Folha contorce o discurso e os fatos em busca de viés negativo para doação de oxigênio da Venezuela

Atualizado em 16 de janeiro de 2021 às 19:04
O repórter Dhiego Maia sustenta sua tese com duas entrevistas com um casal de indígenas que nem tinham ouvido falar do assunto

Por Vinícius Segalla

 

Neste sábado (16), partiram da Venezuela os caminhões com cilindros de oxigênio fornecidos pelo país vizinho para reduzir o tamanho da tragédia que enfrenta Manaus, com pacientes do sistema de saúde morrendo por falta de ar nos leitos hospitalares. O governo de Nicolás Maduro ofereceu ainda enviar mais de 100 médicos ao Amazonas para auxiliar nos esforços.

É difícil encontrar um viés negativo para noticiar tais fatos, o que não impediu o jornal Folha de S.Paulo de tentar. Em reportagem publicada neste sábado (16), o periódico anunciou, em seu título: “Envio de oxigênio por Maduro causa espanto entre venezuelanos que vivem em Manaus”.

Se o leitor clica no link, nota que o primeiro venezuelano a figurar na reportagem surge no nono parágrafo do texto. O Manual de Redação da Folha determina que as informações anunciadas no título figurem já no primeiro parágrafo (chamado de lide) da reportagem. Ordena também que o primeiro parágrafo contenha apenas e todas as informações mais importantes da reportagem. Ao repórter, neste caso, não foi possível conciliar as duas regras.

Assim, o leitor que resistiu até o nono parágrafo, finalmente lê a notícia do título. O argumento dos venezuelanos ouvidos pelo jornal é o de que é espantosa a ajuda do governo venezuelano, já que eles tiveram que migrar de país exatamente porque o seu estaria na miséria. Sendo assim, como explicar que, agora, que a Venezuela esteja em condições de realizar doações?

Trata-se de um argumento repetido: é o que dizem dez em cada dez cubanos de Miami quando perguntados sobre as doações e ajudas internacionais protagonizadas por seu país de origem, que teria sido levado à miséria pelo regime castrista ao ponto de tê-los feito obrigados a abandonar sua querida pátria.

Trata-se de um argumento que desconhece as favelas e seus moradores. Desconhece que, quando parte de uma favela pega fogo, os donos dos barracos que sobram oferecem todo tipo de ajuda aos que ficaram sem casa: amontoa todo mundo em um cômodo só, põe mais água no feijão, toma aqui 10 reais que é o que posso dar para ajudar, é pouco mas é de coração.

A isso se chama empatia, solidariedade, humanidade. Não é preciso ser rico para senti-los e agir de acordo.

Quem chegou até o nono parágrafo do texto da Folha descobriu que o jornal, que escreveu que “venezuelanos se espantam”, estava, na realidade, se referindo a nada mais do que dois venezuelanos, ouvidos pela reportagem. Era um casal de indígenas, que ficou sabendo da história só quando o jornal contou, com suas palavras. Imediatamente após contar, a reportagem perguntou, “o que acha disso?”, obtendo a resposta que esperava.

Se a Folha entrevistou mais de duas pessoas para construir o título que construiu, ignorando os que eventualmente enalteceram a medida do governo Maduro, ou se simplesmente fez um jornalismo porco, usando como base duas pessoas para construir uma notícia sobre uma comunidade de literalmente milhões de imigrantes, jamais se saberá.

O que certamente se sabe é que, assim como a ovelha que vive abaixo do lobo no rio e ainda assim é culpada pela água suja que chega ao predador, a Venezuela pode esperar sentada por uma reportagem minimamente ética ou técnica por parte da Folha a seu respeito.