Fraude da Lava Jato repercute na Europa como uma bomba. Por Willy Delvalle, de Paris

Atualizado em 10 de junho de 2019 às 10:58

A repercussão da reportagem do The Intercept revelando a fraude da Operação Lava-Jato para impedir Lula de chegar à presidência é mundial. No twitter, “Lula” entrou nos trending topics mundial. Na imprensa europeia, a imagem dos procuradores e do juiz Sérgio Moro está em ruínas.

O francês Le Monde (veja acima) pergunta: “e se o grande escândalo de corrupção da história do Brasil tivesse sido manipulado?”. O periódico também destaca as revelações de conspiração para impedir que Lula chegasse à presidência: O site de investigação (The Intercept) lançou essas acusações depois de ter tido acesso a um grande volume de mensagens privadas, trocadas principalmente pelo aplicativo Telegram, entre os procuradores brasileiros e o ex-juiz Sérgio Moro, responsável pela ‘Lava Jato’ (…) Moro desde então renunciou à magistratura para se tornar ministro da justiça do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro”.

Em destaque na página do jornal também francês Libération, “Brasil: juízes teriam conspirado para impedir volta de Lula”.

Logo cedo, o Le Point, também da França, publicava: “Brasil, Lava Jato, investigação para impedir o retorno de Lula ao poder, segundo The Intercept”.

Distribuído nos metrôs de Paris, o jornal 20 minutes repercutiu reportagem semelhante, com uma foto de uma bandeira onde se lê “Lula livre”.

Principal jornal de Genebra, o Tribune de Genève destacou em sua página principal: “Reviravolta no caso Lula”. O periódico falou em ‘revelações explosivas sobre os responsáveis da Operação Lava-Jato”: “Os responsáveis da operação Lava-Jato conspiraram para impedir o retorno do ex-presidente de esquerda Lula ao poder no ano passado, diz o The Intercept” é como começa a publicação do jornal suíço, que chama os vazamentos de  “potencialmente explosivos”.

O Tribune de Genève afirma que se a veracidade for confirmada, “essas trocas (de mensagens) batem em cheio na suposta imparcialidade do juiz Moro. Este teria dado indicações e conselhos aos procuradores contra seu inimigo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ele condenou em primeira instância em 2017”.

O jornal suíço destaca ainda que “outras mensagens revelam também que os procuradores tinham ‘sérias dúvidas sobre as provas suficientes para a culpabilidade de Lula’ no caso de obtenção de um triplex como propina”.

O periódico observa que a condenação impediu Lula, “favorito das intenções de voto na época, de se candidatar às eleições presidenciais outubro passado” e que ele “não parou de clamar sua inocência e de se dizer vítima de uma conspiração política destinada à impedi-lo de se candidatar a um terceiro mandato, depois de 2003 e 2010”.

Um dos principais jornais de Barcelona, o La Vanguardia diz em sua página principal: “segundo Intercept, procuradores brasileiros não tinham provas contra Lula”, no que descreveu como “conspiração para impedir volta do PT ao poder”.

A publicação catalã disse que “em plena campanha eleitoral, os procuradores da mega investigação que haviam conseguido seu objetivo de prender Lula se sentiam preocupados”. Destacou: “Ando muito preocupado com uma possível volta do PT mas rezei muito para que Deus ilumine nossa população e que um milagre nós salve’, disse um procurador”.

O La Vanguardia descreve Dallagnol como “máximo responsável da procuradoria no caso judicial que pavimentou o caminho ao poder do líder de ultra direita Jair Bolsonaro”. E afirma que “deixam pouco espaço para dúvida de que a operação judicial encabeçada pelo então juiz Sérgio Moro – agora ministro de justiça do governo Bolsonaro – tinha objetivos políticos”. “O site americano não só revela que os procuradores afirmavam abertamente a necessidade de impedir a volta ao poder do PT, mas também provas de uma conspiração entre o juiz Moro e seus procuradores”.

