Funai defende nomeação de pastor em cargo de chefia e quer processar procuradores. Por Igor Carvalho

Atualizado em 4 de agosto de 2020 às 8:37
Funai

PUBLICADO NO BRASIL DE FATO

POR IGOR CARVALHO

No dia 31 de julho, a Corregedoria do Ministério Público Federal (MPF) acatou o pedido da Fundação Nacional do Índio (Funai) para investigar a conduta dos procuradores responsáveis pela Ação Civil Pública (ACP) que barrou a nomeação do pastor Ricardo Lopes para o comando da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC).

A manifestação da Funai é assinada pelo presidente da entidade, Marcelo Augusto Xavier da Silva, e afirma que os procuradores Marcia Zollinger, Gustavo Kenner Alcântara, Julio José Araujo Junior e Luis de Camões Lima Boaventura, responsáveis pela ACP, agiram movidos por “intolerância religiosa”, e praticaram, assim, “crime de discriminação em razão de religião” e “crime de ultraje a culto.”

Em resposta, os quatro procuradores divulgaram uma nota conjunta em que afirmam que a representação da Funai é “claramente intimidatória e não descreve qualquer conduta irregular”. “Por isso, recebemos com tristeza e indignação a corregedoria levar esse questionamento adiante, que, além de fragilizar a atuação, diz respeito a atividade fim respaldada por tantas instâncias”, argumentam.

O procurador Francisco Guilherme Vollstedt Bastos, diretor da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), criticou o acolhimento da ação pela corregedoria e afirmou que o pedido da Funai “é extremamente temerário e deve ser liminarmente indeferido.”

“Encaramos isso como forma de cercear a atuação dos colegas. Os colegas tem prerrogativa de encaminhar esse tipo de ação ao Judiciário. De certa forma, esse tipo de ação é usada como instrumento de pressão à atuação dos colegas”, finaliza Bastos.

Procuradas pela reportagem do Brasil de Fato para falar sobre o tema, a Funai e a Corregedoria do MPF não responderam até a publicação desta matéria.

Histórico

No dia 3 de fevereiro, a Funai indicou o pastor Ricardo Lopes Dias, ex-missionário da Missão Novas Tribos, para ocupar a chefia da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC). A nomeação do religioso foi contestada por diversas entidades que atuam na defesa dos povos indígenas.

No dia 11 de fevereiro, os procuradores Márcia Zollinger, Gustavo Kenner Alcântara, Julio José Araújo Júnior e Luis de Camões Lima Boaventura, através de uma Ação Civil Pública, questionaram a nomeação de Lopes na CGIIRC.

Desde então, um embate na Justiça provocou um processo uma série de determinações, que autorizaram e suspenderam a posse de Lopes. Porém, no último dia 10 de junho, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, autorizou a nomeação do pastor, que ocupa o cargo desde então.

Noronha é responsável, também, pela decisão do STJ que concedeu ao Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, o benefício da prisão domiciliar.

Confira a íntegra da carta dos procuradores:

Colegas,

Recebemos ontem uma representação da presidência da Funai contra nós em razão da ACP que questionou a designação de Ricardo Lopes para a coordenação de índios isolados da Funai. O presidente da Funai alega, em linhas gerais, intolerância religiosa, crime de discriminação em razão de religião e crime de ultraje a culto (!)

A ação chegou a ter decisao favorável no TRF1, além de pareceres favoráveis na PRR-1, PGR-STJ e representação da 6CCR perante o PGR para uma SLAT no STF.

A representação tem finalidade claramente intimidatória e não descreve qualquer conduta irregular. Por isso, recebemos com tristeza e indignação a corregedoria levar esse questionamento adiante, que, além de fragilizar a atuação, diz respeito a atividade fim respaldada por tantas instâncias.

Mas não bastasse isso, a corregedoria ampliou o escopo da apuração e trouxe elemento que não era objeto da representação da Funai: questionou a assinatura conjunta de 3 colegas além da procuradora natural.

Atuações coletivas em apoio ao procurador natural sempre foram a tônica da tutela coletiva no MPF, especialmente nos temas da 6CCR. Se há pretensão de limitar essa possibilidade, que seja com debate com a carreira e daqui pra frente.

Prestaremos, respeitosamente, todos os esclarecimentos à corregedoria. Mas devemos ressaltar que desde o nosso ingresso no MPF temos uma trajetória de envolvimento forte com as matérias da 6CCR, independentemente da lotação em que estivessemos. Todos participamos ativamente dos debates dos gts e da própria administração da Câmara.

Neste caso, a atuação é fruto de diálogo (sempre constante) com a coordenação da 6 CCR anterior.

Seguiremos atuando e cumprindo o comando constitucional de defesa dos direitos dos povos indígenas.

Edição: Rodrigo Chagas