Frango de grandes supermercados e redes de fast food britânicos são ligados a desmatamento no Brasil

Atualizado em 28 de novembro de 2020 às 9:34
McDonald’s na Inglaterra

Publicado no Guardian

(tradução de Sara Vivacqua)

Supermercados e lojas de fast food britânicos estão vendendo frango alimentado à base de soja importada, cuja produção está conectada a milhares de incêndios florestais de pelo menos 800 km2 de desmatamento de árvores no cerrado brasileiro, uma investigação conjunta revelou.

Tesco, Lidl, Asda, McDonald’s, Nando’s e outros varejistas, todos se abastecem de frango alimentado com soja fornecida pela gigante empresa comercial, Cargill, a segunda maior empresa privada dos EUA. A combinação de uma proteção mínima para o Cerrado – um importante sumidouro de carbono e habitat de vida selvagem – com uma cadeia de fornecimento opaca e sistemas de rotulagem confusos, significa que os compradores podem estar contribuindo inadvertidamente para a destruição do Cerrado.

O radialista e ativista Chris Packham disse que as revelações mostraram que os consumidores precisam receber mais informações sobre seus alimentos. “A maioria das pessoas ficaria perplexas se soubessem que estão comprando um pedaço de frango no Tesco que foi alimentado com uma safra responsável por uma das maiores destruições de floresta tropical nos últimos tempos”, disse ele.

“Temos que acordar para o fato de que o que compramos nos supermercados do Reino Unido, as implicações dessa compra podem ser muito amplas e enormemente prejudiciais, e este é um exemplo erfeito disso”.

O Reino Unido abate pelo menos um bilhão de frangos por ano, o equivalente a 15 aves para cada pessoa no país. Muitos são engordados em grãos de soja pela Cargill, comprada dos agricultores do Cerrado, uma savana tropical lenhosa que cobre uma área igual em tamanho à Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália e Espanha juntas.

A análise dos dados de embarque mostra que a Cargill importou 1,5 milhões de toneladas de soja brasileira ao Reino Unido nos últimos seis anos até agosto de 2020. Os números de exportação de nível de biomassa, compilados pelo fiscalizador de cadeia de fornecimento, Trase, indicam que quase metade das exportações brasileiras da Cargill para o Reino Unido são do Cerrado.

Entre os embarques mais recentes estavam 66.000 toneladas de grãos de soja que desembarcaram nas docas de Liverpool em agosto em um navio-tanque a granel alugado pela Cargill, o BBG Dream. Este foi o foco de uma investigação colaborativa do Bureau of Investigative Journalism, Greenpeace Unearthed, ITV News, e o Guardian.

O porão do navio havia sido carregado no terminal portuário de Cotegipe em Salvador, Brasil, com grãos provenientes da região de Matopiba do Cerrado, incluindo alguns da Formosa do Rio Preto, a comunidade mais desmatada do Cerrado. Além da Cargill, os fornecedores incluíam a Bunge (o maior exportador de soja do Brasil) e a ADM (outro importante produtor americano de alimentos).

Após atravessar o Atlântico, todo o carregamento foi descarregado na fábrica de esmagamento de soja Seaforth da Cargill em Liverpool, de acordo com os registros marítimos e de embarque. A investigação rastreou a forma como os grãos esmagados ali são então transportados para moinhos em Hereford e Banbury, onde são misturados com trigo e outros ingredientes para produzir ração animal. De lá, ele é levado para as granjas de frangos contratadas para Avara.

Avara é um empreendimento conjunto entre a Cargill e a Faccenda Foods. Ela engorda aves, que são abatidas, processadas e embaladas para distribuição à Tesco, Asda, Lidl, Nando’s, McDonald’s e outros varejistas. Avara prospera em relativa obscuridade. “Você pode não ter ouvido falar de nós, mas há uma boa chance de ter gostado de nossos produtos”, diz o website da empresa.

Então, de onde, exatamente, esta soja é originária? O fornecedor da Avara, Cargill, compra soja de muitos fornecedores do Cerrado, dos quais pelo menos nove estiveram envolvidos na recente desmatação de terras. A análise da consultoria Aidenvironment da terra de propriedade ou utilizada por estas empresas desde 2015, encontrou 801 km2 de desmatamento – uma área equivalente a 16 Manhattans. Também foram detectados 12.397 incêndios registrados.

No mês passado, imagens de drones feitas em Formosa do Rio Preto mostraram enormes incêndios queimando na Fazenda Parceiro, uma fazenda administrada pela SLC Agrícola, que é fornecedora da Cargill. Dados via satélite mostram os incêndios queimando 65 km2 da fazenda. Mais de 210 km quadrados foram desmatados em terras da SLC Agrícola nos últimos cinco anos, de acordo com a análise da Aidenvironment. A Cargill disse que não violou nenhuma regra, nem suas próprias políticas, ao se abastecer na fazenda em questão e deixou claro que não se abastece de terras desmatadas ilegalmente. A SLC Agrícola foi contactada para comentários, mas declinou.

Apesar desta destruição, os produtos provenientes destas áreas podem ser rotulados como legais e sustentáveis no Brasil. Isto destaca as deficiências de um sistema de comércio internacional que depende de padrões locais, que são freqüentemente influenciados por agricultores focados no lucro econômico de curto prazo, ao invés de bens globais de longo prazo, que incorporariam o valor dos sistemas de água, sumidouros de carbono e habitats de vida selvagem.

O governo brasileiro tem relaxado constantemente os controles sobre o desmatamento – e às vezes o encorajou tacitamente – durante a última década, mais notavelmente pelo relaxamento do Código Florestal em 2012.

