Folha quer inventar o “Biden brasileiro”, capaz de nos salvar do “populismo”. Por Luís Felipe Miguel

Atualizado em 8 de novembro de 2020 às 11:17
Jornal Folha de S.Paulo e o presidente eleito Joe Biden. Foto: Wikimedia Commons

Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor

POR LUIS FELIPE MIGUEL, cientista político

Trump esperneia, mas é só jogo de cena, para manter mobilizada sua base – que é, como sempre, cevada com mentiras e teorias da conspiração. A imprensa em inglês explica que ele não vai levar adiante sua estratégia de contestação dos resultados, a não ser de forma simbólica, por um motivo muito simples: não há sinal de que ele ou o Partido Republicano estejam abrindo os cofres para disponibilizar as centenas de milhões de dólares necessários para travar efetivamente uma batalha legal de tamanha dimensão.

O fundamento último do sistema político estadunidense – grana – se faz sentir aqui também.

Biden assume com a missão de fazer tudo voltar ao “normal”. Vai ser difícil, porque Trump não é causa, mas sintoma do desarranjo da democracia liberal. Vice de um homem idoso, Kamala Harris é uma incógnita. É mulher, é negra e tem um histórico de posições política à direita. Entrou na chapa como tributo à versão mais inofensiva possível do identitarismo. Mas é uma política atilada e sabe que cresce se adotar uma agenda mais firme em questões como o combate ao racismo.

Por aqui, a tristeza dos bolsonaristas seria comovente, se não fosse cômica. É o silêncio de Jair, são as manifestações patéticas de alguns poucos asnos pingados pelo país afora, é a distribuição frenética de mentiras deslavadas – vi um vídeo que mostraria o encontro de caminhões vindos dos quatro cantos dos Estados Unidos, para um ritual de destruição de votos dados a Trump, compartilhado a sério por alguém que se diz professor universitário.

Por coincidência, mas uma coincidência significativa, a Folha publica hoje reportagem sobre o pacto entre Moro e Huck com vistas a 2022. Eles formariam uma chapa, com ordem ainda indefinida, para ocupar o “centro” – o jornal adota essa interpretação sem um pingo de ironia. Com certeza o resultado nos EUA está alvoroçando os marqueteiros daqui, prontos a projetar o “Biden brasileiro” capaz de nos salvar do “populismo”.

Mas não custa lembrar que o pretenso “centro” brasileiro está furos abaixo de Biden. O presidente eleito dos Estados Unidos é um conservador, mas não colaborou para a vitória de Trump, nem esteve em seu governo.

Já Moro é um fascista – tão inescrupuloso, autoritário e despreparado quanto Bolsonaro. Só não se pode dizer que são iguais porque o ex-juiz não é desbocado. E todo o pretenso “centro” brasileiro, de Huck a Dória e além, foi cúmplice da destruição da democracia brasileira e da chegada de Bolsonaro ao poder.