
Nesta terça-feira (22), bolsonaristas saudaram o voto minoritário do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux contrário às medidas restritivas impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), que está proibido de fazer uso das redes sociais, seja em seu próprio perfil ou no de terceiros.
O PL Mulher (presidido pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro), por exemplo, chamou Fux de “facho de lux em meio à escuridão”. Não foi a primeira vez que o bolsonarismo agradeceu a Fux pelos serviços prestados. Veja, abaixo, alguns outros exemplos.
Já o bolsonarista Mário Sabino, ex-secretário de redação da revista Veja e ex-dono do site “O Antagonista”, preferiu, nesta terça, sair em defesa do ex-presidente, dizendo que “Jair Bolsonaro não poderia ser silenciado de forma nenhuma“. Ele continuou:
“Aliás, o precedente aberto pelo STF em relação a Lula, em 2019, daria o direito ao ex-presidente de ser entrevistado até se já estivesse atrás das grades.” Sabino escolheu não lembrar que o próprio Fux, um ano antes, em 2018, proibira o presidente Lula de conceder entrevistas.
A verdade, porém, é que Luiz Fux errou em 2018, ao proibir Lula de conceder entrevista, e errou novamente agora, em 2025. Não há paralelo entre um episódio e outro, nem de longe nem de perto. Entenda o porquê.
A decisão de Fux censurando Lula em 2018
Na noite de 28 de setembro de 2018, Luiz Fux trabalhou até mais tarde. Já passava das 22h quando saiu de seu gabinete uma ordem para proibir urgentemente que Luiz Inácio Lula da Silva pudesse dar entrevistas. E que, se por um acaso já tivesse concedido alguma, a qualquer jornalista, esta jamais poderá vir a público, principalmente antes das eleições, sob pena de crime de desobediência.
Ou seja, não se pode falar nem em censura prévia. É a censura prévia da prévia, aquela que proíbe a veiculação de uma notícia (ou uma entrevista) antes mesmo dela ser escrita. E, se já tiver sido escrita, o censor não precisa nem analisar, considera-se censurada, imprestável para publicação, de antemão.
A decisão de Luiz Fux recebeu dezenas de críticas de juristas em todo o Brasil, que já a definiram como “inédita e surpreendente”, “teratológica”, “incompreensível” e “flagrantemente autoritária e inconstitucional”. O primeiro ponto a chocar os especialistas foi a fundamentação principal utilizada pelo ministro Fux para impedir a livre circulação da entrevista de Lula. Está em sua decisão:
“NO CASO EM APREÇO, HÁ ELEVADO RISCO DE QUE A DIVULGAÇÃO DE ENTREVISTA COM O REQUERIDO LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, QUE TEVE SEU REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO, CAUSE DESINFORMAÇÃO NA VÉSPERA DO SUFRÁGIO, CONSIDERANDO A PROXIMIDADE DO PRIMEIRO TURNO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS”.
Quer dizer: Fux não leu a entrevista, Fux nem mesmo sabe dizer se ela já havia sido ou ainda seria realizada, mas já previu que seu conteúdo poderia causar desinformação nas vésperas das eleições presidenciais.
O problema é que, ainda que estivesse certo o ministro em seus receios, de que a entrevista com Lula viria de fato causar confusão para o eleitorado, a lei não prevê que o Poder Judiciário faça este controle do que, como e quando os órgãos de imprensa publicam o que julgam ser informação de interesse público.
O jurista Flávio Leão Bastos, co-fundador do Observatório Constitucional Latino-Americano e professor convidado da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), não escondeu a espécie que lhe causou a decisão de Fux:
“Honestamente, eu nunca tinha visto uma decisão como essa. A jornalista que solicitara a entrevista (Mônica Bérgamo) e o veículo em que ela seria publicada (Folha de S.Paulo) são reconhecidos no país, prestam serviço de imprensa há muitos anos. Iriam exercer seu ofício e oferecer um material para o eleitor que quisesse se informar. O eleitor não precisa de tutela da Justiça sobre o que pode ou não pode ler, para não ser confundido. Nem a lei prevê que a Justiça promova este tipo de tutela”.
Na ocasião, tudo teve origem na ação de Reclamação 32.035, que o jornal Folha de S.Paulo protocolou junto ao STF, em insurgência contra decisão da 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba, que havia proibido a jornalista Mônica Bérgamo de entrevistar Lula.
Então, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar permitindo que a Folha de S.Paulo fizesse seu trabalho. Sustentou sua posição com a Constituição Federal. Nela, não há nenhum dispositivo a impedir que uma pessoa que esteja presa possa dar entrevista. São muitos os exemplos de indivíduos encarcerados que foram e são ouvidos pela imprensa no Brasil.