Isto é especialmente válido para o Cerrado, o segundo maior bioma do Brasil, que está sendo sacrificado para impulsionar as exportações, manter os preços globais dos alimentos baixos e reduzir o impacto sobre seu vizinho, a Amazônia. Os agricultores podem cortar e queimar legalmente uma proporção maior de árvores nesta savana em comparação com a Amazônia que é internacionalmente observada.

Protesto do Greenpeace em frente a loja da Tesco

Muitos biólogos acreditam que esta política é míope. As árvores, arbustos e solo do Cerrado armazenam o equivalente a 13,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono – significativamente mais do que as emissões anuais da China. É a origem de tantos rios que é conhecida como “o berço das águas” e abriga 1.600 espécies de aves, répteis e mamíferos (incluindo onças, tatus e tamanduás) e 10.000 tipos de plantas, muitas delas não vistas em nenhum outro lugar do mundo.

Os cientistas dizem que será difícil – se não impossível – salvar a Amazônia sem conservar o Cerrado. Mas este último sofreu o dobro do desmatamento, apesar de ser metade do tamanho. Entre 50% e 80% do bioma original foi substituído por fazendas de gado e fazendas de soja, fazendo desta a fronteira do agronegócio que mais rapidamente se expande no mundo e uma das áreas da natureza que mais rapidamente encolhe.

Quer o Brasil considere ou não legal a soja desta área, muitos consumidores não querem comprar produtos associados ao desmatamento.

O Reino Unido importa 700.000 toneladas de soja crua por ano, muitas delas do Cerrado, e também compra quase três vezes essa quantidade de ração processada de soja, a maioria da Argentina. O impacto ambiental varia imensamente de país para país. Mas os compradores têm pouca maneira de saber se seu peito de frango ou seu hambúrguer contribuíram para o problema do Cerrado porque os rótulos fornecem informações insuficientes sobre as origens, colheitas de fontes sustentáveis e desmatadas podem ser misturadas, e muitas empresas dependem de compensações.

As empresas envolvidas dizem que estão trabalhando para diminuir o impacto ambiental de suas ofertas, mas o progresso varia.

O McDonald’s e a Nando’s cobrem os volumes de soja que utilizam para ração de frango com “certificações” de sustentabilidade, o que inclui a compra de “créditos” – semelhantes à compensação de carbono. Os créditos apóiam os produtores que produzem de forma sustentável, mas a soja na cadeia real de fornecimento não é necessariamente desses produtores e pode vir do desmatamento.

O McDonald’s disse que seu objetivo era eliminar o desmatamento de suas cadeias de abastecimento globais até 2030. Um porta-voz disse: “Estamos orgulhosos do progresso que fizemos, mas reconhecemos que há mais a fazer, e continuaremos a trabalhar duro para progredir em direção aos nossos objetivos”.

A Nando’s não forneceu uma data alvo para eliminar completamente o desmatamento de sua cadeia de abastecimento, mas disse que estava analisando alternativas à soja. “Reconhecemos que há mais trabalho a ser feito e é por isso que também estamos investindo na pesquisa de alternativas alimentares mais sustentáveis e esperamos poder compartilhar os resultados o mais rápido possível”.

Asda e Lidl disseram que estavam trabalhando para comprar apenas soja sustentável “fisicamente certificada” até 2025, mas isto pode significar coisas diferentes. A Asda chama isso de “soja segregada” livre de desmatamento – o que significa que o produto real em sua cadeia de fornecimento deve ser sustentável para que ele atinja seu objetivo – mas a Lidl esclareceu que estava incluindo um esquema onde o grão sustentável pode ser misturado com o produto de fazendas de desmatamento. A Lidl disse que atualmente é o maior comprador de créditos para compensar seu impacto ambiental pela soja.

Tesco disse que estabeleceu para si mesmo uma meta “líder da indústria” para que sua soja venha de “áreas” comprovadamente livres de desmatamento até 2025. “As queimadas para limpar a terra para cultivos deve parar“, disse um porta-voz. “Desempenhamos um papel de liderança na convocação da indústria e do governo para proteger o Cerrado, incluindo o compromisso de £10 milhões para proteger a biodiversidade da região. Precisamos que nossos fornecedores, indústria, ONGs e governos trabalhem conosco para acabar com o desmatamento e proteger nosso meio ambiente natural”.

A Cargill – um dos mais importantes atores da cadeia de fornecimento – disse publicamente que se opõe a uma moratória do Cerrado. Na ocasião, anunciou 30 milhões de dólares  para financiar os esforços de combate ao desmatamento, mas não especificou onde isso seria gasto. O Guardian perguntou à Cargill porque ela havia rejeitado uma moratória, mas a empresa não comentou sobre isso.

No entanto, expressou seu compromisso com uma cadeia de fornecimento sem desmatamento e com o apoio aos agricultores que estão trabalhando de forma sustentável. Ele disse: “A Cargill estima que 95,68% de nossos volumes de soja no Brasil para o ano agrícola de 2018-19 foram livres de desmatamento e conversão”. A empresa continua a expandir seu programa de certificação no Brasil e no Paraguai, mas coloca a ênfase no sistema legal brasileiro.

“A Cargill – juntamente com nossa indústria, agricultores, governos locais e clientes – tem responsabilidade pela transformação da cadeia de fornecimento de alimentos, e estamos nos engajando com as partes interessadas todos os dias para fazer progressos”, disse. “O desmatamento nesse bioma é, na maioria dos casos, um ato criminoso pela legislação brasileira. Deve ser tratado dessa forma”.

A investigação mostra, no entanto, que não basta tratá-lo apenas como um assunto brasileiro.

A Cargill