Fleury e capitão Guimarães: os “heróis” esquecidos por Miriam Leitão ao entrevistar o general Mourão. Por Sacramento

Atualizado em 11 de setembro de 2018 às 6:32
General Mourão na GloboNews (Foto: Reprodução)

Num dos momentos mais constrangedores do jornalismo recente, o candidato a vice-presidente de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, confirmou que considera seu herói o torturador da ditadora militar Carlos Alberto Brilhante Ustra.

“Heróis matam”, afirmou, diante dos questionamentos da jornalista Miriam Leitão. Ela própria vítima das torturas praticada pela ditadura venerada por Mourão.

A réplica de Miriam foi um silêncio desconfortante e a guinada para uma pergunta sobre a reforma da previdência.

Só a jornalista pode responder por que silenciou diante da defesa explícita a um torturador por parte de um postulante à vice-presidência da República. O mistério fica ainda maior porque o general abriu um flanco para ser atacado quando afirmou que seus “heróis não morreram de overdose”.

Bastaria ela lembrar do delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, que embora não tenha morrido de overdose colaborou com o tráfico de drogas.

Caçador de opositores ao regime e torturador do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), foi condecorado com a Medalha do Pacificador, honraria dada pelo Exército brasileiro em retribuição aos serviços prestados à instituição.

Tinha um pé na criminalidade legitimada pelos generais e outro fincado na delinquência ordinária. Com o mesmo empenho dedicado nas caçadas a “comunistas”, oferecia proteção a traficantes de entorpecentes.

Fleury lucrava com os tóxicos e gostava de dar umas cafungadas, segundo o ex-delegado Cláudio Guerra, integrante do DOPS no Espírito Santo.

“Fleury tinha se tornado um homem rico desviando dinheiro dos empresários que pagavam para sustentar as ações clandestinas do regime militar. Não obedecia mais a ninguém, agindo por conta própria. (…) Nessa época, o hábito de cheirar cocaína também já fazia parte de sua vida. Cansei de ver”, afirma Guerra, cuja colaboração com a ditadura é detalhada no livro “Memórias de uma guerra suja”, de Marcelo Netto (a propósito, ex-marido de Miriam Leitão) e Rogério Medeiros.

Outro “herói” da ditadura foi o capitão Aílton Guimarães Jorge, descrito por um superior como “espontâneo e dedicado”, que comanda diligências “como um verdadeiro e exemplar militar combatente.”

Como o colega Fleury, recebeu a Medalha do Pacificador e tinha apreço pelo dinheiro ilícito. Mancomunou-se no contrabando e saiu da caserna direto para o jogo do bicho no Rio de Janeiro, no qual cresceu na hierarquia e tornou-se um dos cabeças.

As façanhas desses dois “heróis” não estão escondidas nos porões da História. Longe disso, estão disponíveis para quem quiser ler na obra “A Ditadura Escancarada”, de Elio Gaspari. Impossível acreditar que os jornalistas da sabatina da Globo News não tivessem essas informações para disparar contra Mourão.

Resta saber por que foram tão complacentes com o general que defende o indefensável.