia.
– Presidente, papo reto aqui! A questão é que Lula caminha para se diplomar e tomar posse. O Lira e o Pacheco roeram a corda de saída e reconheceram a vitória. O seu vice…
– O que que tem eu, porra?
– Na-nada, não general. O caso é que o Lula fez sucesso lá naquele troço do clima lá na Grécia, no Egito, sei lá. Todo mundo quer falar com o vagabundo…
– Vagabundo e meio. Ninguém mais me procura… Usurpador!
– Então, presidente. Bloqueio, queima de pneu, vigília em quartel, pedido de anulação das eleições, nada mais está funcionando…
– É verdade o que o colega disse. Precisamos fazer algo a mais para melar essa narrativa toda. Algo que provoque uma comoção social, que seja como uma bomba atômica no país!
– Oopa! No tocante a isso eu gosto, talkey?
– Vamos virar o jogo com algo que ninguém espera! Uma coisa vai paralisar Lula, a oposição, a Globo, o Itaú, todos os comunistas, mais o STF e o Xandão! Algo que os caras tenham de se explicar. Algo que chocará o mundo! Algo que faça a população ficar ao nosso lado e abra caminho para não entregarmos o poder! Coisa de segurança nacional, de Pátria em perigo! Algo grandioso, retumbante e incontestável!
– Sei, porra, mas precisa bolar o que é o tocante a isso…
– Presidente, nós estamos discutindo isso, sem dormir, há uma semana. Tá foda…
– E…?
– E bolamos um plano infalível. Uma porrada no mundo inteiro…
– Sei… E o Villas Boas tá sabendo?
– Já passou um tuíte…
– Então fala logo o que é, porra!
Os generais hesitam. Se entreolham tensos diante sala apagada e iluminada somente pela tela multicolorida do Datena em ação. Então, um que estava mais ao fundo, é chamado e se adianta, grave. Segura uma maleta com as duas mãos. Coloca a peça na mesa de centro e olha em volta. Diante do silêncio geral, destrava, abre a mala e retira o único objeto que havia em seu interior, uma pequena Glock G19 carregada. Com delicadeza a coloca no tampo de madeira. Em seguida, olha fixamente para o homem estirado no sofá e quase soletra em voz baixa e firme:
– Presidente, nós achamos que o senhor tem de se matar.

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