Funcionários vítimas de suposta fraude em contratações da Prefeitura de SP vão depor no MP

Atualizado em 3 de outubro de 2020 às 17:27
Bruno Covas. Foto: Reprodução/Twitter

Publicado originalmente no Brasil de Fato:

Por Igor Carvalho e Vinícius Segalla

A prefeitura de São Paulo (SP) contratou funcionários por meio de cargos comissionados (por indicação e sem estabilidade) que já haviam sido aprovados em concursos públicos realizados pelo município, mas que nunca eram chamados para serem empossados como servidores. Três desses funcionários — supostamente contratados pelo esquema fraudulento pela Secretaria Municipal de Gestão — serão ouvidos  na próxima terça-feira (6) pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

É o que mostra o inquérito da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital aberto no dia 14 de setembro deste ano para investigar suposto esquema de fraude nas contratações de pessoal da prefeitura de São Paulo, conforme revelou na última quinta-feira (1) o Brasil de Fato.

O Ministério Público baseia o inquérito em dois relatórios técnicos acerca de concursos públicos e contratações realizadas pelo município de São Paulo de 2016 até hoje. Os documentos foram produzidos pelo Tribunal de Contas do Município (TCM-SP) e pelo gabinete do vereador Celso Giannazi (Psol).

O MP convocou testemunhas para testemunhar no próximo dia 7. Eles são funcionários que seriam vítimas no suposto esquema fraudulento da prefeitura, e pediram para não ter seus nomes revelados / MP-SP/Arte BDF

As irregularidades

São basicamente dois os tipos de fraudes apontadas: a primeira é por meio de contratações de “apadrinhados políticos” e empresas terceirizadas (por centenas de milhares de reais) para a realização dos chamados “serviços continuados” (como o atendimento nas agências do Descomplica-SP), que deveriam ser preenchidos por meio de concursos públicos que efetivamente foram realizados, mas os selecionados jamais foram empossados.

A segunda é por precarizar ilegalmente a situação empregatícia do pessoal concursado, contratando-os após o fim do processo seletivo, mas não como concursados da prefeitura, e sim como funcionários comissionados, sem qualquer estabilidade e mantidos no emprego apenas por laços de indicações políticas.

É o caso do funcionário R.G.B., que pediu à reportagem para ter sua identidade mantida em sigilo por temer retaliações. Assim como as testemunhas que serão ouvidas pelo Ministério Público na próxima terça-feira (6), ele prestou concurso, foi aprovado, não foi diplomado e foi convidado para ocupar um cargo de confiança em que exerce as mesmas funções que são descritas como as atribuições da vaga concursada para que foi aprovado.

Brasil de Fato teve acesso e mantém cópias dos documentos de aprovação de R.G.B. no concurso e, posteriormente, sua nomeação para o cargo público por meio de indicação, em portaria assinada pelo secretário Municipal de Gestão, Júlio Francisco Semeghini Neto. Abaixo está o documento de sua nomeação, mas a reportagem retirou todos os dados que poderiam identificá-lo como uma das fontes da reportagem.

Contratação de R.G.B. que passou no concurso mas foi contratado como se fosse funcionário comissionado / Diário Municipal de SP

Ao Brasil de Fato, o funcionário R.G.B. contou: “Eles estavam precisando contratar uma pessoa para ocupar um cargo efetivo, de concursado, para fazer o trabalho de um servidor que estava sendo deslocado para outra função. Eles queriam fazer isso logo (e com menos custos), com uma pessoa que já tivesse comprovadamente as capacidades, mas contrataram por indicação”.

Ou seja, a prefeitura levou para um cargo que exigia conhecimentos específicos de uma pessoa selecionada em concurso um candidato que já fora aprovado na seleção, mas, disposta a não preencher o cargo definitivamente, como manda a lei, e sim ter à sua disposição a possibilidade de demiti-lo quando quisesse, fez a contratação por meio de indicação a cargo comissionado.

A advogada Monica Sapucaia Machado, doutora em Direito Político e Econômico e professora do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), explica que essa ilegalidade tem nome: desvio de função.

“Há indícios de que a prefeitura esta tentando burlar o processo de concurso público. Ela fez o concurso e não utilizou os selecionados para as vagas e, depois, contratou essas mesmas pessoas para exercer a função para a qual elas tinham sido concursadas, aprovadas e não tinham sido nomeadas”, explica a especialista.

O vereador Celso Gianazzi completa: “O prefeito Bruno Covas tem burlado os concursos públicos. Ele está contratando pessoal comissionado para exercer funções que, por lei, devem ser exercidas por servidores concursados. Nessas contratações, o que constatamos é que uma série de apadrinhamentos políticos foram utilizados como critério de contratação”.

A promotoria paulista diz que tais procedimentos ferem o artigo 37 da Constituição Federal, que diz que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

Além disso, “o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a contratação de servidores comissionados para desempenhar funções desempenhadas cujos cargos deveriam ser providos por regular concurso púbico representa ato de improbidade administrativa que afronta o disposto no art. 37, II da Constituição Federal”, argumenta o Ministério Público. A pena para este crime, cuja responsabilidade seria do prefeito Bruno Covas (PSDB), pode chegar à perda dos direitos políticos por até oito anos e multa.

A representação do Ministério Público, feita no dia 14 de setembro, dava 15 dias para a prefeitura de São Paulo apresentar defesa preliminar acerca do assunto.

Na tarde da última quinta-feira (1), o Brasil de Fato entrou em contato com a administração municipal e perguntou, entre outras questões, se a prefeitura havia cumprido a determinação da promotoria e qual teria sido sua resposta.

Até a publicação desta reportagem, não havia qualquer resposta. Caso o município venha a se manifestar a respeito do assunto, seu conteúdo integral será incluído nesta reportagem.