O diário relembra que Moro explicou há duas semanas à BBC que a peça de Dallagnol sobre o papel de Lula como “comandante máximo” da rede de corrupção foi chave para a decisão do juiz de sentenciar o presidente a nove anos de prisão, pena elevada depois a doze anos. “Essa sentença foi realizada sob ausência de provas de que Lula era proprietário do apartamento na praia de São Paulo, que havia sido renovado por uma das construtoras criadas no escândalo de subornos”, afirma o La Vanguardia.

“Diversos procuradores da Operação Lava Jato se mostraram perplexos perante a discussão do Supremo Tribunal do direito de Lula de ser entrevistado pelo jornal brasileiro Folha de S. Paulo durante a campanha eleitoral no outono de 2018. Uma procuradora se mostra preocupada de que ‘podem eleger Haddad’ numa referência ao candidato do PT nas eleições. Outra procuradora escreve ‘Mafiosos!’ para se referir ao STF e ao PT”.

O jornal de Barcelona observa que a proibição da entrevista de Lula, “que liderava as pesquisas mesmo estando preso sendo forçado a se retirar da campanha’, foi proibida posteriormente.

A publicação espanhola considera a revelação do The Intercept como “muito comprometedora para Moro e Dallagnol” e considera os métodos da Operação Lava Jato como “controversos”: “Fica muito claro a partir do material filtrado que os procuradores não contavam com informação que vinculava Lula ao escândalo da Petrobras. Por isso se utilizou de forma irregular um artigo publicado no diário O Globo sobre o apartamento triplex no Guarujá de que Lula era supostamente proprietário”.

E relembra ao público espanhol que Dallagnol é proprietário de diversas igrejas evangélicas “que incorporaram a demonização do PT a suas convicções religiosas”: “reconhece no privado que carece de provas de que o triplex estava relacionado com a trama da Petrobras e portanto de competência para a investigação Lava Jato.

O chamado procurador evangélico reconhece também em outra conversa que não tem provas de que Lula é proprietário do imóvel.

O El País destaca: “investigação jornalística põe em dúvida a imparcialidade da operação Lava Jato”. O jornal espanhol diz que uma “extensa reportagem” do The Intercept “indica que o juiz mantinha conversas privadas com o procurador durante a investigação que mandou Lula à prisão”, o que o El País explica ser “algo proibido pela Constituição e pelo Código Penal brasileiro”: “O que o Intercept revela é que o hoje ministro da Justiça orientava as investigações do chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, para facilitar as condenações”. Também afirma que “os arquivos demonstram que Moro sugeria fontes, ordem das operações e exercia um papel indireto para coordenar os processos que posteriormente julgaria”.

O Diário de Notícias, de Portugal, afirma em sua página principal: “Moro combinou estratégias com Ministério Público contra Lula” e que “Conversas divulgadas pelo site The Intercept expõe o ex-juiz a combinar troca de ordem de fases da Lava-Jato, a exigir realização de novas operações, a dar conselhos e pistas e a antecipar uma decisão judicial aos procuradores”.

O jornal português também repercute a reação do ministro Marco Aurélio de Mello e da classe jurídica: “Para advogados e juízes ouvidos pela imprensa, o caso coloca em dúvida a imparcialidade de Moro, agora ministro da justiça do governo liderado por Jair Bolsonaro, nos casos. Marco Aurélio Mello, que é dos 11 membros do Supremo Tribunal Federal, sublinhou que ‘a equidistância do órgão julgador tem de ser absoluta’”.

O periódico de Portugal chama a atenção para o fato de que “numa das trocas, o ex-juiz discorda até da tentativa do MPF de adiar um depoimento de Lula” e para a articulação com o objetivo de impedir o ex-presidente de falar à imprensa: “Noutra conversa interceptada, procuradores combinam manobras para impedir que Lula desse uma entrevista a meio da pré-campanha eleitoral. Uma das procuradoras, Laura Tessler, comenta que se o antigo presidente falasse poderia até eleger Fernando Haddad, candidato do PT que disputou as eleições, e acabou por perder, com Jair Bolsonaro”.

A publicação aponta que “a decisão da prisão coube a Moro em abril de 2018, quando Lula liderava todos os cenários eleitorais das eleições de outubro desse ano”.

A reação também se dá na classe política. O deputado francês Eric Coquerel, do partido La France Insoumise, publicou um tweet convocando a França a pedir a libertação imediata de Lula.