
O voto do ministro Luiz Fux pela anulação do processo que julga Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado causou perplexidade no meio jurídico e nos setores democráticos da opinião pública, ansiosos para o Brasil virar essa página e interromper um histórico de instabilidade e tentativas de subverter a democracia sempre que se perde ou se teme perder eleições.
Na manhã desta terça-feira (10/09), durante o julgamento da Ação Penal 2668, no dia seguinte aos votos de Alexandre de Moraes e Flávio Dino pela condenação, Fux surpreendeu ao alegar incompetência absoluta do STF para julgar o caso. As pressões externas de Donald Trump parecem ter encontrado um ponto vulnerável no ministro, que aparentemente cedeu aos próprios interesses ou ao medo de sanções.
Como definiu o filósofo Vladimir Safatle: “O voto de Fux foi uma aula de cinismo e irresponsabilidade. Se o STF não tem como função julgar e punir tentativas de golpe de estado, o pior de todos os crimes, então para que ela serve?”
O argumento de Fux sobre a falta de foro privilegiado dos réus revela contradições gritantes. O jurista Lenio Streck foi direto ao ponto: “Fux deveria ter levantado isso no recebimento da denúncia. Ali aceitou.” A questão processual deveria ter sido suscitada na fase preliminar, não durante o julgamento de mérito. Mais grave ainda é a contradição jurisprudencial: Fux votou pela condenação de todos os “vândalos” do 8 de janeiro que invadiram os Três Poderes, sem questionar a competência do STF.
A colunista Míriam Leitão capturou essa incoerência: “Votou em todos os vândalos de 8 de janeiro que atacaram os Três Poderes sem reclamar da falta de foro. E agora quando chegam as pessoas que exerceram poder quando dos crimes ele alega a incompetência absoluta.” O advogado Augusto Botelho resumiu a situação com ironia cirúrgica: “O voto do Ministro Fux é bastante contraditório com o entendimento de outro Ministro da corte, o Ministro Luiz Fux.”
Fux tentou justificar sua posição citando Cesare Beccaria e Luigi Ferrajoli, como se tivesse se tornado subitamente um defensor do garantismo penal. A transformação soa falsa para quem conhece sua trajetória. Durante a Operação Lava Jato, Fux foi um dos ministros menos garantistas, alinhando-se sistematicamente com a acusação. As conversas vazadas entre Deltan Dallagnol e Sergio Moro em 2016 revelam essa proximidade: “In Fux we trust”, celebrava Moro após Deltan relatar que o ministro prometera apoio “para o que precisarmos”.
Agora, o mesmo magistrado que operava nos bastidores da Lava Jato invoca os clássicos do garantismo para proteger justamente aqueles que tentaram destruir a democracia. A mudança de postura não reflete evolução jurídica, mas cálculo político diante das pressões externas.

Com Carmen Lúcia e Cristiano Zanin ainda por votar, a tendência é que prevaleça a condenação. O advogado Kakay oferece uma leitura otimista: “O voto divergente do Fux só reforça a importância deste julgamento e a completa independência do Supremo Tribunal.”
De fato, a divergência desmente as acusações de “ditadura judicial” e mostra que os ministros não agem em bloco. O voto do Fux também ressalta como o debate sobre anistia é ridículo, porque a condenação nem terminou – ainda pode haver embargos infringentes, revisão criminal. Como se debate anistia de um julgamento que sequer foi concluído?
Assim como é equivocada a interferência de Donald Trump, porque eventualmente a divergência do Fux poderia ser considerada normal, mas agora ficará para a história como alguém que se curvou às ameaças de uma potência estrangeira.
Contudo, o timing e as contradições do voto de Fux levantam questões sobre as verdadeiras motivações. O ministro que um dia prometeu apoio irrestrito à Lava Jato agora cede às pressões de quem ameaça o sistema democrático. A opinião pública brasileira também fará seu julgamento.
Na minha opinião, a decisão do Fux ficará para a história como a posição de um covarde, de uma pessoa incoerente que cedeu às chantagens e à coação externa que o STF sofreu. Paradoxalmente, isso iluminará ainda mais a coragem dos ministros que tiveram bravura em defesa da democracia.
Publicado originalmente em O Cafezinho