A força da extrema direita. Por Emir Sader

Atualizado em 16 de dezembro de 2021 às 8:56
Veja o Kast
O favorito na eleição do Chile, José Antonio Kast. Foto: Claudio Reyes/AFP

O sociólogo Emir Sader comenta sobre o cenário eleitoral do Chile. Lá, no segundo turno, há o risco da extrema direita ganhar. Há possibilidade da eleição de um “Bolsonaro do Chile”.

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Força da extrema direita

Assusta a forca do candidato da extrema direita no Chile. José Antonio Kast, depois de surpreender ao vencer o primeiro turno das eleições presidenciais, está cabeça a cabeça na reta final para a disputa no Chile.

Que fatores fazem com que um candidato de extrema direita, em um pais com tradição de continuidade institucional desde a restauração da democracia. Desde 1990, no final da ditadura do Pinochet, houve estabilidade politica, com governos moderados da coalizão entre o PS e a DC.

Há dois anos se deram as maiores mobilizações populares em muito tempo, protagonizada inicialmente pelos estudantes, mas que depois se generalizaram para todo o pais. Que conquistaram a convocação de uma Assembleia Constituinte, com representação paritária entre homens e mulheres, representação especifica dos mapuches e que elegeu como presidenta uma líder mapuche.

O pais elegeu os delegados constituintes, com predominância de representação progressista, que faz com que as primeiras decisões da Constituinte sejam de caráter democrático.

Mas o caso do Chile não é único. Mesmo caindo, o apoio ao Bolsonaro no Brasil impressiona, diante do desgaste do seu governo e da sua liderança, ficando ainda próximo da casa dos 20%, muito atrás do Lula, mas bem acima dos outros candidatos.

Na Argentina, um candidato de extrema direita ocupou, pela primeira vez, um espaço na disputa presidencial e conseguiu eleger parlamentares para o Congresso. Em outros países, surgem lideranças de extrema direita, ainda incipientes na sua forca, mas ninguém nega que tenham um potencial de crescimento.

De onde vem essa forca? Qual sua plataforma? Que propostas formuladas por eles tem mais efeito na opinião publica? São comuns suas propostas?

Há elementos certamente comuns entre eles. A começar pelo tema da postura anti-politica ou apolítica. A critica da politica tradicional, dos partidos e dos lideres políticos tradicionais, de direita e de esquerda, tem efeito na populacao, cansada da falta de soluções para seus problemas e nas denuncias de corrupção sobre esses políticos. As forcas de esquerda e suas lideranças aparecem como fazendo parte dessa politica, com acusações de corrupção sobre eles que, de tanta insistência, deixam sempre sua marca.

Um segundo tema é a da violência, que atinge e preocupa grande parte da população e para a qual as forcas democráticas não tem solução e propostas efetivas diante dos olhos da população. Enquanto as propostas de endurecimento na acao contra a violência, de fortalecimento das policias e de liberação da sua ação e flexibilização dos seus processos, quando atuam de forma indevida.

Mesmo diante dos casos, sempre crescentes, das formas de ação violentas da policia e da quantidade de mortos, especialmente entre os pobres, dos negros e dos jovens, a população tende a não favorecer sua punição e fechar os olhos ou até mesmo apoiar as formas de ação da policia, aceitando a suspeita de que essas populações estariam implicadas em alguma forma de ilegalidade. Na pratica, termina ocorrendo uma delegação de amplos setores da população, especialmente da classe media, à ação das policias.

As propostas das forcas democráticas, vinculadas à defesa dos direitos humanos e de outras formas de ação das policias, não tem tido efeitos nem sobre a massa da população, nem sobre a ação das policias em formas alternativas de ação.

Especialmente a população pobre, da periferia das grandes cidades, se sente desvalida diante da violência cotidiana, da ação dos narcotraficante e dos milicianos e, embora seja ale mesma vitima da acao arbitraria e violenta das policias, acaba tolerando mais a ação destas. A direita aparece que mais se preocupa com a violência de que essas populações são vitimas e que são preocupação de amplos setores das classes médias.

Um terceiro ponto das posições dos lideres da extrema direita é a do anti-estatismo, da luta contra a presença do Estado. Tema central do neoliberalismo, concentra no Estado os ataques de má administração de empresas, de gastos excessivos através de muitos impostos, de excesso de servidores públicos, de fonte de corrupção do Estado. A ponto que, ao longo do tempo, mesmo nos governos progressistas, que se opuseram a essas posições, a privatização sempre goza de simpatia na maior parte da opinião. Mesmo sem exemplos concretos, se mantem a ideia de que os empresários privados e o mercado seriam mais efetivos, mais dinâmicos, menos custosos para a população.

A cada vez que se anuncia a dispensa de funcionários públicos, a maioria da população tende a receber a noticia de forma favorável, como se fosse pagar menos impostos, como se fossem dispensados funcionários inúteis para a sociedade. Nunca se menciona quantas enfermeiras e pessoal de saúde publica serão dispensados, quantos professores, quantos assistentes sociais.

Outra posição que caracteriza a extrema direita é a hostilidade aos direitos das chamas minorias – mulheres, negros, indígenas, jovens. Expressam em voz alta posições conservadores de setores expressivos das classes medidas, incomodados com os espaços e direitos crescentes conquistados por esses setores, sentindo-se ameaçados por esse movimento.

Da mesma forma que reagem de maneira negativa às politicas de redistribuição de renda, que promovem os direitos dos setores populares, sempre postergador. Se sentem ameaçados pela ascensão desses setores, ao invés de serem favoráveis à luta contra a exclusão social, a pobres, a fome o abandono.

No seu conjunto, se fortalecem na opinião publica ideias de extrema direita, que explicam a forca dos candidatos e das lideranças que defendem essas posições. Candidatos que podem ser eleitos presidentes proximamente, como no caso do Chile, mas que tendem a ocupar espaços cada vez maiores em outros países.

É um tema que tem que ser central para a esquerda e todas as forcas democráticas, levando em conta que os programas dessas forcas e lideranças não costumam contemplar, com respostas eficientes para a opinião publica. E levar em conta que as vitorias politicas são sempre antecedidas de vitorias no plano da ideias e que, assim, a disputa na luta das ideias acaba sendo determinante para o presente e o futuro das sociedades contemporâneas, especialmente as latino-americanas, onde é mais acirrada a disputa entre as forcas conservadoras e as democráticas.

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