Fux mata no peito e vota com a voz da extrema-direita. Por Edward Magro

Atualizado em 10 de setembro de 2025 às 11:50
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Acordei sem vontade de ver o voto do ministro Luiz Fux. Ainda assim, por teimosia, me obriguei a assistir.
Não consegui transpor a barreira dos dez minutos iniciais. Entre brocados e rococós embalados por uma voz sóbria, mas muito próxima da embriaguez, o vetusto decidiu que o Supremo Tribunal Federal é incompetente para julgar a tentativa de golpe.

Esperto. Não lhe passou despercebido, é claro, que as provas são numerosas, consistentes, impossíveis de refutação. Se o processo seguir, o golpe será criminalizado e seus construtores presos. Diante desse obstáculo intransponível, inventou uma saída lateral: a Corte seria o foro inadequado. Como todo jogador acuado, preferiu mudar a mesa. Não as cartas.

Numa crise de Romário, arrogou para si a posição de “craque do jogo” e decidiu que… não decidirá. Mais que isso: resolveu decidir que os outros ministros também não devem decidir.

Nesse gesto, revelou-se menos juiz e mais malandrão carioca, jogador de futevôlei em Ipanema. Se não o é, empenha-se com afinco em imitá-lo. O malandro é aquele que acredita sempre ter encontrado o truque que escapa aos demais. É o ilusionista que supõe nunca cruzar um Mister M pelo caminho. Fux parece convicto de que sua artimanha será percebida como sofisticação. Não passa de esperteza de botequim.

Essa malandragem não é inocente. É irresponsável com a História. Seu voto, coberto por verniz técnico, empolações e derivações intermináveis, será lembrado não pela astúcia, mas pela vergonha que deposita sobre as costas do Brasil. Arrisco a dizer que será a maior vergonha da história jurídica do país. Maior ainda que o silêncio do STF em favor do AI-5.

A toga deveria nos proteger. Expõe-nos, ao contrário, de forma vil e canalha. A nosso favor, a toga que não nos protegeu não o protegerá também. A História costuma ser justa nos acertos de contas de longo prazo. Os fatos são escrutinados, viram historiografia consolidada. Fux será a nossa vergonha. Mais de perto, será vergonha densa e espectral para a sua descendência.

Jair Bolsonaro, então presidente, com o ministro do STF Luiz Fux durante cerimônia de entrega de medalhas do Mérito Mauá, no Clube Naval, em 2019. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Acabo de botar um olhar de volta à encenação fuxiana. O teatro facial prossegue. O desfile infindável de bocas, caras, xises aos montes e honestidade pouca segue o curso. O voto, interminável, se arrastará ainda por horas. O ministro multiplica frases ocas para esconder a essência da vergonha jurídica que prolata. Continua mostrando, sem autopiedade alguma, que seu vocabulário inflado não é erudição. É biombo. Biombo para justificar o injustificável. Trai a Constituição com o requinte de quem recita latim para mascarar uma rendição.

Mas é preciso registrar o detalhe crucial. Fux não está falando para proteger Bolsonaro e seus cúmplices. Isso seria vulgar demais. Demasiado óbvio. É um engano pueril acreditar que Fux defende Bolsonaro. A defesa intransigente de que o STF não deve julgar a tentativa de golpe é apenas pretexto. O que orienta sua pena é um compromisso mais vasto. É sua vinculação com a extrema-direita internacional.
Nesse voto, Fux fala. Mas a voz que se ouve é a de Netanyahu. A de Trump. Até o “carajo” de Milei pode ser ouvido na sessão.

Em suma, não é com a Constituição brasileira seu vínculo maior. É com o extremismo. E, com muito gosto, com o extremismo sionista.

Entre digressões e floreios, o ministro inscreveu na História não a glória de um voto memorável, mas a marca de uma deserção. Não defendeu a Constituição. Tampouco o país. Defendeu apenas a si mesmo e a causa à qual escolheu se associar.

Mas, como sempre acontece na relação entre o esperto e a esperteza, o mais provável é que a esperteza engula, nas próximas horas, Fux e a peruca do Fux. A tendência é ele ser voto vencido. E solitário. Será voto solitário derrotado.

Ao ser tão esperto, neste julgamento, Fux perdeu a serventia. Mas continuará servente nos embates futuros. Seu voto em defesa das big techs estadunidenses — onde se cruzam os interesses extremistas com os interesses sionistas — será o próximo capítulo da fuxiana farsa. Memorável, como sempre.