Eis, então, que o Partido Novo ingressou com uma nova ação judicial, desta vez solicitando a suspensão da liminar concedida pelo Supremo. A base legal do pedido? O artigo 4º da Lei 8.437/1992, que diz:
ART. 4º COMPETE AO PRESIDENTE DO TRIBUNAL, AO QUAL COUBER O CONHECIMENTO DO RESPECTIVO RECURSO, SUSPENDER, EM DESPACHO FUNDAMENTADO, A EXECUÇÃO DA LIMINAR NAS AÇÕES MOVIDAS CONTRA O PODER PÚBLICO OU SEUS AGENTES, A REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO OU DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO INTERESSADA, EM CASO DE MANIFESTO INTERESSE PÚBLICO OU DE FLAGRANTE ILEGITIMIDADE, E PARA EVITAR GRAVE LESÃO À ORDEM, À SAÚDE, À SEGURANÇA E À ECONOMIA PÚBLICAS.
Bom, antes de mais nada, custa entender como a publicação de uma entrevista em um jornal poderia gerar “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”. Mas, ainda que isso fosse possível, o referido artigo não deixa margem para qualquer interpretação quando especifica que o pedido de suspensão de liminar só pode ser interposto pelo “Ministério Público ou pessoa jurídica de direito público interessada”.
Ocorre que a Lei dos Partidos Políticos (9096/95) estabelece, já em seu Artigo 1º, que partido político é pessoa jurídica de direito privado. Não há qualquer possibilidade interpretativa que altere este fato, o de que o partido Novo sequer poderia ter interposto sua ação, muito menos ter sido atendido pelo ministro Fux.
Debruçando-se sobre essas e outras aberrações constantes na decisão do magistrado, o jurista Lenio Luiz Streck, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), pós-doutorado em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa, publicou um artigo em que expôs toda a sua preocupação com os rumos que pode tomar o Brasil quando se permite este tipo de arbitrariedade. “O relativismo interpretativo ainda vai acabar com o nosso Direito. Isso tem de ser dito”, alertou o jurista.
Quem também expressou seu estarrecimento naquele sábado com a decisão do ministro Fux foi Eloísa Machado, professora da FGV Direito (Fundação Getúlio Vargas) e coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta. Para ela, a decisão é simplesmente “uma barbaridade”.
O que mais chamou a atenção da jurista foi o caráter inconstitucional da ordem de Fux. É porque não há como não classificar como censura prévia o que fez o ministro. E a Constituição Federal proíbe a censura em diversos de seus dispositivos. Eloísa se impressiona com o argumento do Partido Novo, de que entrevista iria criar desinformação nas eleições. “Entendeu? Informação, uma entrevista a um dos grandes jornais do país, a uma jornalista renomada, vai gerar desinformação…”, observou a professora, que concluiu:
“E eis que Luiz Fux, no exercício da presidência do STF, acata essa barbaridade. Barbaridade na forma e no conteúdo. Fux instaura censura prévia na canetada. Não se deixe enganar: não é regulação de matéria eleitoral. Lula não é mais candidato, por decisão da própria Justiça.”
“Ora, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que Lula não poderia fazer campanha com o registro de candidato indeferido, enquanto os recursos eram julgados. Lula então desistiu da candidatura e dos recursos. Ponto. Fernando Haddad agora está sujeito às regras eleitorais, não Lula.”
O voto de Fux contrário às medidas restritivas ao réu Jair Bolsonaro
Em nada se confunde o cenário de 2018 com o de 2025. Atualmente, Jair Bolsonaro é réu em um processo em que faz uso das redes sociais para continuar em suas práticas delitivas, de atentar contra o Estado Democrático e de Direito, de mover seus seguidores e até outras nações – por meio de mentiras e ataques infundados – a perseguir e fustigar instituições e autoridades da República, de atrapalhar o curso do processo em que é réu por meio de sua retórica virulenta e falseadora dos fatos.
Por isso é justificável sua proibição de continuar usando as redes para cometer crimes. É uma medida cautelar condizente com o crime que ele vem cometendo. Ela o impede de atuar nas redes sociais porque é exatamente por meio dessas redes – seja em perfil próprio ou de terceiros – que ele vem deliquindo. É do interesse da sociedade cessar esses ataques. Por isso foi proibido de usar as redes, por qualquer meio.
Percebe a diferença com o caso de Lula? Lula estava preso, com sentença em segunda instância que o colocara na cadeia (ainda que de modo inconstitucional). Estava preso sob a alegação de que tinha recebido um apartamento como forma de propina. Não estava preso porque, por meio de entrevistas, discursos e postagens em redes sociais, estava atentando contra a democracia, as instituições e autoridades brasileiras.
Não fazia qualquer sentido proibir Lula de falar em 2018. Faz todo sentido proibir Bolsonaro de se utilizar das redes e da imprensa para continuar mentindo, atacando o Brasil e estimulando nações estrangeiras a fazerem o mesmo. Mas quem disse que Luiz Fux se preocupa em fazer sentido?