Publicado originalmente no ConJur:
Por Lenio Luiz Streck
O FEBEAPÁ (Festival de Besteiras que Assola o País) denunciado pelo personagem imortal de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, agora tem um conceito que o supera. Trata-se do FEESTUAP (Festival de Estupidez que Assola o País). O protagonista e presidente desse festival é o comandante da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que caminha a passos largos para receber o Prêmio Ignóbil.
Segundo o relatório, o acervo da Fundação é um lixo. Tanto é que mandou atirar fora pelo menos 5.300 livros, muitos por serem considerados de caráter alheio à ideologia do órgão (sic), outros por apresentarem ideologia marxista ou estarem velhos e muitos outros em desacordo ortográfico. Qual seria a “ideologia do órgão”?
Os “einsteins” da Fundação atiram fora livros como o ‘Dicionário do Folclore Brasileiro’, obra clássica do historiador natalense Câmara Cascudo, isto porque é “um livro não só gramatical e ortograficamente desatualizado, mas com páginas soltas e exibindo um forte cheiro de mofo“.
Fantástico. Se eu soubesse dessa nova “tese cultural”, eu não teria feito uma apresentação a um livro do primeiro negro a assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, Pedro Lessa, sobre Jurisdição Constitucional, que será republicado com a grafia da época. Burro esse pessoal da Editora. Esse livro está em linguagem desatualizada… Nota: O estagiário levanta a placa e mostra a palavra “sarcasmo”.
Burrice é ciência. Exatamente por isso é possível, com esforço, aprender estultices. Por exemplo, a obra de Cascudo é citada logo após exemplares de Machado de Assis, removidos por prestar “desserviço” aos estudantes, já que apresentam Português desatualizado. Run to the hills! Sim, Machado de Assis presta desserviço. Nota: O estagiário levanta a placa “raiva”.
Também a “Operação Index” (aliás, que pode ser ímproba, porque o administrador não pode se desfazer de patrimônio público sem desafetar) do Presidente da Palmares expungiu livro de Eric Hobsbawn, Bandidos. Ele o fez pelo nome! Claro que ninguém da cúpula da Palmares leu esse livro. Tampouco leram um livro como Os Dez Dias que Abalaram o Mundo. História para essa gente, nem falar. Obscurantismo é a regra.
Os negacionistas da Palmares consideraram que, dos 9.565 títulos disponíveis, apenas 5% foram considerados adequados. Sim, eles dizem o que é adequado.
E esses negacionistas da cultura e da história estão desfilando por aí, lépidos e fagueiros. Dizem os “intelectuais” da Palmares: os 5% dos livros “selecionados” podem ser lidos, porque têm “cunho pedagógico, educacional e cultural dentro da missão institucional”. Alvíssaras! Nota: Placa do estagiário com os dizeres “Dá para atirar uma pedra?”
O resto cada um pode ver acessando o relatório. Trata-se de um documento e uma atitude que entrará no Guiness dos néscios.
O Italiano Carlo Cipolla e o brasileiro Mauro Dias escrevem tratados sobre a estupidez humana. Que deveriam ser lidos.
Cipolla nos brinda com uma epistemologia dos néscios (a expressão é por minha conta), mostrando as cinco leis fundamentais da estupidez:
1. Sempre e inevitavelmente, cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos que circulam por aí.
2. A probabilidade de que uma determinada pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica da mesma pessoa.
3. Uma pessoa estúpida é aquela que causa dano a outra pessoa ou grupo sem, ao mesmo tempo, obter um benefício para si mesmo ou mesmo causar prejuízo.
4. Pessoas não-estúpidas sempre subestimam o potencial prejudicial de
estúpidos.
5. O estúpido (ou néscio) é o sujeito mais perigoso.
Cipolla complementa: “Todos os seres humanos estão incluídos em quatro categorias fundamentais: o desavisado, o inteligente, o malvado (ou ladrão) e o estúpido. De onde: (i) A pessoa inteligente sabe que é inteligente; (ii) o malvado está ciente de que ele é mau; (iii) o desavisado é dolorosamente imbuído do senso de sua própria sinceridade e, (iv) ao contrário de todos esses personagens, o estúpido não sabe que é estúpido. Ele não sabe que não sabe.”
Como acentua Cipolla, isso de não saber que não sabe (essa parte é minha) contribui para dar maior força, incidência e eficácia à sua ação devastadora. Aqueles que sabem que não sabem estão perdidos entre todos aqueles que acham que sabem que sabem, aqueles que sabem que não sabem, mas fazem mesmo assim — razão cínica — e aqueles que não sabem que não sabem e não querem saber que não sabem tudo aquilo que não sabem e nem querem saber. Simples assim.
Ufa. Enfim, não inventei as cinco leis. Foi Cipolla. E Mauro Mendes Dias as aperfeiçoou.
Século XXI e órgãos estatais brincando de Fahrenheit 451: queimando livros!
Bah! E um duplo Bah, expressão gaúcha que significa “Bah”!