Folha distorce manchete sobre promessas de Doria: seria para proteger seus interesses? Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 30 de dezembro de 2017 às 13:58

Na página 788 do volume 1 das memórias de seu período na Presidência da República — Diários da Presidência —, Fernando Henrique Cardoso anota o forte lobby pela concessão da banda B da telefonia celular.

— É muita mobilização de interesse, inclusive os grandes grupos de comunicação, todos eles fluindo para a telefonia: Folha, Estado, Globo. O Jornal do Brasil eu não vi, mas é impressionante o modo como estão se movendo nessa direção.

Ele escreve também que, no dia 18 de outubro de 1996, recebeu no Palácio do Alvorada João Roberto Marinho, do Grupo Globo.

— As questões de sempre, cada vez que ele vem a Brasília quer trocar uma palavrinha sobre a telefonia, sobretudo saber como vai a questão do celular.

Faço essas referências a propósito da manchete da Folha de S. Paulo de hoje: “Doria tem 53% de suas promessas travadas”.

O jornalista Flávio Gomes, que trabalhou muitos anos no jornal, observou no Twitter, com a argúcia de sempre:

— “Não cumpridas”, no ex-jornal, virou “travadas” — como se alguém estivesse impedindo o alcaide de trabalhar. O texto diz que 9% das promessas foram concluídas. Portanto, 91% não foram. Mas, na manchete, 91% viraram estranhamente 53%. Como é bom ser tucano…

Assim como no caso da telefonia, 20 anos atrás, a Folha tem interesse direto na administração de João Doria. O UOL, do mesmo grupo, presta serviço de transmissão de dados para a SP Trans, na operação do bilhete único do transporte.

Recebe mais de 2 milhões de reais por mês, um percentual da tarifa (para a Folha, o aumento da passagem significa mais dinheiro no caixa).

O contrato entre o UOL e a Prefeitura está vencido e vem sendo renovado a título precário anualmente, desde o governo de José Serra/Gilberto Kassab.

O correto seria fazer uma nova licitação e escolher uma empresa que ofereça menor preço — o tipo de serviço que o UOL presta não é tão complexo e o preço poderia sair mais em conta.

Mas quem vai denunciar a Folha?

Há alguns anos, no governo de Gilberto Kassab, a Revista São Paulo, da Folha, publicou uma reportagem de capa com gente bonita e bem vestida esperando o ônibus.

Segundo a revista, a classe média estava deixando o carro e usando ônibus.

Mentira.

Mas a reportagem saiu ao mesmo tempo em que o contrato de prestação de serviços estava sendo renovado.

A Folha também defendeu repressão policial aos manifestantes que, em 2013, protestavam contra o aumento da tarifa de ônibus, no editorial “Retomar a Paulista”, depois acabou mudando de posição e apoiando os protestos.

No Brasil, notícia e análise deixaram de ser o principal negócio dos grandes grupos de comunicação.

Não sei se foi um dia, mas hoje é meio escancarado que a parcialidade da imprensa defende outros interesses.

Não é apenas mau jornalismo, é deliberado.

Sede da Folha, o jornal com rabo preso