Fomos à exposição de Portinari no Masp

Atualizado em 8 de maio de 2013 às 18:04

E foi como assistir ao massacre vietnamita, ao som de Wagner, no filme “Apocalypse Now”: perturbador, porém lindo.

A influência do cubismo de Picasso é forte na série

Estar diante das telas de Portinari na exposição Portinari – As Séries Bíblicas e Retirantes, que acontece no MASP desde o dia 18 de abril, é como ver Apocalypse Now do Coppola pela primeira vez. Assistir o ataque americano a uma aldeia vietnamita ao som de Wagner é lindo, é intragável e incomoda. Mas, é lindo. A curadoria da exposição divide-se nas duas séries que a intitulam e foram realizadas na década de 40, considerado o período mais engajado do pintor brasileiro.

As Séries Bíblicas retratam histórias do Velho e Novo Testamento de uma maneira contemporânea (sim, contemporânea até hoje) que só um artista com uma busca de descobrimento estético e ideológico como Portinari poderia explorar. É evidente (e inclusive declarado pelo próprio pintor) a influência da obra Guernica (1937) de Picasso nessas pinturas. Há o cubismo, o mesmo estilo de desenhos, a retratação monocromática e, acima de tudo, a representação do sofrimento humano. É impossível não doer com o choro da mãe que quer impedir o filho de ser cortado ao meio na tela A Justiça de Salomão (1943).

Assim como é impossível não parar por um momento e sentir a morte na linda e estarrecedora Retirantes (1944): o chão árido não tem vida e os retirantes da pintura são quase caveiras. É desumano presenciar essa tela, assim como deve ter sido desumano para Portinari pensar na situação dos retirantes nordestinos no Brasil. Todas as 3 telas exibidas da série mostram a morte indireta ou diretamente, caso da pintura Enterro na Rede (1944).

Em Guernica Picasso retratou seu incômodo e sentimento de asco ao bombardeio realizado por alemães na cidade espanhola em apoio à ditadura de Franco. Diz-se que, durante a ocupação alemã na França, vários oficiais nazistas entraram no ateliê do Pintor e, ao depararem-se com Guernica, perguntaram se ele havia feito “aquilo”. Ao que Picasso respondeu: não, foram vocês. Imagino ser essa a mesma sensação de desconforto que moveu Portinari ao pintar Retirantes e todas as obras em exibição.

Totalizando 11 telas (8 da série Bíblicas e 3 da Retirantes) , a  exposição mostra a genialidade de Portinari transitando entre diferentes estilos. É impossível não sentir: as telas vão da alma de Portinari para a do espectador. Sem interferências no caminho.

Para quem se interessar:

  • Local: Museu de Arte de São Paulo (Masp) – Avenida Paulista, 1578 – Cerqueira César
  • Data: de 18/4 a 14/7
  • Entrada: R$ 15 (de terça-feira a entrada é grátis)
Em Retirantes, o chão árido não tem vida e os personagens são quase caveiras
Formada em Comunicação Social pela ESPM, cursou também Criação Literária na Academia Internacional de Cinema. Neste ano decidiu fazer da escrita sua profissão. Anna agora traz suas análises e dicas de cultura DCM.